Dois comboios a chocar de frente. André Ventura e Francisco Rodrigues dos Santos enfrentaram-se esta quarta-feira e, para lá de todos os gritos, insultos, acusações e insinuações, disputaram, centímetro a centímetro, o eleitorado mais conservador.
André Ventura entrou no debate disposto a dar a estocada final no adversário moribundo. “A queda do CDS começa quando o CDS se esquece quem é. Não queremos ser a direita mariquinhas que tem medo de tocar em vários pontos”, atirou o líder do Chega. Entalado entre um partido liberal e um partido ultraconservador, Ventura sabia que tinha de dar provas da inutilidade de um voto no CDS para insuflar a sua própria votação.
Francisco Rodrigues dos Santos, por sua vez, sabia outra coisa: só provando que o Chega é uma direita inconsequente, desprovida de ideologia, incoerente e atentatória dos valores democráticos, conservadores e cristãos, poderia impedir que o eleitorado tradicional do CDS olhe para o Chega como uma alternativa digna.
E foi isso que fez. Recuperando o tom que usou contra Inês Sousa Real e João Cotrim Figueiredo, usando as mesmíssimas armas que o adversário costuma usar, Rodrigues dos Santos atirou-se à jugular de Ventura. “André Ventura não é da minha direita. Hoje venho marcar o espaço da integridade de uma direita democrata-cristão. O André Ventura preside a uma interjeição. É um catavento do sistema político que lhe permite fazer mais barulho. É a caricatura da direita que interessa à esquerda. Qualquer voto do Chega inviabiliza qualquer solução para termos uma maioria de direita.”
Numa longa intervenção, de argumento em argumento, usando fotografias de Ventura ao lado de Bernardino Soares ou de Luís Filipe Vieira, Rodrigues dos Santos questionou o verdadeiro empenho do adversário em combater a esquerda, a complacência de Ventura com os crimes de que Vieira é suspeito, as ligações do presidente do Chega ao Vox – que chegou a sugerir a anexação de Portugal por Espanha – e a perseguição de minorias como forma de fazer política.
“Somos a direita patriótica. Você é o líder do ‘Adeus, Pátria e Família’. Somos a direita que não aceita segregações éticas, que não é racista, que não aceita a pena de morte. Sou o líder da direita de todos os portugueses”, metralhou Rodrigues dos Santos.
Na resposta, Ventura insistiu no ataque à alegada ambiguidade ideológica do partido de Rodrigues dos Santos, reafirmando a linha dura do Chega. “É um CDS que não é carne nem peixe, é o mesmo que o PS e o PSD. Humanista, nada, não querem é justiça. Achamos que quem viola e quem mata merece castigos e não paninhos quentes como o CDS. Deixou de haver direita. O CDS é a bengala rejeitada do PSD.”
Naturalmente, a disputa por quem representa e interpreta de facto os valores da Igreja acabou por dominar uma parte de um debate aceso do início ao fim. Para lá da provocação pessoal – “Ventura diz que Quarto Pastorinho de Fátima e não tem noção do ridículo” –, Rodrigues dos Santos lembrou as posições passadas de Ventura sobre a necessidade de acolher refugiados (tese de doutoramento publicada em 2013) e as posições políticas de Ventura enquanto líder do Chega para acusar o adversário de renunciar aos valores católicos.
“Meta-os [aos refugiados] em sua casa. Lições de catolicismo dá lá em casa, as suas guardo-as e atiro fora”, chegou a sugerir Ventura, ao mesmo tempo que disparava sobre Freitas do Amaral, Paulo Portas e corrupção. “São a direita mais mariquinhas que existe na Europa”, ia repetindo.
Num debate em que a determinada altura se tornou mais pessoal do que político, Rodrigues dos Santos insistiu em denunciar a plasticidade de Ventura e a falta de substância do Chega. “O rei da bazófia é André Ventura. É um partido unipessoal. Você é um fanático. Nos Açores, tratam-no como um inimputável, nem mão no seu partido tem. Se tiver um esquadrão de cavalaria à desfilada na sua cabeça não esbarra numa única ideia.”
Ventura, mais habituado a gritar do que a ouvir gritos, a interromper e não ser interrompido, ia repisando argumentos, acusando Rodrigues dos Santos de ter andado a “implorar por coligações ao PSD” e de ter adiado o congresso por “medo de ir a votos”.
“Não aceito lições suas sobre democracia interna. Em três anos, foi três vezes a votos. Não faço as cenas que faz nos congressos. Parece o líder de uma seita religiosa. Ouça: nas legislativas, não vai ficar à frente do CDS”, continuou a metralhar Rodrigues dos Santos.
