Desde que secaram os furos que abasteciam Corte do Gago, em Castro Marim, que todos os dias um camião cisterna ali chega para encher o depósito de água e garantir o acesso da povoação a um bem essencial, mas escasso, devido à seca.

Localizada na zona serrana daquele concelho do nordeste algarvio, entre as barragens de Beliche e Odeleite, é graças ao trabalho diário de António Cubaixo, funcionário da autarquia, que os habitantes daquela aldeia têm água a sair das suas torneiras, por estes dias.

“Venho todos os dias trazer água. O depósito leva 6.000 litros e demora cerca de 20 minutos a encher. Carrego o camião em Castro Marim e depois levo a água às aldeias que necessitam”, afirmou o funcionário municipal à Lusa, frisando que são cerca de quatro as aldeias onde entrega água, todas situadas “nesta parte mais alta” do território.

A mesma fonte frisou que, com os furos que serviam a população sem água, o transporte e descarga que efetua todos dos dias “acaba por ser a única forma de garantir que estas pessoas têm acesso à água” nas suas casas.

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António Cubaixo explicou que, durante o seu horário de trabalho, vai buscar água várias vezes a Castro Marim para depois a levar às aldeias e encher os depósitos públicos, visitando outras povoações como Marroquil, Alcarias ou Cortelha.

“Chego a encher o depósito com os 6.000 litros e ter de vir cá no mesmo dia para encher de novo porque a água já acabou”, disse ainda o funcionário municipal, cujo trabalho é considerado “fundamental” por moradores da aldeia como António Palma e Almerinda Custódio.

Considerando que o transporte de água realizado pela autarquia é “muito bom” para a população, António Palma lamentou, no entanto, que “nas zonas mais altas” da aldeia “só corra um fiozinho de água nas torneiras” e “às vezes nem corra nada”.

“Por vezes não dá para tomar banho, a pressão não chega para tanto”, afirmou, explicando que algumas pessoas “têm ainda poços com água” ou reservatórios e “vão podendo também fazer a rega das suas pequenas hortas”.

Almerinda Custódio, outra das moradoras de Corte do Gago, disse à Lusa que a situação criada pela seca que afeta Portugal – e, em particular, o Algarve e o Baixo Guadiana – “é muito má” e reconheceu que “tem sido difícil” lidar com as irregularidades no fluxo do abastecimento de água.

“Umas vezes há água, outras não. Quando o depósito está cheio, a água corre nas torneiras, mas nesta altura do ano também há mais gente na aldeia, a água do depósito acaba e só regressa quando o camião o volta a encher“, acrescentou.

Segundo a habitante de Corte do Gago, neste período do ano, a população habitual de 30 moradores “duplica ou triplica” e a água acaba mais rápido.

A falta de pressão nas torneiras vem também “criar dificuldades para tomar banho, porque a água não tem força para o esquentador funcionar bem”, assim como “para utilizar as máquinas de lavar” roupa ou loiça, exemplificou.

“E estamos nesta situação, mesmo com a aldeia aqui ao lado da barragem do Beliche, e com a de Odeleite mais acima”, afirmou, lamentando a falta de uma ligação direta a estas duas barragens.

Aquelas duas barragens, que abastecem de água os municípios do sotavento (este) algarvio, só têm reservas para assegurar o consumo humano até ao próximo ano, segundo estimativas das autoridades ambientais.

Castro Marim teme cortes de água no próximo verão caso não chova

O presidente da Câmara de Castro Marim está “muito preocupado” com a seca que atinge o Algarve e o Baixo Guadiana, temendo que caso não chova no próximo ano haja “cortes substanciais” no abastecimento de água.

Em declarações à Lusa, Francisco Amaral classificou como “preocupante” a situação das reservas de água da barragem de Odeleite, que, com a do Beliche, abastece o sotavento (este) do Algarve, e estimou que a água disponível neste momento só garante o abastecimento para um ano, caso a situação de seca e os registos de pluviosidade não melhorem.

“Penso que temos água para um ano, agora, imagine-se que este inverno não chove: eu penso que vai haver cortes substanciais no próximo verão e acho que a economia do Algarve corre riscos“, alertou o autarca, que cumpre o terceiro mandato à frente do município, depois de cinco como presidente da Câmara de Alcoutim.

Francisco Amaral teceu críticas aos decisores políticos pela “demora” na resposta a uma “situação de emergência” como a que a seca está a criar em Portugal, e no Algarve, apelando para que sejam adotadas com rapidez as soluções destinadas a aumentar as reservas de água.

“Para acharmos a localização da central de dessalinização [prevista para a região] estamos há um ano nisto. Começámos com cinco ou seis possibilidades, agora vamos em duas, e ainda não se achou a localização. Isto é tudo muito, muito lento – é o projeto, o anteprojeto, depois o Estudo de Impacte Ambiental – e eu não vislumbro que, nos próximos três a quatro anos, possa haver uma central de dessalinização”, referiu.

O presidente da Câmara de Castro Marim deu também o exemplo da “conduta de água do Pomarão [no concelho de Mértola] para a barragem de Odeleite“, considerando que esta alternativa também “vai levar anos” até estar a funcionar.

Francisco Amaral defendeu a necessidade de haver um “mecanismo de emergência” que permita responder com mais celeridade à gravidade desta seca e voltou a defender a construção de uma barragem na ribeira da Foupana, outro afluente do rio Guadiana, situado a norte da ribeira e barragem de Odeleite.

“O anterior ministro do Ambiente [João Pedro Matos Fernandes] era figadalmente contra as barragens e ainda estou para perceber porquê, acho que há um bocadinho de fundamentalismo ambiental no meio disto tudo”, opinou.

Segundo Francisco Amaral, o “caudal da ribeira da Foupana é idêntico ao de Odeleite” e “se houvesse outra barragem, estava o problema mais ou menos resolvido”, argumentou.

Por outro lado, as alterações climáticas provocam chuvas intensas e a criação de uma nova estrutura de retenção garantiria que “a água não se perdia para o mar“, justificou.

Também o presidente da Câmara de Alcoutim, que partilha o território serrano do nordeste algarvio com Castro Marim, se mostrou favorável à construção de uma nova barragem na ribeira da Foupana para “aproveitar a maior pluviosidade que se tem feito sentir nessa zona do Algarve nos últimos anos”.

“Fui talvez dos primeiros a falar desta solução da barragem da Foupana e tenho feito um percurso de afirmação de que essa barragem seria fundamental para alargar a disponibilidade de água a mais território do nordeste algarvio”, afirmou Osvaldo Gonçalves, em declarações à Lusa.

Uma nova barragem na Foupana permitiria ainda “beneficiar freguesias que não são abrangidas pelo perímetro de rega de Odeleite, mas, mais importante que isso, funcionaria como adutor para transportar água da Foupana para dentro da bacia de Odeleite”, justificou.

Osvaldo Gonçalves posicionou-se “claramente a favor da criação de outra barragem, mesmo sabendo que há opiniões contrárias” de ambientalistas, porque “se não se aproveitar a pouca água que cai, vai-se entrar cada vez mais em défice” na água disponível para consumo.

“Sou favorável a que olhemos novamente para a barragem da Foupana”, reiterou, pedindo “mais celeridade” na criação de soluções como a dessalinizadora, que “já devia estar em curso em vez de se estar ainda a decidir onde deve ser feita”.

A instalação de uma estação de dessalinização na região está entre as medidas previstas no Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, para o qual estão destinados 200 milhões de euros provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).