Quis o destino que as jornadas parlamentares do PCP começassem no dia em que há um ano o PS de António Costa celebrava a conquista de uma maioria absoluta que lhe abria portas para governar sem os antigos parceiros da geringonça. As últimas eleições legislativas aconteceram a 30 de janeiro de 2022.

Talvez por isso, o mesmo PS de António Costa foi o alvo escolhido por Paulo Raimundo, na estreia nas jornadas parlamentares enquanto secretário-geral dos comunistas. Apareceu apenas uma vez, no BejaParque Hotel para discursar perante deputados e militantes durante pouco mais de 15 minutos, e para depois em resposta aos jornalistas fazer as críticas subir de tom e apontar a porta de saída ao Primeiro-ministro: “Das duas três, ou cede no bom sentido e dá resposta ou não tem alternativa e tem de sair”.

Na hora de exigir uma mudança de rumo, Paulo Raimundo ainda chegou a rejeitar o cenário que tem sido apontado por outros partidos da oposição, como o PSD de Luís Montenegro: eleições antecipadas. Em vez disso, o líder comunista devolve a responsabilidade ao PS que tem “todos os instrumentos na mão, incluindo a maioria absoluta” para “dar respostas aos problemas das pessoas”.

O PCP reúne-se em Beja numa altura em que as sondagens colocam em questão a permanência do partido na Assembleia (a mais recente sondagem da Pitagórica para a CNN/TVI dá aos comunistas apenas com 2,2%, quase metade do resultado das últimas legislativas). Beja é um distrito que os comunistas já perderam para socialistas e estão agora na corrida para se manter como segundo partido mais votado, com poucos milhares de votos para os sociais-democratas.

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De atenções viradas para Portugal, os deputados chegaram a Beja com o guião estudado: responsabilizar o Governo do PS pelas dificuldades vividas no distrito e dramatizar a crise social. Já a guerra na Ucrânia foi mencionada apenas uma vez, no discurso de Paulo Raimundo, em que o líder comunista exigiu ao governo que leve por “diante uma ação pela paz com vista ao fim dos conflitos”, em vez de continuar a ser “porta-voz daqueles que alimentam a guerra e adicionam gasolina ao fogo”.

Paulo Raimundo rejeita eleições antecipadas, mas dá duas opções ao governo: “Ou cede ou sai”

Nas carruagens da CP, a levar a oposição a utentes e trabalhadores

Os deputados fizeram-se à estrada — ou à ferrovia, melhor dizendo — ainda antes do nascer do sol. Eram 7h26 da manhã e o comboio com destino a Évora fazia a segunda paragem, no Pragal. Paula Santos, líder do grupo parlamentar e Bruno Dias, deputado eleito pelo distrito de Setúbal entraram a carregar malas e mochilas. Não se chegaram a sentar para esperar pela próxima paragem. Ainda antes de ser pedida “atenção” aos passageiros, porque o comboio se preparava para parar no Pinhal Novo, os deputados levantaram-se e foram para a carruagem da frente, onde iam ficar reunidos com trabalhadores de membros das Comissões de Trabalhadores da CP e da IP.

Ficaram sentados, com uma pequena mesa a separar cada um, onde Paula Santos estendeu um caderno de folhas amarelas e tirou uma caneta azul — só iria parar de escrever assim que o comboio parasse em Casa Branca. Ao seu lado, Bruno Dias abria um pequeno computador preto. Com as preocupações sobre mobilidade a dominarem o discurso o comunista, o objetivo assumido da viagem  era “ouvir as principais preocupações” de quem está no terreno todos os dias.

Separados por um estreito corredor e várias vezes interrompidos por passageiros que tentavam chegar à primeira carruagem do comboio, os dois deputados ouviram cerca de uma dezena de trabalhadores que à vez apontaram as principais falhas nas empresas onde trabalhavam. Problemas como os baixos “salários” e “a falta de trabalhadores” da CP, a “falta de perceção dos anúncios sonoros” nas plataformas e ainda, ou sobretudo, as ligações ferroviárias, rodoviárias e aeroportuárias no Alentejo, mais precisamente em Beja, que levavam os trabalhadores a dizer que, “enquanto não for respondida a questão do aeroporto de Lisboa, Beja ficará sempre limitada”. “É esse o sentimento que as pessoas têm”, diziam.

