É uma doença específica da gravidez, que afeta cerca de 5% de todas as gestantes em todo o mundo, é provocada por fatores que não estão sequer completamente esclarecidos — “Têm a ver essencialmente com fatores placentares, com substâncias produzidas a nível placentar”, explica ao Observador o obstetra João Paulo Malta —, e é grave, podendo inclusivamente levar à morte.

Mas, em Portugal, como nos restantes países ocidentais, é muito raro que a pré-eclâmpsia tenha esse desfecho — como aconteceu com a mulher, grávida de 31 semanas, cuja morte foi noticiada esta segunda-feira à noite, acabando por precipitar escassas horas mais tarde a demissão de Marta Temido do cargo de ministra da Saúde.

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“Nos países ocidentais, os problemas hipertensivos — sejam hipertensões previamente existentes, sejam hipertensões desencadeadas pela gravidez ou pré-eclâmpsias —são cerca de metade de todos os internamentos que se fazem em obstetrícia. É relativamente frequente em termos de patologia obstétrica mas o desfecho de uma morte materna, felizmente, é pouco frequente”, garante o especialista. Já nos países em desenvolvimento, onde ocorrem 99% de todas as mortes por pré-eclâmpsia registadas no mundo, não é assim tão raro. É uma das maiores causas de morte materna depois das hemorragias puerperais“, explica o obstetra .

Apesar de ser geral e popularmente associada à hipertensão arterial, a pré-eclâmpsia é mais do que isso. Para que seja diagnosticada, explica João Paulo Malta, acabado de sair do bloco de partos, é necessária a existência de pelo menos dois de três sintomas: a dita hipertensão arterial; edemas, geralmente mais marcados nos membros inferiores; e proteinúria. “Trata-se da perda exagerada de proteína pelo rim. Devemos ter uma perda muito escassa, moderada, de proteína pelo rim, mas nesta circunstância a quantidade que o organismo perde é maior”, traduz o médico.

“Aquilo que se faz habitualmente é tentar controlar a tensão arterial. Porque é que se chama pré-eclâmpsia? Porque é aquilo que vem antes da eclâmpsia, que junta a estas situações uma outra circunstância, de afeção do sistema nervoso central, com existência de convulsões. Essa sim, tem uma taxa de mortalidade muito significativa e é uma coisa que nenhum obstetra quer ver“, continua João Paulo Malta, para depois garantir que, com medicamentos para a hipertensão ou até pequenas doses de aspirina tomadas logo desde o início da gravidez, em casos de grávidas já noutras gestações diagnosticadas com o problema, a situação fica, na maior parte dos casos, sob controlo. A gravidez continua a ser de alto risco e a grávida continua a ser colocada de baixa médica, mas não tem sequer de fazer repouso absoluto.

Depois, existem as exceções: quando não conseguem controlar os sintomas, os médicos não têm outra opção senão provocar o parto e fazer nascer o bebé.

“Quando os medicamentos que nós administramos não são suficientes para manter a tensão arterial da mãe dentro de valores razoáveis e quando as análises começam a piorar, nomeadamente do ponto de vista da perda de proteína pelo rim e de alterações da coagulação e da função do fígado — porque a dada altura pode haver uma alteração ao nível de vários órgãos —, aí tem de se ponderar a hipótese de terminar a gravidez o mais depressa possível”, explica o obstetra.

Às vezes, ficamos um bocadinho no fio da navalha entre tentar levar o parto o mais para a frente possível, com os riscos que isso tem para a mãe, e tentar manter a criança o máximo tempo possível no útero, e quando não se consegue, com os riscos que isso tem para a criança.”

Condição provoca restrições no crescimento dos bebés: “Um bebé de 31 semanas devia ter 1.600 gramas, não 772”

Para além de provocar restrições ao crescimento dos fetos, a pré-eclâmpsia acarreta sobretudo riscos para as gestantes. Mas também é responsável por um elevado número de partos prematuros em todo o mundo, assinalou à Rádio Observador Nuno Clôde, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal.

“Em Portugal provavelmente não tem um peso tão grande pela qualidade dos cuidados de saúde e pela vigilância das grávidas, que permite que o problema seja detetado atempadamente e que, de uma forma mais ou menos organizada, se promova um final da gestação sem se chegar a uma situação como esta”, explicou, referindo o caso da mãe de 34 anos que na semana passada perdeu a vida no Hospital de São Francisco Xavier.

Por aquilo que sei era uma mulher que veio de fora do país, com uma gravidez não vigiada, provavelmente nem no sítio de origem e aqui nunca, e que entrou com um quadro já muito negativo, ou seja, com muito mau prognóstico, dentro dos hospitais. Estabilizaram, avaliaram e concluíram que tinha de se terminar a gravidez para salvar a mãe e o feto”, recapitulou o especialista, frisando que desfechos como estes não são efetivamente comuns em Portugal.

Grávida morre após transferência de hospital por falta de vaga

Antes de, na passada terça-feira, ter sido transferida de ambulância do Hospital de Santa Maria para o Hospital de São Francisco Xavier, ambos em Lisboa, a cerca de 10 quilómetros de distância, a grávida, de nacionalidade indiana e, segundo o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN), “sem dados de vigilância da gravidez”, já tinha recorrido às urgências, com queixas de hipertensão e dificuldade em respirar.

Acabou por receber ordem de internamento e transferência porque não existia, em Santa Maria, vaga na unidade de Neonatologia para o bebé — cujo parto ia ter de ser provocado. “Após normalização das tensões arteriais e franca melhoria respiratória”, a grávida foi transferida para o Hospital São Francisco Xavier “acompanhada por um médico e enfermeiros”, explicou o CHULN em comunicado, acrescentado que, após ter sofrido uma paragem cardiorrespiratória na ambulância, foi reanimada em plena viagem e submetida a uma cesariana urgente à chegada.

De acordo com a CNN, que esta segunda-feira à noite noticiou o caso, a mulher chegou ao hospital já “em coma profundo”, acabando por morrer no passado sábado, quatro dias depois. O bebé, que nasceu com 772 gramas, foi internado na unidade de cuidados intensivos neonatais.

Por muito que a pré-eclâmpsia provoque restrições no crescimento dos bebés — “Qualquer situação que afete os vasos da mãe pode restringir a quantidade de alimento que chega ao bebé”, explica João Paulo Malta —, não é comum ver casos tão graves.

Das duas uma, ou a senhora não tinha 31 semanas, porque esse peso corresponde ao de um bebé com 25 semanas, ou então tinha uma hipertensão gravíssima com um atraso de crescimento brutal do bebé. Um bebé de 31 semanas devia ter 1.600 gramas, se nasceu com 770 é um bebé que tem uma probabilidade de morrer, intra ou extra uterinamente, enorme. Estamos a falar ou de um bebé agónico, ou de um bebé mais novo.”