PS, PSD, PCP, BE, PAN e Livre rejeitaram, esta quinta-feira, quaisquer alterações ao preâmbulo da Constituição, como propõem Chega e IL, com a discussão a centrar-se no seu eventual valor jurídico.

Na reunião desta quinta da comissão eventual de revisão constitucional, começou a discussão artigo a artigo dos projetos de alteração à lei fundamental, tendo sido apenas debatido o preâmbulo.

A Iniciativa Liberal e o Chega são os únicos dois partidos que pretendem alterar o preâmbulo da Constituição, retirando a referência à abertura de um caminho “para uma sociedade socialista”.

O Chega quer também eliminar “referências ao período fascista”, enquanto os liberais querem acrescentar à referência já expressa à Revolução do 25 de Abril uma nova: “A 25 de Novembro de 1975, Portugal consolidou-se como regime democrático pleno, impedindo a instauração de um regime comunista”.

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“Temos de decidir que o preâmbulo é um mero objeto histórico ou que tem valor normativo (…) É errado dizer que não tem [valor normativo]”, afirmou André Ventura, citando acórdãos do Tribunal Constitucional (TC) da década de 80 que invocaram o preâmbulo para fazer jurisprudência.

O líder do Chega justificou a proposta com o objetivo de materializar “a neutralidade ideológica” da Constituição da República, que “não deve excluir campos políticos”.

O ex-presidente da Iniciativa Liberal defendeu igualmente que, “no limite”, o preâmbulo tem sempre “influência interpretativa em decisões constitucionais”. “Eu quero dar todo o respeito ao preâmbulo da Constituição, exatamente por dar não o vou considerar mera peça histórica”, salientou João Cotrim Figueiredo.

Perante o chumbo anunciado das alterações, Cotrim Figueiredo disse que o parlamento deveria, pelo menos, definir que o preâmbulo não pode servir para fundamentar futuras decisões do TC, considerando que sem essa ressalva esse risco existe para o futuro.

Pelo PS, Pedro Delgado Alves considerou que “o assunto está arrumado quanto ao valor jurídico do preâmbulo”, dizendo que “ninguém lhe dá valor normativo atualmente” e salientou que, desde os anos 80, o TC nunca mais o usou como argumento.

“Não tem valor interpretativo, espelha o momento da sua aprovação, 02 de abril de 1976 (…) Não é um texto em que faça sentido abrir fraturas históricas, deixemos o preâmbulo descansado”, defendeu o ‘vice’ da bancada socialista.

O deputado do PSD André Coelho Lima considerou igualmente que “se trata de um documento datado” e alertou que, se tivesse valor normativo, “a discussão seria outra”.

“O preâmbulo é um prefácio, é a nota dos seus autores à data da sua elaboração, mudar o sentido do prefácio é tirar-lhe o próprio sentido (…) Para nós é claro, não tem valor de lei, se tivesse sentido normativo as não vitórias do PS seriam inconstitucionais“, ironizou.

A deputada do PCP Alma Rivera considerou a discussão requentada, apenas com a novidade de não ser protagonizada pelo CDS, mas pela IL e pelo Chega, mas salientou que, se “não tem valor normativo, também não é simplesmente histórico”, e “contribui para uma leitura da Constituição”.

“O Chega e a IL querem reescrever a história atribuindo à Assembleia Constituinte de ’76 um texto escrito por eles 50 anos depois (…) Há sempre um revanchismo e ajustar de contas com a Constituição”, criticou, numa intervenção que Cotrim Figueiredo considerou ofensiva.

PCP, tal como PS, BE e PAN, criticaram a intenção do Chega de retirar a referência ao “regime fascista” do preâmbulo, com o líder parlamentar bloquista Pedro Filipe Soares a manifestar “completa oposição” a qualquer alteração.

“É absolutamente inegável que tem valor histórico, mas é contraditável que se fique por esse valor histórico. Ele não é neutral nem perante a história nem perante a atualidade”, defendeu.

A deputada única do PAN Inês Sousa Real considerou que este texto inicial da Constituição não tem força jurídica, enquanto Rui Tavares, representante único do Livre, defendeu que o valor histórico do preâmbulo “só o valoriza”.

“O preâmbulo é uma história cristalizada que, num determinado momento, nos remete para futuro e pretende estabelecer limites para o regime futuro”, disse, gerando risos gerais ao colocar a hipótese de uma criança receber hoje na escola uma Constituição datada de 02 de abril de ’76 que falasse em democracia liberal.