A receita continuou a ser responsabilizar o PS. Na resposta aos queixosos, Bruno Dias destacou “uma coisa curiosa” que aconteceu no Parlamento: depois de o PS aprovar uma proposta do PCP na generalidade sobre o aeroporto de Beja, a proposta desceu à especialidade e, entretanto, “apareceu uma proposta de alteração do PS onde passou a ler-se o estudo da construção da ligação ferroviária ao aeroporto”

Tudo somado, a posição do PCP mantém-se: o aeroporto de Beja mantém uma enorme “importância estratégica”, “não substituindo o de Lisboa”. Nesse caso, vão explicando os comunistas, o país deve investir na solução Alcochete.

Uma hora depois, uma nova paragem, um novo comboio e um novo auditório. Os deputados do PCP trocaram os representantes das comissões de trabalhadores por utentes e mantiveram as críticas “às políticas de direita” dos sucessivos governos em Portugal.

Em Casa Branca, João Dias (deputado eleito pelo distrito de Beja) juntou-se a Paula Santos e Bruno Dias para sentenciar: “A população de Beja está cansada”. As queixas continuaram a somar-se, desde os sucessivos “atrasos nos comboios da região”, à falta de ligação direta entre Lisboa e Beja — que obriga ao transbordo em Casa Branca — ou sobre as estações que estão emparedadas, como a do Alvito, onde não é possível comprar um bilhete. “Já só é possível comprar bilhetes na Internet e eu não sei fazer isso”, queixava-se uma utente. As queixas são repetidas e insistentes.

Aeroporto: PCP defende aproveitamento das “potencialidades” de Beja, mas descarta solução para Lisboa

O IP8, a estrada onde “há ovelhas, mas não há carros”

Entre olivais e campos de cultivo ergue-se um viaduto. Ou melhor, parte dele. Com a construção inacabada, cabos enferrujados assinalam o local onde a construção do IP foi interrompida. Onde devia haver estradas largas de asfalto há apenas pequenos lagos provocados pela chuva caída. Foi erguido um arame para os pastores colocarem o gado e “ficarem descansados”. Ouve-se o badalo de ovelhas a pastar ao longe.

Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador, nas jornadas parlamentares do PCP.

Ovelhas no IP8 e a imigração ilegal. PCP em Beja no arranque das Jornadas Parlamentares

O itinerário, uma “autoestrada sem portagens”, como foi descrito pelos deputados do PCP, ligaria Sines a Beja e Beja à fronteira com Espanha. Um “bom exemplo do desinvestimento do distrito, um desperdício e um desaproveitamento que só podemos condenar”, na opinião de Paula Santos, enquanto José Dias se referia à obra como aquela que ficará pronta “no dia de São Nunca à tarde”.

José João Guerreiro, vereador da câmara municipal de Ferreira do Alentejo, chegou-se à frente para explicar que perante o impasse da obra, as “pessoas aproveitam, está feita a vedação e põem o gado“. “Não há carros, mas há ovelhas”, criticou. Francisco Fagulha, eleito para a Assembleia Municipal em Ferreira do Alentejo, descreveu o “quadro” como mais um sintoma da “pobreza franciscana” a que está votado o Alentejo.

Na denúncia das responsabilidades políticas pelos atrasos e desinvestimento, a receita continuava a ser repetida. Apesar de a obra do IP8 ter sido interrompida em 2012, pelo governo de Pedro Passos Coelho, o PCP não deixou de passar em branco a responsabilidade do PS, uma vez que a “obra nunca foi retomada durante os sucessivos governos socialistas”.

As críticas ao PS de António Costa apenas acabaram à noite, em Cuba, quando o antigo deputado António Filipe interrompeu o seu jantar para reagir à entrevista de António Costa à RTP para falar num “país que só existe na imaginação do primeiro-ministro” e para voltar a lamentar a crise social que o país atravessa, acusando Costa de “subestimar os problemas existentes e quando os reconheceu foi para encontrar justificações para não os resolver”. “Aquilo que preocupa os portugueses no dia-a-dia não apareceu nesta entrevista”, apontou o comunista.