Foi o “maior” teste à semana de quatro dias alguma vez feito, segundo a organização. Seguindo uma tendência internacional, que também chegará a Portugal em junho, quase 3.000 trabalhadores de 61 empresas no Reino Unido implementaram a semana de quatro dias de trabalho, durante seis meses, o que teve como reflexo uma redução, em média, de 38 horas semanais para 34 horas. Para alguns, cerca de um terço, essa quebra significou uma maior carga de trabalho, que não se refletiu necessariamente na saúde: o absentismo caiu e de forma significativa.
Essa tendência da redução do absentismo não tem, porém, sido global. Por exemplo, a portuguesa 360imprimir implementou o modelo de forma independente durante seis meses em Portugal e não assistiu, ao contrário do que esperava, a uma redução das ausências ao trabalho. O teste no Reino Unido mostra resultados muito diferentes: a média de faltas diminui de 2 para 0,7 durante os seis meses da experiência, o que representa uma redução de 65%. Para a organização do teste, essa queda é explicada com os menores níveis de stress.
“Os trabalhadores estavam mais descansados, passaram o dia extra com a sua família e amigos, a relaxar ou em atividades de lazer. E isso tem um impacto drástico na sua saúde física e mental. Grande parte das baixas por doença estão ligadas ao stress pelo que faz sentido que tenham diminuído”, diz ao Observador Mariam Salman, uma das responsáveis da ONG responsável pela implementação do projeto, 4 Day Week Campaign. Dados recolhidos antes e após o teste mostram que 39% dos funcionários se sentiam menos stressados e 71% tinham menos sinais de burnout (esgotamento).
Um pouco por todo o mundo, empresas a termo individual ou países através de projetos-piloto nacionais têm posto em prática testes à semana de quatro dias. Portugal não tem sido exceção, com organizações a avançar autonomamente para os testes ou para o projeto-piloto nacional que acontecerá a partir de junho deste ano e para o qual as empresas já se podem inscrever formalmente. Segundo os dados mais recentes revelados pelo Ministério do Trabalho português, na semana passada, das 90 empresas que manifestaram interesse em participar, cerca de 30 formalizaram a decisão. A organização do teste em Portugal já disse esperar que neste período inicial várias empresas desistam de dar o passo.
Em qualquer um dos projetos-piloto que têm sido feitos as empresas podem, de facto, desistir. No Reino Unido, o teste deveria ter contado com 70 empresas, mas nove desistiram antes, segundo o relatório de balanço da experiência divulgado esta terça-feira, a que o Observador teve acesso. Algumas justificações são apontadas para essas desistências: a perceção, pela própria organização, de que não estava suficientemente preparada e que precisava de adiar a data de início; dificuldades em medir alguns indicadores de performance; demissões de trabalhadores; ou a conclusão (em duas delas) de que reduzir o horário de trabalho não lhes era ainda favorável.
Desistências à parte, nas empresas que participaram no mais recente piloto, a 4 Day Week Campaign caracteriza a experiência como um “sucesso estrondoso“, aponta Mariam Salman. Das 61 participantes, 56 (ou seja, 92%) planeiam continuar com a semana de quatro dias, das quais 18 confirmam que o regime será permanente. Das cinco que não vão continuar, duas vão prolongar o teste. Já três suspenderam o modelo.
Família e hobbies, mas nem sempre o trabalho doméstico. E um novo trabalho? O que os trabalhadores fazem no dia extra
Para avaliar os impactos da semana de quatro dias, os investigadores — da Boston College, da Universidade de Cambridge e da Autonomy, a consultora que tem apoiado empresas, setor social e empresas públicas a adotar a semana de quatro dias — olharam para dados administrativos das próprias companhias, mas também inquéritos anónimos aos trabalhadores e entrevistas, no início, a meio e no final do projeto-piloto.
Os trabalhadores foram questionados sobre o que fazem com o dia extra. E a resposta mais comum foi “afazeres pessoais”, uma expressão abrangente que inclui desde compras de supermercado, a idas a consultas médicas, reparações domésticas ou limpezas. “Muitas pessoas referiram que conseguir completar estas tarefas no quinto dia lhes permitiu ter o fim de semana livre para lazer genuíno e atividades pessoais”, lê-se no relatório. Houve ainda quem apontasse poupanças com amas ou creches.
Mas, segundo os investigadores, os funcionários puderam, de facto, passar mais tempo em atividades de lazer, que vão desde ouvir música, a tempo com os amigos, praticar um desporto, fazer exercício físico, pintar, cozinhar, passear o cão, ver televisão, visitar a família que vive fora da cidade ou voluntariado. Um “pequeno número” de participantes também disse estar a melhorar as qualificações profissionais.
Além disso, “estamos a ver muitas pessoas a contribuir [nesse dia] para as economias locais. Vão ao teatro local ou a restaurantes, bares. Portanto, não tem só um impacto no indivíduo, tem também um impacto positivo na comunidade e na sociedade”, descreve Mariam Salman. O relatório refere que houve quem passasse o dia extra a fazer “trabalho de freelancing“, mas Mariam aponta que não foi significativo.
“Estamos perante uma crise de custo de vida, em que está tudo mais caro. Portanto, nalguns contextos, é compreensível que isso aconteça, mas não é algo que tenhamos visto no teste. E também não é algo que encorajemos porque esvazia o propósito da semana de quatro dias, que é reduzir os horários”, indica. Testemunhos de empregadores ouvidos pelos investigadores também criticam essa opção. “A ideia por detrás da semana de quatro dias é que [os trabalhadores] descansem (…). Portanto não, não podem ter um segundo emprego”, disse um gestor de uma seguradora, durante uma entrevista.
