A companhia Saudade Theatre estreia em 15 de abril em Nova Iorque a sua peça original “El Comanchero”, em que busca explorar a jornada de dois emigrantes portugueses e o encontro de culturas na identidade luso-americana.

“Decidimos escrever uma coisa enraizada na nossa experiência enquanto atores e emigrantes portugueses nos Estados Unidos, alicerçada na ideia de fazer um espetáculo de bastidor”, disse à Lusa o ator Diogo Martins, codiretor artístico da companhia, que protagoniza a peça com Filipe Valle Costa.

“El Comanchero” desenrola-se quando dois atores estão a preparar-se para entrar em cena e representar a peça “Long Day’s Journey into Night”, um texto emblemático e “muito representativo” da cultura americana.

Na história, um dos atores conseguiu alcançar o sonho americano e o outro tem a desilusão de voltar para Portugal por questões de família.

“Queríamos explorar um texto que abordasse a saudade e o que é esta palavra para nós“, explicou Filipe Valle Costa. “Toda a distância e saudade que sentimos e o que é viver esta experiência, a ideia de limbo e estarmos sempre aqui e lá, que é muito o ‘ethos’ do emigrante, sempre em suspenso”, continuou.

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Escrita ao longo dos últimos três anos, “El Comanchero” aborda questões de pertença, do que é ter uma existência portuguesa nos Estados Unidos e perseguir o sucesso como emigrantes.

“Tentámos descortinar o que é o sonho americano, este mito, se existe, onde é que nos inserimos dentro dessa mitificação”, disse Filipe Valle Costa.

Mais de uma década depois de ambos terem chegado aos Estados Unidos, a ideia do sonho americano “já é uma coisa mais ambígua, mais madura, com menos estrelas nos olhos, uma perspetiva mais pragmática do que quando saímos de Portugal”, acrescentou Diogo Martins.

A ideia de escrever “El Comanchero” surgiu quando o grupo recebeu o convite de um luso-canadiano para apresentarem uma peça em Toronto, antes do início da pandemia de covid-19, e foi desenvolvida em colaboração com Pedro Marnoto e Pedro Carmo, com produção de Vanessa Varela.

O título descreve uma longa-metragem fictícia protagonizada pelo ator que alcançou o sucesso e é uma referência ao facto de os atores portugueses serem frequentemente procurados para interpretarem personagens latino-americanos.

“É a ironia de eu e o Diogo termos vindo para cá e chegamos às nossas audições para fazermos de mexicanos e colombianos”, descreveu Filipe Valle Costa.

“Noventa por cento das audições que eu e o Filipe fazemos é para personagens latinas, o que levanta um conjunto de questões em termos de identidade e onde nos inserimos nesta narrativa do emigrante nos Estados Unidos”, acrescentou Diogo Martins. “O mainstream americano não sabe onde enquadrar o ator nem a cultura portuguesa”, referiu.

Embora as coisas tenham mudado nos últimos anos, com maior reconhecimento de Portugal no país, ainda há uma lacuna e uma dificuldade de situar os portugueses e luso-americanos.

“Por sermos mais morenos, a maior parte dos americanos brancos não sabem onde nos vão enquadrar, e na sociedade americana tende a haver essa necessidade de catalogar”, explicou Diogo Martins. Ao explorarem estas questões no teatro, os atores querem ir para lá da dualidade e introduzir nuance, expondo a complexidade do ser humano.

Com uma campanha de financiamento a decorrer na plataforma Fractured Atlas, “El Comanchero” é uma peça original do Saudade Theatre, que foi fundado em 2014 e passou os últimos anos em Los Angeles, onde adaptou para inglês a peça “A Constituição” de Mickaël de Oliveira.

O grupo regressou a Nova Iorque depois de ser convidado para companhia residente na FRIGID New York, onde esta nova peça será apresentada.

“Estou entusiasmada para ver o Saudade Theatre a levantar a sua voz no futuro”, disse a diretora executiva, Vanessa Varela. “Estamos a criar coisas dentro da consciência luso-americana e a definir o que é isso, há um sentido de encontro de culturas”, referiu.

Depois de estar em cena em Nova Iorque, a intenção é levar “El Comanchero” a outros locais, dentro e fora dos Estados Unidos, e o grupo tem planos para participar em festivais de teatro, incluindo o de Edimburgo e o de Almada.

“O que torna esta peça única é que inclui a nostalgia pelo que passou, pelo que existia em Portugal, e o que significa sofrer perdas ou não estar presente em momentos alegres porque estão deste lado”, disse a produtora.

“Esta especificidade é o tipo de trabalho que consegue ser muito universal. Apesar de ser específico, de ser português e de as pessoas não terem as mesmas referências, espero que a audiência se identifique”.

El Comanchero” estreia a 15 de abril no Kraine Theater e estará em cena até maio. O espetáculo tem cerca de 1h15 de duração e a 25 de abril haverá uma encenação focada no público português. Será ainda possível adquirir bilhetes e assistir online via streaming.