Foi já há mais de três anos que o mundo do futebol parou, em choque, para ouvir a notícia de que Emiliano Sala tinha desaparecido nas águas do Canal da Mancha depois de a avioneta em que viajava se ter despenhado. Aos 28 anos, acabado de deixar o Nantes para assinar pelo Cardiff, o jogador argentino morreu sem realizar todos os sonhos que tinha começado a desenhar em Santa Fe e que o levaram a Espanha, Portugal e França. Mais de três anos depois, a dor da mãe de Sala continua a ser o exemplo maior do vazio que o avançado deixou.

Esta terça-feira, foi divulgado parte do testemunho escrito que Mercedes Taffarel, a mãe do jogador, assinou para o julgamento que ainda está a decorrer em Bournemouth, Inglaterra. David Henderson, o responsável pela organização do voo que levava Emiliano Sala naquele dia de janeiro de 2019, já foi condenado a 18 meses de prisão por um tribunal do País de Gales por ter permitido o transporte de um passageiro sem autorização válida — ou seja, por ter deixado a condução da avioneta entregue a David Ibbotson, um amigo que não tinha qualificações para realizar um voo daquele calibre e cujo corpo nunca foi encontrado. Agora, está a ser julgado por alegadamente ter colocado em risco a segurança de um avião, uma acusação que nega.

Quase três anos depois, um condenado pelo acidente de avião de Emiliano Sala: organizador do voo com pena de 18 meses de prisão

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Foi numa das sessões deste julgamento, que já está na reta final, que foi lido o testemunho de Mercedes Taffarel. “Era um jovem com a vida toda pela frente, cheio de sonhos para o futuro. Estava ansioso para jogar numa liga tão importante como a inglesa. Queria aprender inglês e viajar para alguns dos mais importantes locais do Reino Unido. Ele adorava viajar”, começou por escrever a mãe de Sala, que também contou os primeiros passos que o filho deu no futebol, desde o momento em que entrou num clube aos quatro anos até ao dia em que lhe pediu para sair de casa para ir atrás do sonho.

“Um dia disse-me que tinha de o deixar ir. Que, se não o deixasse, estaria a matá-lo”, disse Mercedes, comentando a altura em que Emiliano Sala foi jogar para o Proyecto Crecer, a 200 quilómetros de casa, antes de se mudar para Espanha com apenas 17 anos para representar o Soledad de Maiorca. Seguiu-se o Crato, nos Distritais portugueses, o Bordéus, com empréstimos ao Orléans, ao Niort e ao Caen, e finalmente o Nantes, onde foi treinado por Sérgio Conceição e onde deu nas vistas no futebol europeu. “Adotou um cão num abrigo local para ter companhia, ele adorava animais. Era uma pessoa que gostava de calor humano, era muito próximo dos colegas de equipa. Era feliz lá”, recordou a mãe do avançado sobre a vida que este tinha na cidade francesa.

Começou nos Distritais em Portugal, foi treinado por Sérgio Conceição, recusou a China pela Premier: o perfil de Emiliano Sala

Até que, naquele mercado de inverno de 2018/19, surgiu a possibilidade de rumar ao País de Gales e ao Cardiff. “O Cardiff colocou muita pressão sobre ele para que a transferência fosse rapidamente fechada. Mas o Nantes queria mais dinheiro e ele ficou no meio daquela situação. Estava na dúvida, aquelas semanas foram intensas”, lembrou Mercedes, que para além de pedir justiça continua a exigir receber os 17 milhões de euros que os galeses iriam pagar aos franceses pela transferência, defendendo que merece ficar “com aquilo que o filho valia”. No testemunho, a mãe de Emiliano Sala deixou ainda as recordações dos dias que se seguiram ao acidente e antes de o corpo do argentino ser encontrado.

“Falámos no sábado e ele disse-me que ainda tinha coisas para resolver em Nantes. Depois, como não nos disse nada, pensei que tinha chegado a Cardiff cansado e que tinha adormecido”, explicou, acrescentando que a chamada do agente do jogador, a informar a família sobre o desaparecimento do avião, chegou perto das 6h. Dias mais tarde, sem que os destroços tivessem sido encontrados, as buscas foram dadas por terminadas. A família, porém, não desistiu e reuniu fundos para prosseguir as operações — com o apoio financeiro de argentinos como Messi, Otamendi e Higuaín.

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“Discutimos com as autoridades mas eles não queriam continuar. Com um tempo muito frio, visitámos as ilhas, a gritar o nome do Emi, à espera de que ele nos ouvisse… Acabou em dor, uma dor que permanece até aos dias de hoje. Nada pode trazer o Emi de volta mas agora pedimos justiça para que possamos ter paz de espírito e ele possa descansar em paz”, terminou Mercedes Taffarel.