Mais tempo houvesse para discutir ideias para o país – e a CNN Portugal prolongou o tempo de debate – e mais tempo os dois debatentes gastariam a trocar insultos e acusações. Enquanto Ventura acusava o líder do CDS de estar sozinho, Rodrigues dos Santos despedia-se:
“Prefiro andar sozinho do que andar mal-acompanhado. Não ando ao lado do Salvini, que não celebra o Dia da Libertação, e da Le Pen, que nega o Holocausto. Você é o líder de todos aqueles que pelo mundo fora cometem atrocidades contra a dignidade da pessoa humana.”
Diálogo mais revelador
André Ventura (AV): A autorresponsabilidade faz a separação da direita para a esquerda. Uma verdadeira direita, que não tenha medo de dizer que é de direita, não tem medo de dizer que há uma série de pessoas e de instituições a viver à conta dos nossos impostos e devíamos ter coragem de o fazer. Hoje estamos aqui com um partido — aliás, pelo qual tenho imenso respeito — numa diferença de posições, face às sondagens, significativa porque o CDS deixou de ser essa direita, porque o CDS se esqueceu de ser essa direita. Este é o CDS das passadeiras arco-íris ou uma coisa parecia; quando o Chega levou o combate à ideologia de género — e vi tantas vezes o Francisco a falar sobre isso — e [propôs] a disciplina de Cidadania como opcional o CDS não votou a favor. Mas hoje que tenho a oportunidade de estar com o líder do CDS tenho de dizer isto: acho que a queda do CDS começa quando o CDS se esquece quem é.
João Póvoa Marinheiro: Deixe-me recuar. Sobre quem está a “viver às custas dos outros”, a quem se está a referir, aos apoios sociais?
AV: Alguns apoios sociais. Esses são para manter, não é para manter aos que têm alternativa.
João Póvoa Marinheiro: E como pretende fazer essa fiscalização?
AV: Muito simples. É fiscalizar, fiscalizar e fiscalizar, com critério. É fazer aquilo que o CDS não fez. Por exemplo, evitar que pessoas com manifestações de fortuna tenham subsídios. Isso era uma coisa evidente que o CDS sempre disse que fazia e não fez. Fui candidato a Loures pelo PSD e o CDS rompeu a coligação por eu ter dito que a comunidade cigana maioritariamente vivia de subsídios. A grande maioria do eleitorado pergunta se é isto a direita. Alguns chamam-lhe direita fofinha . Não é essa direita que queremos ser, não queremos ser essa direita mariquinhas, que tem medo de tocar em todos os pontos, que tem medo de dizer as coisas. (…) É importante que o CDS não tenha medo das palavras e que se há uma parte da comunidade cigana que vive assim, o CDS não devia ter medo de o dizer e teve medo, tanto que cortou o apoio à minha candidatura. É a primeira vez que estou com o líder do CDS frente a frente e acho que isso mostra bem o medo, a forma pouco clara e assertiva em que o CDS tornou a direita, uma direita subjugada ao PSD, ao PS muitas vezes e não é a direita que as pessoas queriam do CDS.
João Póvoa Marinheiro: Comparando os dois programas encontramos pontos comuns, a fiscalização dos apoios sociais, a libertação de um Estado paternalista sequestrado pela esquerda, o compromisso dos cuidados de saúde com o setor privado e social, o combate ao que ambos consideram como ideologia de género na educação, a investigação livre da história de Portugal, a defesa do mundo rural, incluindo a caça, as touradas como atividades relevantes, o combate à corrupção, o reforço das forças de segurança e forças armadas e ainda a reversão da extinção do SEF. Aquilo que vos une é mais do que aquilo que vos separa?
Francisco Rodrigues dos Santos (FRS): Quero dizer uma coisa olhos nos olhos ao André Ventura: não é de todo da minha direita e é importante que isto fique claro.
AV: Ainda bem.
FRS: E explico porquê: porque hoje venho marcar um espaço de integridade de uma direita democracia-cristã que se funda nos valores da doutrina social da Igreja e esse é o partido que eu presido, o André Ventura preside a uma interjeição, quer tudo e o seu contrário; é o Chega, que pode tanto defender posições de extrema-esquerda como de extrema-direita. Quero recordar que o André Ventura, uma em cada três propostas da extrema-esquerda apresentadas no Parlamento, André Ventura votou favoravelmente. O André Ventura é um catavento do nosso sistema político…
AV: A favor das pessoas.
FRS: … que está sempre do lado que lhe permite fazer mais barulho, que é a tese da berraria, da escandaleira e da exploração de protesto.
AV: Já vocês estão sempre em silêncio…
FRS: … de forma completamente incoerente. O André Ventura é a caricatura da direita que interessa à esquerda e um voto em André Ventura é um voto que inviabiliza qualquer solução para termos uma nova maioria de direita no Parlamtento. Não aceito lições sobre o seu partido sobre o que é ser de direita. Ainda André Ventura era do PSD, para quem é antissistema era do PSD, veja bem a sua coerência, e estava em Loures no 25 de Abril ao lado dos comunistas, já o CDS defendia a dignidade das nossas forças de segurança.