Um dos professores alvo de denúncias de assédio moral e sexual na Faculdade de Direito (FDL) da Universidade de Lisboa escreveu um artigo, publicado há cerca de duas semanas no site esquerda.net — um órgão oficial de comunicação do Bloco de Esquerda —, em que aborda diretamente as queixas feitas por alunos daquela instituição. No texto “Antiguidade e lei da selva”, João Freitas Mendes refere que “as denúncias de assédio [naquela faculdade] não surpreendem” e defende que “o abuso de poder é uma constante em instituições abertas, quanto mais em instituições fechadas”.
Numa publicação ao artigo que assina no esquerda.net, e que foi partilhada nas suas redes sociais no final da semana passada, o professor de Filosofia do Direito refere que o mesmo “foi publicado a convite do Bloco de Esquerda”. Questionado sobre essa publicação no site gerido pelo partido, fonte oficial do Bloco de Esquerda apresentou uma versão distinta.
Em resposta ao Observador, o Bloco afasta qualquer ligação ao autor e ao artigo, desmentindo qualquer convite ao professor auxiliar da FDL. “O artigo de João Freitas Mendes foi publicado na secção ‘comunidade’ do portal esquerda.net, onde são publicados artigos propostos por leitores”, referiu o partido. No entanto, na mesma secção “comunidade” podem ler-se artigos escritos por militantes do Bloco, incluindo antigos candidatos em eleições autárquicas e deputados municipais.
Sobre o motivo da sua publicação, o partido liderado por Catarina Martins referiu apenas que, “pelo seu conteúdo, pareceu à redação do portal inteiramente publicável”.
No artigo publicado a 7 de abril, o professor auxiliar de Filosofia de Direito escreveu que “a universidade está a ser descoberta, finalmente” — uma referência às 50 denúncias (consideradas válidas, de um total de 70 apresentadas), que foram feitas através de uma plataforma criada pelo Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito.
Menos de duas semanas mais tarde, a CNN avançou que o professor João Freitas Mendes tentava contactar as alunas da universidade através das redes sociais, sugerindo encontros para “beber café” ou “beber uma cerveja”. O testemunho divulgado avançava que o docente entrava nos grupos de conversas das turmas que lecionava e, quando não conseguia uma resposta favorável às suas propostas ou convites, partida para a humilhação, chamando-as de “prepotentes e arrogantes”.
“O abuso de poder é uma constante em instituições abertas, quanto mais em instituições fechadas”, escreveu João Freitas Mendes no artigo publicado no site esquerda.net, referindo-se ao que classificava como comportamentos ao “estilo da velha lei mental: ou te calas ou estás fora”.
Faculdade só aceitou abrir comissão depois de perguntas de jornalistas
Tal como o Observador avançou, o Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito aprovou a criação de uma comissão para receber denúncias anónimas dos alunos daquela faculdade depois de começarem a surgir pedidos de esclarecimentos por parte da comunicação social.
Assédio. Faculdade de Direito só abriu comissão depois de questionada por jornalistas
As histórias de assédio moral e sexual foram denunciadas em reunião do Conselho Pedagógico no início de janeiro, pela presidente da associação de estudantes daquela faculdade, mas só em março foi criado o canal que recebeu 50 denúncias consideradas válidas, feitas de forma anónima. Este anonimato, aliás, impede a direção da faculdade de investigar os testemunhos recebidos e, por isso, estes foram encaminhados para o Ministério Público.
Três dias depois de essa plataforma ter sido disponibilizada aos alunos para que formalizassem denúncias de casos de assédio (sexual, moral ou de racismo) dentro da faculdade, João Freitas Mendes participou numa manifestação ao lado das alunas. “É o meu dever como cidadão, porque acho que a causa deles é justa”, explicou na altura, quando foi entrevistado pela CNN Portugal.