“Uma alegria, um privilégio e uma honra”. É assim que António Zambujo descreve, em declarações à Rádio Observador, a oportunidade que teve de gravar uma canção com “uma das maiores cantoras da história da música brasileira”, Gal Costa, que morreu esta quarta-feira, com 77 anos. “É uma grande perda e que custa sempre, ainda mais quando não se está à espera, como é o caso”, refere ainda.

O dueto em questão, “Pois É”, foi incluído no último álbum de Gal Costa editado em vida, Nenhuma Dor, de 2021. Trata-se de uma interpretação recente de um tema histórico da música brasileira, de Tom Jobim (música) e Chico Buarque (letra), que Chico cantou em 1970, Elis Regina cantou em 1974 (no álbum Elis & Tom) e Gal Costa cantou poucos anos depois, surgindo no disco Água Viva, de Gal, editado em 1978.

Para esta nova versão, Gal Costa convidou António Zambujo. O músico português relatou à Rádio Observador como surgiu o convite: “Foi uma surpresa muito boa. Já a conhecia, já tinha estado com ela das vezes em que tinha tocado no Brasil e também aqui em Portugal, numa vez em que ela foi ao Centro Cultural de Belém”.

O convite para o disco foi feito por ela mas foi assim um pouco surpreendente. Não estava bem à espera que ela me convidasse. Obviamente foi uma alegria, um privilégio e uma honra. Infelizmente não o pudemos apresentar ao vivo por conta da pandemia. Seguramente iríamos apresentá-lo mais cedo ou mais tarde, infelizmente já não poderá ser”, acrescentou o cantor português.

Para Zambujo, o mundo perdeu “uma cantora inacreditável”, que “se não for a principal, é pelo menos uma das principais vozes da música brasileira e uma das principais divulgadoras da música brasileira” no mundo.

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Lembrando também o critério de qualidade de Gal Costa relativamente “às músicas que cantou e aos autores que escolheu cantar” ao longo da carreira, António Zambujo não deixa de destacar as qualidades técnicas e interpretativas de Gal: “Desde logo, tinha uma voz fantástica, um timbre maravilhoso. Depois, tinha a capacidade interpretativa que, acho eu, faz os grandes intérpretes: a forma como valorizava todas as palavras, todo o texto, a forma como dava vida a cada verso, a cada refrão”.

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Zambujo lembra ainda a “lição de liberdade” que Gal Costa deixou, no plano dos posicionamentos sociais e políticos: “Mostrou que a arte nunca pode ter barreiras e que se for preciso, tem de bater contra o sistema. Ainda recentemente no Brasil assistimos a um período em que a perseguição e o ataque aos artistas foi mais uma vez a palavra de ordem de quem está no poder e se sente ameaçado por isso. E a arte serve para isso mesmo”.

Quando [a arte] está ameaçada, não pode ser amordaçada. E ela tinha muito isso, mesmo em relação à sexualidade dela [de que falou sempre abertamente, sem pudor]. Em tudo isso foi muito vanguardista”, vinca o cantor.

Zambujo abordou ainda a influência que Gal Costa teve na sua música, lembrando que a música popular brasileira foi “uma grande influência e uma grande referência” para si, em parte por ter “grandes intérpretes”. Sendo Gal Costa “uma das suas principais embaixadoras e uma das grandes cantoras da MPB”, refere, foi “obviamente” influenciado por Gal.

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O músico português deu inclusivamente um exemplo concreto: no seu mais recente disco, Voz e Violão, canta o tema “Como 2 E 2”, de Caetano Veloso. A escolha deveu-se a “uma interpretação fantástica da Gal Costa num disco dela ao vivo chamado -Fa-Tal- Gal a Todo Vapor. “Por ouvir muitas vezes a Gal a cantar aquela música, decidi cantá-la também e gravá-la num disco”, explica.

Porém, como “a maior parte dos portugueses”, arrisca, lembra-se inevitavelmente “do genérico da telenovela Gabriela [“Modinha para Gabriela”], que foi talvez a música que ficou mais marcada aqui em Portugal”, assim como de “aquele dueto que ela tem com o Tim Maia, ‘Um Dia de Domingo’, que também passou muitas vezes nas nossas rádios e nas nossas televisões”.