Ao terceiro dia de debates, Francisco Rodrigues dos Santos e João Cotrim Figueiredo mediram forças num debate estridente (o líder do CDS superou o nível de decibéis usado na véspera contra Sousa Real), com poucos argumentos, uns quantos soundbites e a assunção do óbvio: a Iniciativa Liberal é mais liberal e o CDS é mais conservador. Pouco mais a acrescentar.

O filme do debate acabou por ser condicionado por Francisco Rodrigues dos Santos. O líder do CDS entrou em campo disposto a fazer de tudo para segurar o eleitorado mais conservador e para tentar provar que a Iniciativa Liberal não é um partido de direita. Entre referências a Iran Costa e ao feijão-frade, ficou no ouvido mais uma incursão do Pimba no debate político. “A IL é a Ruth Marlene da política: pisca à esquerda e à direita”, disse Rodrigues dos Santos.

A estratégia do líder democrata-cristão foi deliberada e ficou bem patente em vários argumentos usados contra a Iniciativa Liberal, um partido que defende “a eutanásia, o aborto, a prostituição, as drogas leves, a ideologia de género nas escolas ou as proibições à tauromaquia”, foi enumerando Rodrigues dos Santos.

Resta saber se a estratégia foi bem recebida pelo eleitorado potencial do CDS: num partido entalado entre um adversário liberal e outro ultraconservador, ninguém que vota Iniciativa Liberal ficará admirado pelo facto de o partido ser liberal também nas chamadas causas fraturantes; assim sendo, Rodrigues dos Santos, claramente disposto a maltratar o “primo moderninho” (e todo o eleitorado da IL), terá então de se bater única e exclusivamente com o concorrente conservador — André Ventura, leia-se.

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De resto, Cotrim Figueiredo não resistiu à provocação: a procura pela pureza ideológica do CDS fez com que o partido minguasse, não o contrário. “Se o CDS tivesse crescido e modernizado, não teríamos crescido como crescem”, sugeriu o liberal, já depois de ter devolvido o mimo ao adversário:

“Francisco Rodrigues dos Santos é o mais novo dos líderes partidários, mas tem a cabeça mais velha de todos eles. Os espectadores acabaram de perceber porque é que na ceia de Natal o CDS acaba sempre sozinho.”

Antes de entrar na chamada agenda dos “costumes”, Rodrigues dos Santos tentou marcar as diferenças dos dois partidos na área da economia. Apesar das frases fortes (“a IL deixa de se preocupar com as pessoas e olha exclusivamente para os mercados” ou “a IL é o Chega com os trocos no bolso” ou ainda “não somos capitalistas selvagens”), o debate de ideias acabou por ser anulado pelos gritos dos dois debatentes.

O líder do CDS queria provar que o partido dele não deixa ninguém para trás, Cotrim tentou explicar que a IL também não, apenas não se revia numa visão assistencialista do Estado e que “o crescimento económico tem de estar no centro das preocupações” do país. As propostas ficaram por desenvolver com substância.

Nota final sobre privatizações: Cotrim quer privatizar TAP, Caixa e RTP; Francisco Rodrigues dos Santos só admite privatizar a primeira (além de, como disse em entrevista ao Observador esta terça-feira, todas as empresas de transportes detidas pelo Estado).

O diálogo mais revelador

Francisco Rodrigues dos Santos (FRS): “Se o meu primo mordeninho deixar de fazer concessões à extrema esquerda, na eutanásia, no aborto, na prostituição, nas drogas leves, na ideologia de género nas escolas, nas proibições à tauromaquia… eu estou disponível para me entender com o João Cotrim Figueiredo”

João Cotrim Figueiredo (JCF): “Os espectadores acabaram de perceber porque é que na ceia de Natal o CDS acaba sempre sozinho. O CDS acaba de dizer que ‘nós faremos acordos com os outros partidos se eles pensarem o mesmo que nós”

FRS: “Não, não é isso”

JCF: “No caso, se deixarem de ser liberais. Se deixarem de defender aquilo em que acreditam. Quando se fazem compromissos é respeitando a identidade dos outros. Sendo o Francisco Rodrigues dos Santos o mais novo dos líderes partidários tem a cabeça mais velha de todos”.

FRS: “É? É o argumento da autoridade”

JCF: “É menos moderno, é menos aberto”

FRS: “Acha que sim? Sei que você é muito moderninho”

JCF: “Isso não é uma boa base para qualquer negociação. Neste debate também se notou que há quem esteja preocupado em resolver os problemas do país e quem está preocupado em salvar o CDS (…) Se o CDS tivesse crescido e modernizado, não teríamos crescido como crescem.”

João Adelino Faria: “E porque é que não gosta do rótulo de direita?”

JCF: “Já me resignei. Nunca me vê a levantar essa questão. Respondo sempre quando me provocam sobre isso. A maior parte das pessoas que estão a entrar na política e na vida adulta estão muito pouco interessados se determinada política é de esquerda ou direita. Estão interessados se aquilo lhes diz alguma coisa do ponto de vista de resolução dos seus problemas”

FRS: “É a política feijão-frade: tem duas caras. É a Ruth Marlene da política: pisca à esquerda e à direita”

JCF: “Temos uma ideologia muito marcada. Não nos revemos no espectro. Não somos de direita nem de esquerda. Somos Liberais”