O PS manteve até à última o suspense sobre o que faria a propósito dos 16 projetos sobre habitação — a maior parte sobre os impactos da subida das taxas de juro nos crédito à habitação — que foram a debate e a votação esta quinta-feira no Parlamento. A indicação geral era bloquear as iniciativas da oposição (BE, PCP, Chega, PAN e Livre), mas no final do dia dois projetos (um do Bloco e outro do Livre) acabaram por passar, depois de pressão junto do Governo por parte dos socialistas.

O tema é sensível e na bancada da maioria aguardava-se que o Governo pudesse dar um sinal às famílias que devem casa ao banco e que viram ou vão ver as prestações dispararem por via da subida das taxas de juro. No último debate de política geral o primeiro-ministro manteve o assunto na fase da ponderação e remeteu-o para a relação comercial entre os bancos e os seus clientes.

A insistência da oposição nos últimos dias forçou o PS a tomar uma posição já e, por sua vez, o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, em conjunto com a ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, fizeram pressão junto do Governo para que esse sinal chegasse já neste debate, através da viabilização de alguns dos projetos.

Na bancada havia quem quisesse ir mais longe e isso mesmo ficou claro no momento da votação, quando duas deputadas do PS, Alexandra Leitão e Isabel Moreira, votaram contra a orientação da sua bancada e a favor de um projeto do PCP para criar “o regime de impenhorabilidade da primeira habitação e consagrar a dação em pagamento”. Isabel Moreira havia de repetir a discordância da bancada ao abster-se num projeto do Livre sobre a consagração do direito à habitação.

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Crédito à habitação. Pressionado, Governo anuncia medidas mas avisa: famílias vão ter de “planear orçamentos” perante “realidade”

Durante a discussão no plenário da Assembleia da República, o secretário de Estado do Tesouro, João Nuno Mendes, fez uma intervenção com alguns apontamentos sobre eventuais futuras medidas. E um discurso de normalização da situação, ao dizer que as taxas de juro atuais, entre 2 e 3% “são normais. Temos de ter a seriedade de dizer às pessoas que é esta a realidade para a qual temos de preparar os orçamentos familiares.”

Para o Bloco de Esquerda, foi uma intervenção “confusa” e retirou ao partido qualquer “esperança” em que PS e BE ainda pudessem acertar agulhas neste tema. O que o governante vinha dizer às famílias portuguesas aflitas com as prestações a disparar, ironizaria Mortágua, era simples: “Habituem-se, planeiem melhor, a responsabilidade é vossa”.

E avisava: o Executivo, assumindo que apresentará propostas próprias — e que provavelmente teriam a ver com a questão da taxa de esforço — acabava de “perder o argumento para rejeitar as propostas do Bloco”… a não ser que estivesse a planear apresentar, afinal, medidas vagas sem impactos reais. Uma desconfiança que se espalhou, de resto, um pouco por todo o hemiciclo, com o resto da oposição a pressionar o Governo para revelar mais detalhes (o PSD descreveria a intervenção do governante como um anúncio vago de alguém que caminha sobre “gelo fino”, ao mesmo tempo que avisa que “as coisas” — leia-se as taxas — “vão ser sempre assim”.

Mas, no momento da votação e contra todas as expectativas, o PS acabou por viabilizar o projeto bloquista que passa por limitar “variações súbitas” das taxas de esforço (o peso da prestação no orçamento familiar), “limitando-as a dois pontos percentuais face à média de 2021 — e que impeçam que, em qualquer caso, esta supere os 50%.” A iniciativa foi aprovada com os votos a favor do BE, PCP, PAN e Livre e as abstenções do PS, PSD e  Chega. A IL ficou sozinha no voto contra.

O projeto passa agora para o debate na comissão parlamentar (antes da votação final), onde se juntará não só o projeto do Livre que também passou esta tarde, como também a proposta de lei do Governo sobre esta mesma matéria. O BE teme, no entanto, que no final o seu projeto acabe desvirtuado, com o PS a não querer ir tão longe e a fazer prevalecer o que vier a constar da iniciativa do Governo sobre as iniciativas legislativas da oposição.

Ao início do dia o partido não tinha, de resto, qualquer esperança nesta matéria. Como fontes bloquistas foram dando nota ao Observador, a certeza do partido era que o PS evitaria aprovar quaisquer propostas do antigo parceiro e que seria confrontado com a incompreensão das famílias sobre essa resistência. Depois, durante o debate, Mortágua foi antecipando os chumbos uma e outra vez, acusando os socialistas de pedirem “boa vontade” negocial ao Bloco enquanto se preparavam para “chumbar todas as propostas” do partido sem sequer permitir que chegassem à comissão das Finanças para serem trabalhadas na fase da especialidade.

Agora, no grupo parlamentar a reação à aprovação da proposta é cautelosa. Até porque, registando o tom agressivo e com poucos pontos em comum que pautou o debate e a tensão entre BE e PS, os bloquistas temem que o PS se prepare apenas para “esvaziar” a proposta na especialidade, capitalizando agora com o momento da aprovação para depois lhe retirar força. O tempo dirá.