“Isto que veem é um postal muito sujo”. O bairro degradado, na zona da Graça, em Lisboa, dispensa apresentações. Mas Rosa Gomes, membro da Associação de Moradores da Quinta do Ferro, faz de cicerone durante toda a ação de campanha do PAN — a primeira, no arranque oficial de duas semanas na estrada. “Gostava de que fosse um sítio onde todos possamos viver e que haja jovens dentro da cidade de Lisboa”. O bairro bem no coração da capital não é desconhecido de Inês Sousa Real, que já o visitou há cerca de ano e meio, tendo por isso concluído desde logo: “Um ano depois, está tudo na mesma”. Rosa Gomes vai mais longe: “Desde a primeira vez que cá estiveram, vão ver a mesma coisa. Ou pior ainda.”

Durante pouco mais de uma hora, a comitiva do PAN, constituída por cerca de 15 elementos, visita a Quinta do Ferro, que alberga cerca de uma centena de famílias, que, em muitos casos, vivem em condição de pobreza. Rosa Gomes conhece quem mora por trás de cada uma daquelas portas e, ao longo do percurso, chama por vezes o dono da casa, que vai à porta. Alguns espreitam pela janela, mais tímidos, outros saem de casa para contarem a sua história e as condições em que atualmente vivem.

A porta-voz do Pessoas Animais Natureza (PAN), Inês de Sousa Real (D), conversa com moradoras, durante uma visita à Quinta do Ferro com Associação de Moradores e Proprietários, 16 de janeiro de 2022. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

A porta-voz do PAN com dois membros da Associação de Moradores e Proprietários, que conduziram a visita da comitiva

É o caso de Gonçalo Borges, de 58 anos, que corrobora a informação de que, desde a última visita do partido àquele bairro, houve “poucas mudanças, tudo exatamente na mesma”. Ainda assim, reconhece que nos casos de moradores que não tinham “água canalizada”, já foram realojados. Gonçalo Borges confessa até que já recebeu uma “intimação” para ele próprio arranjar a sua própria casa, mas “não há condições para isso”. “Acho que se calhar vou acabar é por ficar sem isto. Não tendo condições para arranjar, ainda vou ser prejudicado com isto tudo e vou ser multado”, remata com um sorriso enquanto conversa e que contrasta com a situação que vai descrevendo.

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Rosa Gomes, da Associação de Moradores da Quinta do Ferro, explica ao Observador que neste momento também não é possível fazer o levantamento do número de casas ilegais que se encontram naquele bairro. Entre casas encavalitadas umas em cima das outras, e roupa pendurada nos estendais, é possível ver habitações muito degradadas, muito lixo no chão e um ambiente que não deixa dúvidas — grande parte daquela gente vive em fracas condições de habitabilidade.

Inês Sousa Real já tinha visitado a Quinta do Ferro há cerca de ano e meio e voltou este domingo para a primeira ação oficial da campanha

Quanto à requalificação, a autarquia tem visitado o local, mas o processo ainda não sofreu avanços. Inês Sousa Real vai ouvindo com atenção as queixas dos vários moradores, sempre com um sorriso na cara. Garante que não esquece este bairro e que o deputado eleito pelo PAN à Assembleia Municipal, também presente nesta iniciativa, vai voltar a levar o assunto às reuniões de Câmara, a quem acusa de “fechar os olhos há tantos anos” à situação da Quinta do Ferro.

Em declarações aos jornalistas, Inês Sousa Real afirma que, “tirando situações de pessoas que estavam a viver em contexto de sem abrigo, e que foram de facto realojadas, não houve qualquer intervenção” naquele bairro. A líder do PAN defende que é “fundamental garantir uma bolsa de alojamento público”, reabilitar habitações e também combater a pobreza energética.