Os resultados também revelam alguns impactos em atenuar a desigualdade de género. Segundo o relatório, os homens passaram mais tempo a cuidar dos filhos, mas não no trabalho doméstico. “O tempo que os homens passaram a tomar conta dos filhos aumentou mais do dobro do que o das mulheres (27% para 13%), mas a divisão de trabalho doméstico entre os dois géneros manteve-se praticamente o mesmo (68% não reportaram nenhuma mudança para homens e mulheres)”, lê-se.
Reuniões mais curtas e menos frequentes. Como as empresas reduziram horários sem contratar mais
Apenas duas empresas entrevistadas revelaram ter recrutado mais funcionários para conseguir implementar a semana de quatro dias, e outras duas admitiram que os planos para adotarem permanentemente o modelo obrigariam a recorrer à subcontratação de novos trabalhadores.
Uma empresa desistiu de um pequeno número de clientes para implementar o regime e outra cancelou alguns projetos que não obedeciam ao foco principal da organização. Além disso, segundo o relatório agora divulgado, alguns entrevistados sugerem que os quatro dias dão mais entusiasmo aos trabalhadores, que são mais produtivos em menos tempo. Mas nenhuma empresa confiou totalmente nesta ideia: todas implementaram “medidas práticas para reformar determinados procedimentos laborais e aumentar a produtividade”.
Que medidas? Os investigadores dão alguns exemplos: encurtar reuniões, que se tornaram menos frequentes e passaram a ter uma ordem de trabalho mais clara e objetiva; emails mais concisos e direcionados a quem realmente tem de os receber; no caso das indústrias, pedidos aos funcionários para que contabilizem o tempo gasto em cada processo para “identificar formas de poupar tempo”; a introdução de um “período de foco” em que se trabalha ininterruptamente; a automatização de alguns processos, a adoção de novos softwares de gestão de projetos; ou a criação de listas de tarefas.
No estudo no Reino Unido participaram 61 empresas de diversos setores — do marketing e publicidade ao setor artístico, retalho, construção, indústria e engenharia — e dimensão — 66% das empresas têm até 25 trabalhadores. Ao todo, foram abrangidos cerca de 2.900 trabalhadores, entre junho e dezembro de 2022. Os resultados, divulgados esta terça-feira, revelam que o número médio de dias trabalhados passou de 4,86 para 4,53, o que significa que houve funcionários que não conseguiram usufruir na plenitude da semana quatro dias. A maioria (71%) viu o horário reduzir, enquanto 15% dizem ter passado a trabalhar mais e 13% não viram mudanças.
Uma heterogeneidade de modelos
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Às empresas participantes não foi imposto nenhum regime único e obrigatório: os requisitos eram essencialmente dois — não cortar os salários e assegurar que os trabalhadores tinham uma “redução significativa” do horário de trabalho. Isso quer dizer que cada empresa desenhou e aplicou o modelo que melhor lhe serviria. Houve, por isso, uma heterogeneidade de regras: desde a mais clássica — trabalhar de segunda a quinta-feira e folgar à sexta; à folga rotativa, para assegurar o funcionamento todos os dias da semana.
Houve ainda um regime que fez depender o dia de folga da performance dos trabalhadores. Ou seja, era preciso que os funcionários cumprissem determinadas métricas para poderem beneficiar do novo dia. Por vezes, as empresas misturavam estes vários modelos.
Os trabalhadores passaram a fazer menos horas, mas à semelhança do que têm concluído outros estudos, para uma parte relevante isso significou uma maior carga de trabalho: no projeto-piloto do Reino Unido, cerca de um terço (36%) sentiu um aumento da intensidade do trabalho, enquanto para 31% diminuiu e para 33% nada mudou. Mariam Salman, da 4 Day Week Campaign, desvaloriza: “Este é um período de transição. Nas primeiras semanas e até meses há mudanças na forma como se trabalha e as empresas e os trabalhadores estão ainda a perceber qual a melhor forma de se adaptarem e de se tornarem mais produtivos em menos tempo”, explica.
Houve também situações, admite-se no relatório, em que os trabalhadores tiveram de trabalhar no dia extra. Mas terão sido pontuais e sobretudo em emergências. Aconteceu, por exemplo, com uma fabricante, que a meio do piloto ficou uma semana sem eletricidade, o que obrigou à suspensão da produção. Os trabalhadores tiveram de trabalhar no dia extra para recuperar a produção. É por casos como este que os investigadores consideram uma “boa prática” que as chefias partilhem com os trabalhadores a ideia de que “a semana de quatro dias pode ser objeto de algumas contingências, à medida que a empresa se adapta a novas soluções”.
Uma das preocupações das empresas na hora de decidir testar ou não a semana de quatro dias são os efeitos nas métricas financeiras e na produtividade global da empresa. No projeto-piloto feito no Reino Unido, as receitas mantiveram-se praticamente inalteradas para as 23 empresas que cederam essa informação (subiram apenas 1,4%, em média, uma percentagem que resulta da ponderação consoante a dimensão da empresa).
Mas essa é uma das métricas que, para a organização, pode ter sido influenciada pela inflação. Isso e as ausências ao trabalho: “Se o teste tivesse sido feito num período em que a inflação não fosse tão elevada os resultados teriam sido mais positivos, em termos de receitas, mas também de ainda menos ausências ao trabalho porque este é, de facto, um contexto muito stressante para os trabalhadores”, conclui Mariam Salman.