Manuel Heitor foi substituído por Elvira Fortunato, mas pouco mudou, para já, no Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Olhando para as 12 páginas que este setor ocupa no relatório da proposta de Orçamento do Estado para 2022 apresentada esta quarta-feira pelo ministro Fernando Medina, encontramos uma cópia praticamente integral e ipsis verbis (com pouquíssimas alterações) da proposta de OE que o Governo apresentou em outubro de 2021 — e que acabou por ser chumbada, numa votação parlamentar que levou à dissolução da Assembleia da República, à convocação de novas legislativas e à eleição de um Governo de maioria absoluta do PS.

Uma análise comparativa entre os dois documentos — o de outubro e o desta quarta-feira — permite encontrar apenas uma diferença significativa. No segmento dedicado à promoção da “democratização do acesso ao ensino superior”, o Governo acrescentou um ponto, a propósito dos efeitos da guerra na Ucrânia: “Garantir a rápida integração dos deslocados beneficiários de proteção temporária e a continuidade dos estudos de ensino superior a todos aqueles que o frequentavam no momento do início da invasão militar da Ucrânia, através de vias de ingresso apropriadas e a atribuição dos apoios sociais adequados.”

Além desta adição, o relatório do OE para 2022 mantém-se exatamente igual à proposta de outubro, salvo emendas pontuais. Por exemplo, o documento prevê a consagração do “reforço da qualificação dos portugueses” através de “um Contrato de Legislatura entre o Governo e as instituições de ensino superior públicas para o período 2022-2026” (quando, naturalmente, o documento anterior mencionava o contrato já assinado em vigor no período da legislatura então em curso).

Elvira Fortunato. De favorita ao Nobel a ministra num país com uma Ciência burocrática e precária

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As prioridades políticas mantêm-se, bem como os números concretos. A dotação orçamental para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é de 3.124,8 milhões de euros, exatamente o mesmo valor que constava da proposta de outubro. Trata-se de um valor que excede em 18,7% aquilo que foi gasto com a Ciência e o Ensino Superior no ano de 2021 (de acordo com os dados provisórios da execução do orçamento disponibilizados pelo Governo).

Segundo o relatório que acompanha a proposta de Orçamento do Estado, o investimento no ensino superior prende-se com várias metas concretas. Uma delas é chegar a 2030 com uma taxa média de frequência do ensino superior de seis em cada dez jovens (hoje é de 5,1 em dez) e com 50% da população entre os 30 e os 34 anos com um curso superior.

O Governo pretende ainda “continuar a trajetória” de aumento de despesa em investigação e desenvolvimento, de modo a reforçar a produção científica em Portugal. A meta é chegar a 2030 com um investimento em investigação e desenvolvimento de 3% do PIB (perto de 1,3% de despesa pública e perto de 1,8% de despesa privada). Em 2020, foi atingido 1,6% do PIB em investigação e desenvolvimento, faltando, por isso, praticamente duplicar esse investimento.

Em algumas partes do documento, o copy-paste em relação ao OE de outubro levanta dúvidas sobre os reais objetivos do Governo. Por exemplo, o documento apresentado esta quarta-feira continua a prever o reforço dos “apoios sociais a estudantes, facilitando o acesso ao ensino superior de todos os estudantes que terminem o ensino secundário e aumentando gradualmente o total de bolsas para atingir cerca de 90 mil bolsas a conceder anualmente até ao final da legislatura“, um número que em 2014/15 era de cerca de 64 mil e que em 2020/21 subiu para 85 mil.

Trata-se, contudo, da mesma exata formulação do documento apresentado em outubro de 2021. Com uma diferença fundamental: em outubro do ano passado, antes do chumbo do OE, o “fim da legislatura” era o ano de 2023. Agora, neste novo ciclo político, o “fim da legislatura” é em 2026. Na prática, em resultado desta cópia exata, o Governo acaba por — inadvertidamente ou não — reduzir a ambição do seu objetivo para o ensino superior, apontando apenas para 2026 um objetivo até há pouco tempo apontado para 2023.

Verifica-se o mesmo fenómeno em vários dos objetivos traçados até “ao fim da legislatura”, que continuam iguais em substância, mas aparentemente alargados no tempo, como o aumento do número de camas nas residências de estudantes. O Governo quer ainda reforçar a capacidade de Portugal para atribuir doutoramentos, aumentando as verbas da Fundação para a Ciência e Tecnologia com o objetivo de chegar a 2030 com o país capaz de atribuir 4 mil novos doutoramentos por ano — e cerca de 3 mil até 2023.