Só mesmo o PCP poupou o ministro João Gomes Cravinho numa audição que era para ser sobre Negócios Estrangeiros, mas onde os partidos não deixaram o ministro sair sem mais explicações sobre o caso do Hospital Militar de Belém. Cravinho foi esquivo e refugiou-se sobretudo em rigores de linguagem, sem dizer diretamente por que motivo sabia que a obra estava a derrapar sem intervir prontamente (começou em 700 mil euros e acabou em 3,2 milhões). Claro foi apenas sobre a certeza que diz ter sobre as condições para ficar no Governo.

Foram três horas de audição do ministro dos Negócios Estrangeiros com a oposição a explorar o momento de fragilidade política do ministro e a exigir respostas. E só à terceira pergunta sobre as condições políticas para se manter no cargo, respondeu que sim. “Se não achasse [que tenho condições] já teria apresentado a minha demissão e já me teria ido embora”.

O ministro ia preparado para o ataque, tanto mais que o PS já tinha dado nota que ia permitir o esclarecimento de Gomes Cravinho na comissão. O plano era antecipar-se às perguntas da oposição, mas a ordem de intervenções trocou as voltas aos socialistas e acabaram a intervir já depois de o PSD ter pedido a cabeça do ministro.

O social-democrata João Montenegro entrou direto ao assunto: “Não tem condições para continuar no exercício do cargo”. “A sua prestação, como membro do Governo, está ferida de morte. O clima de suspeição está em cima de si e está mais do que provado que tem uma relação difícil com a verdade, até mesmo aqui no Parlamento”, afirmou. Depois dele, a deputada Paula Cardoso, da mesma bancada, começou por dizer não ter dúvidas que o ministro não autorizou, mas a defender que essa autorização foi solicitada por email e que se o ministro tivesse tido “dúvidas, teria respondido”. “Não o tendo feito, autorizou.”

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Gomes Cravinho: “Se não achasse que tinha condições, já me tinha ido embora”.

Ministro defende que não houve pedido formal para aumentar custos

O ministro recusou ter omitido informação ao Parlamento, como o PSD (e também o Chega por André Ventura) o acusou de fazer. E sobre a segunda questão, da autorização, voltou a garantir que não a deu, refugiando-se no relatório da Inspeção-geral da Defesa Nacional (IGDN) que citou na parte em que diz que “não existe formalização do pedido de autorização para a tutela”.

“Em nenhuma circunstância se pode imaginar que isso é um pedido de autorização, em nenhuma circunstância se pode imaginar que, não dizendo nada, tacitamente está aprovado”, afirmou João Gomes Cravinho que chegou mesmo a dizer que o ofício — noticiado este fim de semana pelo Expresso“não foi muito claro em relação às despesas que seriam necessárias”.

“O que é preciso quando se faz uma solicitação é identificar claramente [os valores]”, disse Cravinho para tentar reduzir a relevância do ofício. “Não é dizer ‘isto vai custar mais do que nós pensávamos, achamos que vai custar mais um montante e talvez mais outros montantes depois logo se vê’. Isso não é um pedido de autorização”, considerou em resposta ao PSD.

Do PS, que vinha preparado para ser ele mesmo a abrir esta questão ajudando Cravinho, veio o apoio ao ministro, com Francisco César a lembrar que foi o próprio a pedir a intervenção do Tribunal de Contas antes de tomar qualquer decisão sobre a obra e sobretudo depois de apontadas irregularidades por parte da IGDN.

De outra frente, do Bloco de Esquerda, chegou a pergunta sobre a nomeação de Alberto Coelho, ex-diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional, considerado suspeito de corrupção e branqueamento neste caso, para presidir a uma empresa da Defesa, a ETI — Empordef Tecnologias de Informação. Coelho não foi reconduzido como diretor-geral pelo mesmo ministro que acabou por nomeá-lo, três meses depois, para uma empresa da Defesa.

Na resposta, o ministro disse que as interrogações sobre a “idoneidade” de Alberto Coelho só surgiram depois da nomeação feita. O PAN ainda havia de questioná-lo novamente sobre esta nomeação, mas como a deputada teve de sair da sala para ir para outra comissão, o ministro acabou por deixar a pergunta sem resposta.

Também do BE, de Joana Mortágua, veio a pergunta sobre a expressão usada pelo ministro, quando se decidiu avançar com a remodelação no hospital militar para aumentar a capacidade de assistência a doentes Covid, em plena pandemia, para que a obra avançasse “a todo o gás”. Mas o ministro diz que a expressão “informal” serviu apenas como “instigação” e não como uma autorização para a realização de todo o tipo de despesas ao abrigo dessa mesma urgência.

E foi já no final da primeira ronda que Gomes Cravinho, numa resposta a Rodrigo Saraiva da Iniciativa Liberal, declarou considerar ter condições para continuar no cargo e a representar Portugal no exterior — isto depois de ter ouvido o respaldo do primeiro-ministro — sobre o caso, Costa disse que “o que não acharia normal é que o ministro mentisse sobre o que sabe ou não sabe; se disse a verdade, isso é de louvar”.

“Tudo aquilo que tem a ver com a minha vida privada ou com a minha atuação anterior, enquanto ministro da Defesa Nacional, eu posso explicar com total satisfação, para mim próprio, desde logo, e estou à disposição aqui na Assembleia da República para se aprofundar as matérias que quiserem”. E voltará, daqui a duas semanas, numa audição apenas dedicada a este assunto.

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