Portugal é um país corrupto? Segundo o Índice de Perceção a Corrupção de 2021, feito todos os anos pela Transparency International, apesar de alguns esforços, Portugal tem estagnado e não tem evoluído muito nos últimos anos, ocupando agora o 32.º lugar da classificação, com 62 pontos — a mesma posição que ocupava em 2019, e abaixo dos valores médios médios da União Europeia (64 pontos) e da Europa Ocidental (66 pontos).

O relatório agora divulgado conclui mesmo que um dos motivos que explicam esse resultado são as verdadeiras falhas no combate à corrupção em Portugal, nomeadamente na Estratégia Nacional Anti-Corrupção (ENAC), anunciada pelo Governo, por deixar de fora do seu âmbito os gabinetes dos principais órgãos políticos e de todos os órgãos de soberania e, também, o Banco de Portugal. Uma questão para a qual o próprio GRECO (o órgão anti-corrupção do Conselho da Europa) já tinha chamado à atenção, quando alertou, em abril de 2021, para o facto de a ENAC ignorar, quase por completo, a questão da corrupção política.

Este relatório “diz-nos que melhorámos um bocadinho”, considera Susana Coroado, presidente da direção da Transparência Internacional Portugal, em declarações à Rádio Observador. Em 2021, Portugal tinha tido a pior classificação de sempre desde que entrou neste índice. “Melhorámos porque o governo adotou e finalizou a estratégia anti-corrupção, mas não foi suficiente, porque se fica muito na pequena corrupção — que não é um problema gritante em Portugal — e ignora-se a grande corrupção, sobretudo a nível político, que é o que maior preocupação traz”, considera a responsável da Transparência Internacional Portugal.

Imagem gráfica da Perceção da Corrupção na Europa

Uma mudança que só será possível se os “órgãos de soberania e os partidos políticos” forem considerados nessa estratégia. “Se o governo deixa de lado os principais órgãos políticos (…), isto não passa uma imagem de liderança pelo governo”, lê-se no comunicado enviado sobre o relatório.

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Se só subimos um ponto no Índice de Perceção da Corrupção, é porque a Estratégia Nacional Anti-Corrupção não é de todo satisfatória. Ainda temos muito que trabalhar ao nível da grande corrupção e do reforço institucional para a prevenção da corrupção ao mais alto nível político e das instituições públicas”, considera Susana Coroado.

Segundo o relatório agora conhecido, Portugal é também um dos 26 países da Europa Ocidental e União Europeia em que não se registaram evoluções significativas na última década, e desde 2012 que regista variações anuais mínimas. A pontuação é feita de zero (para a perceção de muito corrupto) a 100 (país visto como muito transparente). Partindo desta avaliação, Dinamarca e Nova Zelândia voltaram a liderar o índice deste ano, com 88 pontos, a que se lhes junta a Finlândia, com a mesma pontuação. Síria e Somália (13) e Sudão do Sul (11), pelo contrário, continuam nos últimos lugares. Destes três países, apenas a Somália melhorou a sua pontuação (tinha 12).

Portugal desce três lugares no Índice de Perceção da Corrupção de 2020

Estagnação é geral. Países baixaram os braços

Mas Portugal não é o único país sem grande evolução nesta matéria. O Índice de Perceção da Corrupção mostra que os níveis de corrupção permanecem praticamente inalterados em todo o mundo, com 86% dos países a registar pouca ou nenhuma evolução no combate à corrupção nos últimos 10 anos, o que indica uma estagnação dos esforços governamentais para combater as causas profundas da corrupção.

A estagnação no combate à corrupção representa um grave problema para a Europa. Mesmo os países mais bem classificados têm tido grandes escândalos, revelando o perigo da falta de ação dos governos. Outros países permitiram que a corrupção alastrasse e vemos agora graves ataques às liberdades fundamentais dos cidadãos”, afirmou Flora Cresswell, coordenadora regional da Transparency International para a Europa Ocidental.

Cresswell acrescenta a ideia de que “a Europa não vive isolada do mundo. A falta de um robusto combate à corrupção a nível nacional levou a que a corrupção seja exportada a nível internacional, uma vez que os atores estrangeiros aproveitam-se de leis fracas para ocultar dinheiro e, assim, financiar a corrupção no seu país”.

O relatório da Transparency International conclui também que países que violam as liberdades civis são os mesmos que apresentam pontuações mais baixas no Índice. “A complacência na luta contra a corrupção exacerba as violações dos Direitos Humanos e mina a democracia e a confiança nas instituições democráticas, desencadeando um ciclo vicioso. À medida que estes direitos e liberdades se desgastam, a democracia declina e o autoritarismo toma o seu lugar, contribuindo para níveis ainda mais elevados de corrupção”, lê-se no comunicado enviado às redações.

Os Direitos Humanos não são um pormenor na luta contra a corrupção. As abordagens autoritárias destroem os controlos e equilíbrios independentes e tornam os esforços anti-corrupção dependentes dos caprichos de uma elite. Assegurar que as pessoas possam falar livremente e trabalhar coletivamente para poderem escrutinar e responsabilizar os governos é o único caminho sustentável para uma sociedade livre de corrupção”, defende Delia Ferreira Rubio, presidente da Transparency International.

CPLP: corrupção no Estado é motivo de alerta

Na edição de 2021 do Índice de Perceção da Corrupção, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa continua a ser a mais débil, sendo claros os problemas de corrupção no setor público. Dos nove países que constituem a CPLP, apenas São Tomé e Príncipe piorou a pontuação em relação ao ano anterior, enquanto Brasil e Cabo Verde mantiveram o mesmo valor. Todos os restantes melhoraram, ainda que não se trate de variações significativas.

À exceção de Portugal e Cabo Verde, todos os países da CPLP têm uma pontuação inferior a 50 – numa escala de zero (para muito corrupto) a 100 (muito transparente). Dos nove, apenas quatro estão posicionados acima do meio da tabela: Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

O Índice de Perceção da Corrupção (CPI) foi criado em 1995 e analisa os níveis de corrupção no setor público de 180 países e território. Em 2012, a Transparency International reviu a metodologia usada para construir o índice, de forma a permitir a comparação das pontuações de um ano para o seguinte.