Quem os ouve habitualmente nos debates parlamentares não os reconheceu esta noite. O tom crispado e irónico entre António Costa e João Cotrim Figueiredo não contaminou o frente a frente e ficou fora dos estúdios da CNN Portugal.  O debate foi cordato e, surpresa das surpresas, até houve momentos de sintonia (na questão da regionalização) e um piscar de olho liberal de António Costa.

Cotrim Figueiredo apareceu no duelo disposto a disputar centímetro a centímetro todo o terreno, mas do outro lado encontrou um adversário em modo de descompressão — com a Iniciativa Liberal a tentar crescer (também) às custas do PSD e a furar a ideia de voto útil à direita, pouco ou nada compensava a António Costa golear o liberal. Antes pelo contrário.

A cada ataque de Cotrim Figueiredo à “propaganda socialista” (crescimento anémico, poder de compra medíocre, produtividade das mais baixas da Europa), Costa respondia em modo de passeio, sem levantar o tom e sem perder a calma, num contraste evidente em relação ao que costuma ser o embate parlamentar entre ambos.

Exemplo prático: a taxa única de IRS proposta pelos liberais tem sido uma das fragilidades identificadas à esquerda e que mais críticas tem merecido dos socialistas; a moderadora estendeu o tapete a António Costa para comentar os deméritos da medida, o socialista teceu um breve comentário, mas preferiu repetir as propostas do PS em sede de IRS. À sua frente, Cotrim defendia-se do adversário ausente e carregava nas tintas: “[O nível de impostos] não é possível, António Costa. Não compensa trabalhar para subir na vida.”

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O único momento em que António Costa se permitiu ir mais longe foi no ataque ao modelo de Segurança Social defendido pela Iniciativa Liberal. Com um twist: foi neste momento que António Costa aproveitou para chamar Rui Rio à conversa e acusá-lo de aceitar a proposta de Cotrim Figueiredo, que passa pela redução das contribuições das empresas para a Segurança Social.

“O sistema defendido pela IL deixa desprotegidas as poupanças de quem está a contribuir hoje e também de quem está a receber pensão”, argumentou Costa. O objetivo não era verdadeiramente atacar Cotrim, mas sim colar Rui Rio a um suposto neoliberalismo que vai apostar na bolsa as reformas de milhares de pensionistas.

Cotrim tentou despir o fato de papão. “Isto não é inventar a roda. Existe um sistema parecido no Reino Unido e na Suécia. E funciona. O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social já hoje tem 20% dessa carteira investida na bolsa. Em empresas como Louis Vuitton ou como a Shell. A Segurança Social está a pôr em risco a sustentabilidade?”, provocou o liberal.

Costa estava pouco interessado em atirar a matar e continuou a insistir na ideia de que a direita ia colocar em risco todo o sistema de pensões, acusando Rui Rio de caucionar esta proposta — já no dia anterior, perante o líder do PSD, tinha atacado a sua proposta de sistema misto.

Num raro momento de alguma aproximação, ainda que forçada, confrontado com o grau de exequibilidade da sua proposta para a semana de quatro dias de trabalho, Costa elogiou os modelos liberais. “Eu nessa parte sou muito liberal, o meu sonho era viver num país nórdico onde o Estado não tivesse de interferir. Mas infelizmente não somos um país nórdico”, invejando a “capacidade da cultura de diálogo social e de contratação coletiva” que, reconheceu, “ajudaria muito o desenvolvimento do país”.

Cotrim não se deixou iludir e acabou a pugnar por um mercado laboral menos flexível. “A proposta é irrealista. Há empresários a queixarem-se de mão de obra. Há falta de mão de obra. Dizer às pessoas ‘trabalhem só 30 horas’ é arranjar problemas. Não vejo como é que isso poderia trazer grandes vantagens”, admitiu.

Na resposta, Costa garantiu que a sua ideia não passa por definir a redução para as 30 horas de trabalhos, mas antes garantir que há margem para que as pessoas possam trabalhar mais horas por dia mas menos um dia por semana. Cotrim não ficou convencido, mas foi incapaz de contrariar a ideia enquanto princípio flexível.

Os dois acabaram a concordar na regionalização, ainda que com urgências diferentes. Cotrim não assume uma posição fechada sobre o tema e promete um grupo de trabalho para estudar a questão. Já Costa propõe um referendo sobre o tema em 2024 e diz que o caminho já começou a ser feito com a descentralização de competências que foi feita nos últimos anos.

Tudo num tom pacífico e pouco de frente-a-frente político a 15 dias de legislativas, com o socialista a provocar Cotrim com os slides que trouxe, impressos em folhas, para mostrar as suas ideias: “Ainda bem que não pagam impostos”. Terminou com Cotrim a desenrolar um rolo de folhas, coladas a fita-cola, para provar que as promessas do socialista por cumprir são mais do que muitas. Costa pediu-lhe a graça no fim e levou debaixo do braço. O momento do debate, mais uma vez, viria já no tempo extra.

O diálogo mais revelador 

— António Costa [na flash interview]: “Este debate foi esclarecedor. Confirmaram-se as novas posições da nova direita portuguesa: o SNS é para ser pago pela classe média, as pensões devem ser metade privatizadas e depois logo se vê, devemos ter uma taxa única, e quanto a aumentos salariais zero, nem vê-los.” 

Jornalista: “Vai com mais confiança para a campanha ou ainda há muita estrada para andar?”

António Costa: “Há muita estrada para andar para a campanha e sobretudo depois da campanha. Tenho uma grande confiança. Os portugueses tem uma noção muito clara: esta crise política foi totalmente injustificada, foi provocada e quem a provocou deve ser castigado. Não podemos andar a brincar as crises políticas. As pessoas percebem bem o que mudou ao longo destes anos. Desta vez acredito que pensam que têm de me ajudar e dar mais força.”

(…)

João Cotrim Figueiredo [na flash interview]: “António Costa sabe que as propostas de IL não são irrealistas. É algo que funciona.”

Jornalista: “Quem ganhou…”

João Cotrim Figueiredo: “Foi um debate entre uma visão cansada, mais do passado vs. uma visão de futuro. Ganhou o liberalismo. 15 a 0. Por isso é que no dia 30 há um voto para uma verdadeira alternativa que força todos os outros partidos a debater estas ideias. Outros podem ser alternância. Alternativa, alternativa é a Iniciativa Liberal.”  

Jornalista: “Qual é objetivo da Iniciativa Liberal para estas eleições?”

João Cotrim Figueiredo: “4,5% dos votos a nível nacional e cinco deputados.”

Jornalista: “Para influenciar a futura solução de governo?”

João Cotrim Figueiredo: “Sem dúvida.”