O líder da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, que foi o terceiro candidato mais votado na primeira volta das eleições presidenciais francesas (atrás de Emmanuel Macron e Marine Le Pen), está a unir os partidos de esquerda num novo movimento político alargado – uma “geringonça” francesa – com vista às eleições legislativas agendadas para junho deste ano — e que têm sido apontadas por Mélenchon, líder da esquerda radical francesa, como a “terceira volta” das presidenciais.

A Nova União Popular Ecológica e Social (NUPES), encabeçada pela França Insubmissa, inclui também o Partido Comunista Francês, o partido ecologista Os Verdes e vários outros partidos de esquerda com menor representação parlamentar. O acordo entre a França Insubmissa e o Partido Comunista Francês foi alcançado esta terça-feira, dia simbólico por ter sido o dia em que, em 1936, a aliança de esquerda Frente Popular venceu as eleições legislativas.

“A 3 de maio de 1936, a Frente Popular venceu as eleições legislativas. A 3 de maio de 2022, juntamo-nos numa Nova União Popular Ecológica e Social. Juntos, vamos escrever a história, ganhando estas eleições legislativas”, escreveu esta terça-feira no Twitter o líder do Partido Comunista Francês, Fabien Roussel, que também foi o candidato dos comunistas às presidenciais, ficando em oitavo lugar na primeira volta, com apenas 2,28% dos votos.

O Partido Comunista junta-se assim a uma aliança iniciada por Mélenchon, atualmente a principal figura da esquerda francesa, e que inclui a França Insubmissa, mas também os Verdes, o Génération.s (formado na sequência de uma divisão do Partido Socialista), o movimento anticapitalista Ensemble! e o Partido da Esquerda (também formado por uma divisão do Partido Socialista).

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Também está na calha a possibilidade de o Partido Socialista se juntar à aliança de esquerda. De acordo com o Le Monde, que cita o porta-voz socialista Pierre Jouvet, o PS está “a poucos passos de um acordo histórico” com a França Insubmissa para a adesão à aliança de esquerda. Todavia, diz o mesmo porta-voz, “ainda há certos aspetos” a negociar antes de um acordo final, estando atualmente em cima da mesa “o conteúdo programático, os assuntos estratégicos e a distribuição dos círculos eleitorais” pelas várias forças que integram a aliança.

No dia 24 de fevereiro, quando Emmanuel Macron foi reeleito Presidente de França ao ganhar a segunda volta das presidenciais com mais de 58% dos votos, Jean-Luc Mélenchon aproveitou os minutos depois de serem conhecidas as primeiras projeções para lançar a campanha eleitoral para as legislativas. “A democracia pode, mais uma vez, dar-nos os meios para mudar o nosso destino“, disse. “A terceira ronda da eleição começa esta noite.”

“A 12 e 19 de junho, vamos ter eleições legislativas em França. Aqui, poderemos derrotar o senhor Macron e escolher um novo caminho. Ainda é possível alcançar um novo mundo, se elegermos uma maioria — marquem as minhas palavras — uma maioria de deputados de uma nova união popular que vai crescer. Peço-vos que me elejam como primeiro-ministro. O que vos peço é que abram um novo capítulo para o nosso povo“, pediu Mélenchon.

O líder da França Insubmissa tinha ficado em terceiro lugar na primeira volta das eleições presidenciais, ficando a menos de dois pontos percentuais de Marine Le Pen, com 21,95% dos votos (contra os 23,15% de Le Pen) — e a noite eleitoral alongou-se com a dúvida sobre qual dos dois iria disputar a segunda volta contra Macron, que ficou à frente com 27,85%.

O líder comunista, Fabien Roussel, ficou em oitavo lugar com 2,28% dos votos. Já Yannick Jadot, que representou a aliança de partidos ecologistas e de esquerda que agora se junta também a Mélenchon, ficou em sexto lugar com 4,63% dos votos. Já o Partido Socialista, que poderá juntar-se à aliança, foi representado por Anne Hidalgo, a presidente da câmara de Paris, que ficou em décimo lugar, com 1,75% dos votos.

Assumindo que o Partido Socialista se poderá vir a juntar à NUPES, a soma dos votos obtidos nas presidenciais pelos partidos que integram a aliança de esquerda supera os 10,7 milhões de votos — mais do que os 9,8 milhões de votos que Macron obteve na primeira volta.

Contudo, a criação desta enorme aliança das esquerdas acarreta o risco de expor fraturas internas entre os partidos de esquerda. O antigo primeiro-ministro francês Bernard Cazeneuve, militante do Partido Socialista há 35 anos, ameaçou abandonar o partido caso a formação se junte à aliança de Mélenchon. “A independência da nação nunca significou a rutura das suas alianças militares nem a acomodação com regimes autoritários ou ditaduras, no nosso continente ou noutros”, escreveu Cazeneuve num texto publicado esta terça-feira no Facebook.

O antigo governante lembrou que Jean-Luc Mélenchon lutou “impiedosamente” contra os socialistas durante e depois da sua governação — e salientou que a única escolha digna para o PS seria uma união com “outras formações da esquerda republicana e com os ambientalistas”. Contudo, a associação com a esquerda radical “significaria a negação das nossas convicções“, escreveu Cazeneuve, dizendo que não poderá continuar num partido cujos atuais líderes “se esqueceram do que o fundou e perderam a sua bússola”.