Atualizado às 16h20 com comunicado do Ministério do Ambiente e Ação Climática.

A falta de chuva a partir de janeiro não será a única razão a explicar a queda para valores históricos dos níveis de água nas barragens onde também se produz eletricidade. Segundo o antigo diretor-geral de Energia, o sistema está a recorrer mais à produção hídrica do que seria normal para um ano seco para compensar o fim antecipado da geração a carvão.

Num artigo de opinião publicado no Observador, Mário Guedes diz que o sistema elétrico ficou deficitário com o fim das centrais a carvão. O Pego foi a última central a carvão a fechar em novembro do ano passado, com o fim do contrato de aquisição de energia, mas o maior impacto terá vindo da central de Sines. A unidade que tinha maior capacidade instalada no país encerrou no início de 2021, antes do que estava previsto pelo Governo, por decisão da EDP. A elétrica invocou razões de rentabilidade que foi penalizada pelo aumento dos custos com o CO2, mas também pela decisão do Governo de eliminar gradualmente a isenção fiscal ao combustível usado.

Uns milhões a voar pela janela

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De acordo com Mário Guedes, “uma análise, mais detalhada e alongada no tempo, permite igualmente compreender que, com a ausência da produção de energia vinda das antigas centrais a carvão do Pego e de Sines, o sistema ficou claramente deficitário, sendo necessário recorrer à quase totalidade da potência disponível das centrais de ciclo combinado a gás natural, à importação de eletricidade e finalmente à disponibilidade hídrica (água das barragens). Fica assim absolutamente percetível o motivo pelo qual o nível de água nas barragens é bastante abaixo do normal.

Seca. Governo suspende produção de electricidade em 5 barragens da EDP

O Governo suspendeu na semana passada a produção de eletricidade em cinco barragens da EDP devido ao nível baixo das bacias e para garantir o abastecimento para consumo humano por dois anos. São elas Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rabagão, Vilar/Tabuaço, Cabril e Castelo de Bode no Zêzere. Notícias recentes indicam que esta medida, apesar da continuada ausência de chuva, permitiu já repor alguma da água, mas há quem considere que a restrição determinada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) devia ter sido adotada mais cedo.

A par do gás natural, as barragens são a outra fonte de energia despachável (cuja produção pode ser gerida em função das necessidades, neste caso porque permitem o armazenamento. Mas sem água, as grande hídricas não podem funcionar como estabilizador do sistema que fica dependente do gás natural e de Espanha.

Mário Guedes aponta também para o que se passa do lado espanhol onde as centrais a carvão têm continuado a operar, não só porque o gás natural está muito caro, mas também por razões que se prendem com a segurança do abastecimento.

Elétricas que desligaram carvão em Portugal continuam a produzir em Espanha (por causa do preço e não só)

As estatísticas da REN (Redes Elétricas Nacionais) mostram que a produção de eletricidade em Portugal caiu 5% em 2021, uma queda que se acentua nos últimos meses do ano depois do fecho da central do Pego. No entanto, a produção a gás natural, a única tecnologia térmica que permite compensar a imprevisibilidade das renováveis, também baixou 11,6%. Uma queda que será explicada pelo alto custo da produção com este combustível, sobretudo a partir de meados do ano, comparado com 2020, um ano em que por causa da pandemia e da crise económica o gás natural esteve barato.

E se é certo que a produção hídrica também baixou, 2021 foi um ano mais seco do que 2020, a geração dos últimos cinco meses incluindo janeiro representou cerca de 16% da produção total, uma percentagem que é superior à verificada em outros anos de seca como 2017. Mas há outra explicação para se verificar uma maior produção do que em outros anos secos e é o mercado. Os preços elevados a que a energia está a ser vendida no mercado grossista servem de incentivo aos produtores hídricos que ganham mais porque não têm de suportar os custos com combustível e licenças de CO2.

Governo contraria tese de que o fim carvão fez subir importações de Espanha

Mas olhando para as estatísticas da REN, verificamos que é através da importação de Espanha que Portugal tem conseguido colmatar a insuficiência da produção elétrica com o saldo importador a crescer mais de 200% no ano passado, Esta situação também é destacada por Mário Guedes que refere uma incorporação de 8% a 22% de energia vinda de Espanha. Mário Guedes avisa que por causa do “encerramento precipitado das centrais a carvão”, Portugal vive neste momento “uma dependência energética, ao nível de eletricidade, como já não ocorria há décadas, uma dependência que, com a ausência das comentadas interligações de eletricidade com França e Marrocos, deixa Portugal numa situação estratégica de vulnerabilidade”.

Para além da questão estratégica, o ex-diretor da DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia) aponta ainda para o custo desta dependência que está a ser agravado pela subida do preço da eletricidade nos mercados grossistas.

A relação direta entre o fim do carvão e as importações foi já posta em causa pelo secretário de Estado da Energia, João Galamba, numa publicação no Twitter onde argumenta que as compras a Espanha são determinadas sobretudo pela seca.

Em comunicado o Ministério do Ambiente e Ação Climática afasta também a ligação entre as importações e o fim do carvão., face à “circulação de dados que considera “incorretos. “Não tem correspondência à realidade a ideia de que Portugal importa eletricidade porque encerrou as centrais a carvão. (…) Basta recordar que, estando Sines e o Pego a funcionar, o país era importador líquido de eletricidade. Para a determinação do sentido do saldo importador ou exportador tem maior relevância o ano hidrológico ou seco ou húmido”.

Outro fator que pesa é a competitividade das centrais portuguesas e o preço a que podem fazer ofertas. Se for mais barato importar do que ligar mais capacidade (neste caso térmica) essa será a opção do gestor da rede.

Sem referir-se concretamente ao efeito o fim do carvão teve na descida recente do nível das barragens, em condições de seca extrema, o comunicado indica que no primeiro semestre deste ano haverá mais 600 MW de energia solar, o que corresponde grosso modo, à produção da central do Pago (que fechou em novembro). Capacidade que ainda não está disponível. E sublinha ainda que a produção a partir de carvão também implica importações.

Mário Guedes foi diretor-geral de Energia por mais de um ano, nomeado pelo secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, e foi afastado do cargo com a chegada da atual equipa ao Ministério do Ambiente e quando João Galamba assumiu a pasta da energia em 2018.

Diretor-Geral de Energia afastado após entrada em funções de João Galamba