O sistema europeu de partilha de dados de saúde que um consórcio com 26 membros liderados pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa está a desenvolver desde o início do ano vai ser testado, em Portugal, no Centro Hospitalar de Santo António, que nasceu este mês da junção entre o Centro Hospitalar Universitário do Porto e o Hospital Magalhães Lemos. É um dos parceiros portugueses no desenvolvimento deste mecanismo.

Centro Hospitalar do Porto e Hospital Magalhães Lemos extintos a 1 de fevereiro para dar origem ao Centro Hospitalar de Santo António

Em entrevista ao Observador, o médico e professor Henrique Martins avançou que o Santo António, pertencente ao Centro Hospitalar Universitário do Porto, está na “bolha de experimentação” com várias entidades europeias que vai testar o mecanismo de partilha de dados de saúde entre países europeus — e, internamente, entre instituições nacionais e hospitais de vários setores.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O desenvolvimento deste sistema — o XpanDH — Expanding Digital Health through a pan-European EHRxF-based Ecosystem — está previsto no artigo 6º do Regulamento do Espaço Europeu de Dados de Saúde, uma lei que está a ser discutida na Comissão Europeia e que deverá ser aprovada ainda este ano. Este ponto da lei já prevê a existência de um “formato europeu de intercâmbio de registos de saúde eletrónicos”. O desenvolvimento começou em janeiro deste ano — as primeiras reuniões presenciais decorrem desde quarta-feira até esta quinta-feira — e demorará dois anos.

Não é um programa informático novo o sistema que está a ser desenvolvido pelo consórcio, esclareceu o especialista em saúde digital. É antes uma espécie de rede de pontes que liga entre si os programas que já estão instalados nos sistemas de saúde dos Estados-membros da União Europeia. Terá duas utilidades principais: disponibilizar aos profissionais de saúde as informações de um utente que, vindo de um país europeu, acorre aos serviços de saúde de outro; e partilhar os dados entre entidades públicas, privadas ou do setor social.

“É um conjunto de regras técnicas, legais e organizacionais que permite articular os sistemas informáticos”, sumarizou Henrique Martins: “A informação armazenada neste formato europeu pode ser lida e integrada em qualquer sistema da União Europeia e em qualquer setor da saúde”. Em Portugal, a partilha de informações entre organismos do Serviço Nacional de Saúde já está implementada, mas o envio para o setor privado — por exemplo, no caso de um utente que é consultado tanto no sistema público como numa clínica particular — ainda é muito limitado.

Com este sistema, “não há distinções dessa natureza”: as pontes entre programas informáticos estão a ser concebidas para funcionarem independentemente do setor a que pertencem as entidades — até porque nem todos os países têm a mesma organização no sistema de saúde. E trarão poupança à Europa: 10% dos 14 mil milhões de euros gastos todos os anos em exames médicos servem apenas para repetir procedimentos que já foram realizados noutros locais do sistema de saúde. Em 10 anos, com estas pontes, estima-se uma poupança 5,5 mil milhões de euros.

No fundo, trata-se de expandir o conceito que já foi utilizado na pandemia de Covid-19, em que os sistemas dos países da União Europeia conseguiam verificar, através de códigos QR, os certificados de recuperação da doença, testagem negativa à infeção por SARS-CoV-2 ou vacinação. “Uma vez aprovado e consolidado a nível europeu, é aplicável homogeneamente”, diz o médico.

Mas a implementação não vai ser imediata. Neste momento, já é possível ter acesso às receitas médicas em formato digital e a um resumo do quadro clínico dos utentes. A seguir, assim que este sistema for implementado, começa a partilha de dados laboratoriais, informação obtida por meio de imagiologia e notas de alta. 

Todo este conceito está a ser desenvolvido para ser compatível com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados: a informação só é partilhada caso o utente dê consentimento para isso. As únicas exceções são aquelas que já estão previstas na lei: no caso de a partilha da informação ser essencial para assegurar a saúde pública ou se disso depender a continuidade de cuidados críticos — por exemplo, no caso de o utente não poder verbalizar esse consentimento por estar em coma.