Foi à última hora que, durante a tarde deste sábado, o Governo convocou uma reunião com cinco ministros para avaliar a situação do país em matéria de incêndios, depois de batidos dois recordes em menos de 48 horas: 121 incêndios na sexta-feira e 125 no sábado. E foi também a 24 horas de embarcar para Moçambique que o primeiro-ministro cancelou a viagem para Moçambique para estar “permanentemente disponível no país” no período de contingência que acabara de decidir. E o Presidente da República fez o mesmo em relação a viagem a Nova Iorque.

Os trágicos incêndios de 2017 estão vivos na memória e, durante a tarde tanto o Governo como a Proteção Civil foram chamados pelos jornalistas a fazer esse paralelismo, tendo em conta as condições meteorológicas que se verificam nestes dias. No briefing das 19 horas, o comandante nacional de Emergência e Proteção Civil avisou que a noite se avizinhava difícil, tendo em conta a temperatura alta, a humidade baixa e o vento “com intensidade do quadrante leste”.

Na CNN Portugal, a secretária de Estado da Proteção Civil, Patrícia Gaspar, tinha dito, durante a tarde, ser difícil comparar “porque em 2017 o caso de Pedrógão foi um momento muito isolado no tempo, com condições muito específicas. E depois em outubro tivemos também uma situação completamente excecional, um ciclone no Atlântico que teve uma interferência enorme na forma como a meteorologia se fez sentir no nosso território. Aqui temos uma situação que se vai estender na próxima semana. Não sei se essa comparação é evidente”, afirmou. Mas ao mesmo tempo vincava que as condições faziam com que “qualquer pequena fagulha num espaço florestal muito rapidamente dê origem a um incêndio de enormes proporções”.

André Fernandes confirmou o mesmo, pouco tempo depois, e acrescentou preocupações concretas com os incêndios florestais em curso nos distritos de Bragança, Santarém e Leiria — onde estão concentrados os meios de combate neste momento.

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Por essa hora já estavam reunidos os ministros da Administração Interna, Defesa, Ambiente, Agricultura e Saúde. No final da reunião foi José Luís Carneiro que falou para anunciar a declaração da situação de contingência, o estado intermédio da Lei de Bases da Proteção Civil (acima deste só o estado de calamidade e o país está atualmente em situação de alerta), pela primeira vez por causa dos incêndios.

Esta situação vai vigorar entre segunda e sexta-feira e permite, explicou o ministro da Administração Interna, determinar o estado de alerta do dispositivo de combate a incêndios rurais para o nível vermelho em todo o território continental. E há mais medidas (ver em baixo).

De acordo com a Lei de Bases, a situação de contingência pode avançar quando é “reconhecida a necessidade de adotar medidas preventivas e ou medidas especiais de reação não mobilizáveis no âmbito municipal”. “A declaração da situação de contingência determina o acionamento das estruturas de coordenação política e institucional territorialmente competentes” e  “implica a ativação automática dos planos de emergência de proteção civil do respetivo nível territorial.

O fantasma da ausência que paira sobre Costa

Depois dos incêndios de 2017 — e até na campanha eleitoral dois anos depois — António Costa foi acusado de estar fora quando tudo aconteceu, nomeadamente em Pedrógão Grande. Tratava-se de uma acusação falsa, mas desta vez o primeiro-ministro não arrisca sequer estar numa visita oficial como a que estava prestes a iniciar a Moçambique.

Esta segunda e terça-feira, o primeiro-ministro ia estar em Maputo, a mais de 8 mil quilómetros de Lisboa, e em “face às previsões meteorológicas que indicam um agravamento muito sério do risco de incêndio rural nos próximos dias, especialmente entre domingo e quarta-feira”, Costa resolveu cancelar a visita para “estar permanentemente disponível no país”.

Falou com o presidente moçambicano Filipe Nyusi e promete que será agendada nova data para a visita “com a maior brevidade possível” — já é a segunda vez que tem de adiar este encontro, a primeira foi devido à crise política que decorreu do chumbo do Orçamento do Estado para 2022, no final do ano passado.

Na viagem iam seguir também alguns dos ministros que este sábado estiveram na Proteção Civil, nomeadamente a ministra da Defesa, Helena Carreiras, e da Agricultura, Maria do Céu Antunes.

Pouco depois, o Presidente da República fez o mesmo e cancelou a deslocação a Nova Iorque no início da próxima semana, onde estava prevista uma intervenção numa reunião especial do Conselho Económico e Social da ONU. “O Presidente da República decidiu ficar em Portugal no início da semana, devido ao muito elevado risco de incêndios florestais”, constava na nota divulgada no site da Presidência da República.

Medidas que avançam no terreno

Portugal deixará a situação de alerta na segunda-feira e passará a estar em contingência até ao dia 15 de julho. O que muda com o novo plano perante a previsão de agravamento das condições meteorológicas associadas ao elevado risco de incêndio?

A situação de contingência permite ativar “automaticamente e preventivamente” todos os planos de emergência e Proteção Civil em todos os níveis territoriais, como por exemplo a nível nacional ou regional.

Com o novo estado, a Proteção Civil passa a conseguir mobilizar “todos os meios de que o país dispõe” para combater os incêndios. “Todos os meios de que o país dispõe ficarão sob coordenação da ANEPC”, afirmou José Luís Carneiro. O ministro da Administração Interna explicou ainda que o objetivo é que essa autoridade tenha “a autonomia necessária para poder gerir e coordenar os meios e recursos que considere necessários para combater os incêndios”.

Será determinado o estado de alerta especial de nível vermelho — o mais alto de todos — em todo o território continental.

Com a situação de contingência será feito um reforço na contratação de “até mais 100 equipas de bombeiros” (cerca de 500 operacionais) assim que exista “essa disponibilidade das associações humanitárias”.

O novo plano prevê também que seja ativado, de forma preventiva, o sistema de alerta da população por SMS devido aos incêndios.

Em cima da mesa poderá estar um eventual pedido de ajuda à União Europeia. José Luís Carneiro explicou que a “ativação do Mecanismo de Cooperação Europeu para efeitos de Proteção Civil está naturalmente em avaliação” e será anunciada caso se confirme.

O ministro da Administração Interna sublinhou também que a determinação da situação de contingência é uma “medida de caráter preventivo”. Porém, insistiu na necessidade de os portugueses adotarem “atitudes e comportamentos responsáveis” para prevenir os fogos explicando que mais de 50% das circunstâncias que provocaram os incêndios têm que ver com negligência.

Não usar o fogo e não usar máquinas nos trabalhos agrícolas ou florestais é o mais importante contributo que podem dar aos bombeiros portugueses e que podem dar para a nossa segurança coletiva”, apelou na conferência de imprensa.