Arranque de campanha a meio gás com folhetos a apelar à alimentação vegan

Os poucos que passam na zona de Santa Apolónia quase que não reparam que por ali segue a comitiva do PAN, preparada para uma ação de contacto com a população e distribuição de flyers (sim, o partido “amigo do ambiente” também distribui papéis à população). Depois de ter visitado a Quinta do Ferro, na Graça, a caravana do PAN desce ruas fora até chegar Santa Apolónia. É  domingo e são poucas pessoas na rua durante esta ação de campanha. Não há barulho, vão sendo abanadas as cinco bandeiras existentes na comitiva, e Inês Sousa Real distribui flyers, ao mesmo tempo que é também contida nas palavras.

A meio do percurso, lá se ouve um “somos PAN”, ecoado por um dos elementos da comitiva, mas ninguém lhe segue as pisadas e acaba por desistir pouco depois. “Quem vai ali às mesas?”, questiona Inês Sousa Real, referindo-se às esplanadas do outro lado da rua. Ninguém responde à porta-voz do PAN, que assim acaba por seguir caminho e lá voltar pouco depois. E é precisamente nas mesas de esplanadas de alguns restaurantes que a deputada encontra eleitores a quem pede sobretudo para votarem no dia 30 de janeiro. Mais do que votarem PAN.

Os diálogos pouco saem desse mesmo modelo, aliado também ao pouco interesse de quem recebe o programa do partido, agradece e continua a sua vida. Mas é quando fala de comida vegan, que Inês Sousa Real se mostra mais à vontade no contacto com a população. Afinal de contas, também é essa a sua praia. “Têm aqui também este folheto. É uma receita de Cozido à Portuguesa Vegan“, explica entre sorrisos. A recetividade de um dos grupos grandes que ali se encontra sentado ajuda à boa disposição e conversa. De um lado do folheto, os ingredientes — como seitan ou chouriço de soja –, do outro o modo de preparação.

Foi só o primeiro dia oficial de campanha e o clima é ainda morno, com uma comitiva discreta. O partido, que também quer ser Governo e tem sido cortejado por António Costa (e com umas piscadelas de olho ao PSD de Rui Rio), ainda tem estrada para andar até conseguir ser essencial numa solução governativa.

Ainda estão muito presentes os debates na pré-campanha e Inês Sousa Real não se saiu mal no teste da rua. “Gostei muito de si, gostei muito da sua prestação ontem”, grita uma senhora numa paragem de autocarro, referindo-se ao frente a frente deste sábado com o líder social-democrata, Rui Rio.

Inês Sousa Real lamenta ausência do parecer da PGR sobre votação dos isolados a duas semanas das eleições

Em declarações à margem da primeira ação de campanha oficial, e questionada sobre o número de inscritos na modalidade de voto antecipado, que a meio da tarde deste domingo já tinha superado os 19 mil, a líder do PAN fala em “sinal positivo”, mas prefere lembrar o parecer da Procuradoria-Geral da República sobre a votação dos eleitores em isolamento, pedido pelo Governo e que ainda não é conhecido.

“É com apreensão que olhamos para o facto de não tendo sido alargados os prazos de voto, não existindo ainda o parecer da PGR em relação às mesas de voto, continuamos sem saber que resposta é que o Governo vai dar àquilo que se estima serem cerca de 500 mil pessoas que poderão vir a não conseguir votar por força da pandemia”, defende Inês Sousa Real.

“Temos ouvido reiteradamente que estão a aguardar o parecer, já é o quarto ato eleitoral em situação de pandemia, não é a primeira vez que estamos a atravessar esta situação e, por isso, o Governo poderia e deveria ter antecipado as condições de votação”, reforça.

O PAN parte para esta campanha com a expectativa de “reforçar a representação” na Assembleia da República. Inês Sousa Real acredita que vai conseguir segurar o grupo parlamentar e assegura que “na rua, as pessoas têm dado muita força ao PAN” e que “têm percebido que o partido foi responsável ao dar a possibilidade” de o Orçamento do Estado para 2022 chegar à especialidade.

O dia 1 da campanha do PAN, com o foco no tema da habitação, seguiu ao fim da tarde com um debate online com a ILGA, sobre questões dos direitos LGBTI+. Já à noite, Inês Sousa Real tem presença marcada numa Digital Talk, também online, com os cabeças de lista do PAN por Viana do Castelo e Vila Real.