Três anos depois de se pronunciar contra a criação de comissões diocesanas para os casos de abuso sexual na Igreja, de tratar este tipo de crimes como “asneiras” e, mais recentemente, de afirmar que os crimes de abusos sexual de menores não são crimes públicos, o bispo do Porto, Manuel Linda, decidiu escrever uma carta aos cristãos da sua diocese onde se retrata. “Sei que os cristãos desta nossa Diocese esperam uma  palavra sobre isso. É o que faço com este texto, motivado pelo respeito que lhes tenho e devo e pela reafirmação de critérios inegociáveis”, lê-se na carta assinada por Manuel Linda, que foi também enviada ao Observador.

Manuel Linda lembra que no início do mês foi abordado por uma jornalista num evento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que lhe fez uma pergunta “inesperada” sobre a obrigatoriedade ou não da denúncia de casos de abuso de menores. Manuel Linda disse na altura que, ainda hoje, “o crime de abuso não é um crime público” e, por isso, “não há obrigatoriedade de denúncia” — o que lhe valeu várias críticas. Uma resposta que, agora, diz que terá “deixado dúvidas”.

“Acredito que  também muitos dos cristãos da Diocese se terão questionado e sentido incomodados com o que se seguiu na comunicação social. Pois bem: assumo que não fui feliz na  expressão e que, porventura, tornei incompreensível o meu próprio pensamento. E disso peço desculpa a todos e perdão às vítimas que, possivelmente, se sentiram  feridas”, afirma.

O bispo diz que por causa desta sua declaração foram ressuscitadas algumas declarações que tinha feito no passado. Sobretudo quando usou a expressão “queda do meteorito”. Corria o ano de 2019 quando o bispo do Porto deu uma entrevista à TSF, que coincidiu com o momento em que se ponderava a criação de comissões diocesanas para receberem denúncias de abuso sexual por indicação do Papa Francisco. O líder da diocese do Porto disse então que, ao contrário de Lisboa, não iria avançar “com medidas de controlo da pedofilia, com a participação de tribunais civis, por exemplo”. Justificação: “Ninguém cria, por exemplo, uma comissão para estudar os efeitos do impacto de um meteorito na cidade do Porto”.

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Agora, na carta enviada aos fiéis, diz que essas declarações foram feitas quando a criação destas comissões ainda não eram uma imposição da Santa Sé (apenas uma recomendação) e que assim que chegou à diocese do Porto foi confrontado com uma denúncia que tratou juntamente com o Vigário Geral. “Algo ingenuamente, estava convencido que as estruturas existentes na Diocese e eu próprio seríamos suficientes para receber e tratar os casos que viessem a surgir. Entretanto, quando essas Comissões se tornaram obrigatórias, criei nesta Diocese uma das primeiras em  Portugal”, justifica agora.

Também por essa altura Manuel Linda referiu-se aos crimes de abuso sexual como sendo “asneiras”, o que mereceu também agora um esclarecimento. “Na minha zona de origem essa palavra designa qualquer ação perversa. Não era, pois, minha intenção menorizar o terrível crime dos  abusos”, diz.

O bispo do Porto reconhece que, afinal, “a realidade é muito mais sombria e  dolorosa” do que pensava e promete tudo fazer para acabar com o que chama ser um “flagelo”. “Fique muito claro que sofro e deploro liminarmente esse flagelo dos crimes de natureza sexual cometidos contra menores ou pessoas  vulneráveis. E que tudo farei para lhes pôr cobro. Enquanto comunidade de fé,  vivemos tempos sombrios e sentimo-nos ’em choque’ pela dor causada a tantas  vítimas inocentes, pelos delitos que foram cometidos e, também, pela falha da Igreja em proteger e acolher os mais frágeis que nos foram confiados”, afirma.

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Manuel Linda diz também que é agora o momento para erradicar dos “ambientes eclesiais” e de “toda a sociedade qualquer tipo de abuso, defendendo sempre os mais frágeis. “A ‘tolerância zero’ que o Papa Francisco declarou para toda a Igreja é a que desejo igualmente na nossa Diocese”. O bispo aproveitou para anunciar que, já em dezembro, haverá um programa formativo na diocese do Porto para sensibilizar todas as comunidades que trabalham com crianças, jovens e adultos vulneráveis, mostrando assim como está preocupado com a temática.

Manuel Linda foi recentemente implicado num processo que envolvia um padre de Vila Real que se envolveu com uma catequista, um caso que o Observador noticiou em 2019 e que foi agora novamente notícia pelo Correio da Manhã. A vítima diz que na altura Manuel Linda era o seu professor de Religião e Moral e que ela lhe contou de uma possível relação com o padre da sua aldeia. Manuel Linda não fala sobre esse  caso nesta carta, mas já se tinha pronunciado sobre o tema em comunicado afirmando que não tinha qualquer memória do caso.

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