Foi “de deixar o queixo caído” a atuação da texana Mickey Guyton pouco antes do início da partida entre os Los Angeles Rams e os Cincinnati Bengals na Super Bowl. A expressão foi adotada pelo The New York Post sobre a interpretação que a cantora de country americano protagonizou no SoFi Stadium do hino dos Estados Unidos, acompanha por um coro que pretendia transparecer tanta diversidade quanta a multiculturalidade da população americana. A National Football League (NFL) já publicou nas redes sociais o momento, classificando-o de “incrível”. Pode vê-lo aqui em baixo.

Antes da atuação de Mickey Guyton, a soprano Jhené Aiko levou a voz do R&B a uma das canções mais patrióticas dos norte-americanos, “America the Beautiful”.

O espetáculo de Mickey Guyton é mais do que um marco na carreira da artista: é também uma vitória no percurso de uma mulher negra que lutou contra o racismo e o machismo numa área musical dominada por cantores brancos do sexo masculino. Ainda no início do ano, Mickey Guyton deparou-se com mais uma mensagem preconceituosa quando foi confirmada como a cantora de “The Star-Spangled Banner” no evento desportivo mais popular dos Estados Unidos: “Não queremos o teu tipo na música country”, disse um internauta no Twitter. Mickey Guyton limitou-se a responder: “Que o teu pequeno coração seja abençoado”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É apenas mais uma pedra no caminho. Em 2011, a cantora de 38 anos mudou-se para Nashville para gravar um álbum e veio a conquistar o público depois de dois anos de aparições em programas de rádio e uma ovação no Seminário de Rádio Country ao interpretar “Better Than You Left Me”. Mas pareceu não bastar: os mesmos responsáveis de rádios nacionais que a elogiaram em 2013, dois anos mais tarde mostraram-se desinteressadas em transmitir as suas canções: argumentaram que outra cantora country tinha surgido primeiro e não havia mercado para duas vozes femininas na área.

A cor de pele com que nasceu também foi utilizada como um alvo de críticas: a música que criava “não era country o suficiente”, era “demasiado semelhante ao soul”, “demasiado parecida a R&B” ou “muito próxima do pop” — tudo áreas com mais artistas negros do que o country. Foi assim até 2019, quando uma conversa cândida com o marido acabaria por ditar uma mudança de rumo, tal como a própria admitiu ao The Washington Post: “Porque é que achas que a música country não está a funcionar para mim?”, questionou Mickey Guyton ao marido, o advogado Grant Savoy, que respondeu: “Porque estás a fugir de tudo o que te faz diferente”.

Nesse mesmo ano, Mickey Guyton trabalhou nas duas canções que, no ano seguinte, fariam disparar o sucesso musical da cantora: “What Are You Gonna Tell Her?” sobre as batalhas das mulheres contra a misoginia; e “Black Like Me”, onde a artista espelhou o racismo e o preconceito que enfrentou ao longo de uma década. A última não convenceu a editora que a representava, que ainda debatia se a música devia ou não ser publicada quando Mickey Guyton lançou a canção nas redes sociais e a dedicou a três vítimas de violência contra negros — Ahmaud Arbery, Breonna Taylor e George Floyd.

A canção tornou-se viral e chamou a atenção do Spotify, que a quis publicar como um hino no Blackout Tuesday, um movimento em que várias celebridades se manifestaram contra o racismo e a brutalidade policial. “Black Like Me” fez de Mickey Guyton a primeira mulher negra nomeada para um Grammy de melhor espetáculo country a solo em 2021. Só então a cantora publicou finalmente o seu primeiro álbum, “Remember Her Name”, que agora também está nomeado para um Grammy.