“Vivíamos uma vida muito normal.” Foi com estas palavras, já depois de se ter declarado culpada de atos terroristas, que Allison Fluke-Ekren falou do tempo que viveu na Síria. Foi lá que encontrou o que procurava, um radicalismo do mais violento possível, e foi lá também que foi detida. Americana de nascimento, nome de solteira Brooks, a mulher de 42 anos nascida no Kansas foi deportada para os Estados Unidos em janeiro, onde foi julgada. Esta semana foi condenada a 20 anos de prisão.
Enquanto falava da sua normalidade, Allison mostrava fotografias dos filhos no que aparentava ser um normal jantar de família numa pizzaria. Os procuradores não se convenceram com as imagens de família feliz, desfeita pelos testemunhos de alguns dos seus 12 filhos, de 5 maridos diferentes (a maioria morreu a combater).
“Imperatriz do ISIS” — leia-se do autoproclamado Estado Islâmico — foi como os procuradores a descreveram, já que entre outras acusações, era suspeita de ter treinado uma liga só de mulheres nas artes do terrorismo. Allison confessou: liderava o Khatiba Nusaybah, um batalhão com mais de 100 mulheres.
Entre as suas discípulas havia crianças de 10 anos, sujeitas ao mesmo treino que mulheres mais velhas: aprender a usar uma AK-47, detonar granadas e usar cintos suicidas. Quem se relacionou com Fluke-Ekren na Síria diz sem rodeios que o seu radicalismo era fora do normal: numa escala de 10, Allison seria um 11 ou um 12, relatou o procurador Raj Parekh, citado pela imprensa internacional.
“Ela fez lavagens cerebrais e treinou as crianças para matar”, argumentou Parekh, dizendo que as ações de Fluke-Ekren “acrescentaram uma nova dimensão ao lado mais negro da humanidade”.
A saída dos Estados Unidos
O primeiro casamento de Allison, que estudou em colégios de elite e tinha uma vida familiar estável, foi com um norte-americano numa igreja metodista. “Não há nada no seu passado que possa explicar a sua conduta, que era conduzida pelo fanatismo, poder, manipulação, uma ideia de invencibilidade e crueldade extrema”, defendeu Parekh. Aliás, fez questão de frisar que a sua família pedia que Allison fosse condenada à pena máxima, 20 anos de cadeia, o que é “extremamente raro”.
Depois da morte do primeiro marido, de quem teve dois filhos, Allison conheceu Volkan Ekren. Voltou a casar, converteu-se ao Islão e, em 2008, mudaram-se para o Egipto, onde a mulher recebeu treino militar, continuando a ser introduzida nos meandros do terrorismo durante o tempo que passou na Líbia e no Iraque. Além dos seus cinco filhos, adotaram uma criança, filha de dois bombistas suicidas.
Em 2012, o seu destino foi a Síria já que o seu desejo, segundo a acusação, era envolver-se numa violenta guerra santa. Fluke-Ekren costumava dizer ao seu batalhão que um atentado suicida com poucas baixas era um desperdício de recursos, segundo os procuradores.
Depois de Ekren morrer em 2015 na Síria, Allison casou-se com um especialista em drones, que morreu pouco tempo depois. Mais tarde, tornou-se mulher de um proeminente líder do ISIS, responsável pela defesa de Raqqa, cidade da Síria onde treinava o Khatiba Nusaybah. No seu depoimento, Allison comparou o batalhão a um grupo de entreajuda, argumentando que as mulheres precisaram de aprender autodefesa devido à violência que assolava a Síria.
Os depoimentos dos filhos: “Deixou-me com o meu violador”
Os depoimentos dos filhos de Allison chegaram ao tribunal através de cartas e todos pediram que a mãe recebesse a sentença máxima, relatando terem sofridos abusos físicos e sexuais. A ré — que negou ter abusado dos filhos — pediu que a sua pena de prisão não ultrapassasse os dois anos de prisão efetiva para poder cuidar dos filhos mais novos.
“A minha mãe é um monstro sem qualquer amor pelos seus filhos, e sem qualquer desculpa para as suas ações. Ela tem o sangue, a dor e o sofrimento de todos os seus filhos nas suas mãos”, testemunhou um dos seus filhos, agora adulto.
Já uma das filhas, agora com 20 anos, conta que a mãe a entregou a um qualquer combatente do ISIS como escrava sexual, deixando-a com o seu violador. A rapariga tinha 13 anos na altura e foi forçada a casar com o terrorista. Allison justificou-se, dizendo que a filha tinha quase 14 anos e foi ela quem quis casar.
A mesma jovem relata um outro incidente em que, como castigo, a mãe lhe derramou um medicamento para matar piolhos na cara. Como era pródiga em disfarçar os abusos, Allison tentou limpar os tóxicos, mas a filha tentou ao máximo evitá-lo: “Queria que as pessoas vissem que tipo de pessoa ela era. Queria que ela me cegasse.”