A defesa de Manuel Pinho admite que o ex-governante praticou crimes de fraude fiscal invocados no caso EDP, mas lembra que foi tudo regularizado e nega qualquer corrupção, segundo o requerimento de abertura de instrução (RAI) apresentado.

No documento, a que a Lusa teve acesso, o antigo ministro da Economia (entre 2005 e 2009) — acusado neste processo de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento de capitais e fraude fiscal —, Manuel Pinho assume claramente a fuga ao fisco. “O arguido assume que recebeu quantias do GES que não declarou fiscalmente, com a consequência de não pagar sobre tais montantes os impostos devidos.”

Não vale a pena ‘dourar a pílula’: o arguido cometeu, ao longo de vários anos, crimes de fraude fiscal, tendo ’embarcado’ num esquema global dentro do GES, em que os pagamentos de parte das remunerações e de prémios eram feitos ‘por fora'”, lê-se ainda no RAI submetido.

De acordo com o jornal Público, no documento a defesa de Pinho justifica ainda a prática do crime como resultado de uma “prática corrente” com “origem histórica” dentro do Grupo Espírito Santo: “Grande parte dos quadros superiores do BES era paga nesses termos, assim como muitos terceiros que se relacionavam com o grupo, como hoje é do conhecimento público, sem que o arguido tenha de estar a denunciar quem quer que seja”.

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Apesar disso, Manuel Pinho diz-se “profundamente arrependido” e diz ter “consciência da gravidade” da situação — ainda para mais por, posteriormente, ter “aceitado pertencer a um Governo da República, o que agrava a sua conduta”, diz a defesa do ex-ministro do Governo de José Sócrates, segundo o jornal Expresso. “Mas, hélas, o que já está, já está”, conclui-se no documento, onde Pinho considera ainda não ter de cumprir qualquer pena por este crime, por ter regularizado a sua situação fiscal em 2013, no âmbito do RERT.

Juíza Gabriela Assunção fica com a instrução do caso Manuel Pinho

Pacto corruptivo “nunca existiu”, diz defesa de Pinho

A defesa de Manuel Pinho, pela voz do advogado Ricardo Sá Fernandes, aproveita o requerimento para classificar o processo judicial como “uma mão-cheia de quase nada”, uma vez que defende não ter existido qualquer pacto corruptivo com o ex-presidente do BES e GES Ricardo Salgado, também arguido.

Entre os argumentos usados para refutar a tese do Ministério Público (MP), a defesa desmonta o pacto corruptivo, ao vincar que “nunca existiu” e que “algumas das imputações não só não são verdadeiras, como são completamente inverosímeis e até delirantes”.

A defesa lembra que o acordo de março de 2004, alegadamente para Pinho vir a favorecer os interesses do Grupo Espírito Santo a partir do Governo, teria sido estabelecido quando Durão Barroso era primeiro-ministro, sendo ainda sucedido por Pedro Santana Lopes antes das eleições em 2005, que culminariam com a vitória do PS, então liderado por José Sócrates. “Não é só fruto de uma imaginação intensa, é o resultado de não pensar no que se escreve”, refere.

Nesse sentido, é apresentada uma carta assinada por Ricardo Salgado, em março de 2004, que estabelece a saída de Pinho do exercício de funções executivas do GES, num acordo que deixou previstas diversas contrapartidas.

Com a demissão do GES, em março de 2005, a defesa alega que Manuel Pinho abdicou das “condições extremamente vantajosas”, tendo, no entanto, direito a um prémio de participação nos resultados do BES de 2004 e do primeiro trimestre de 2005, que o antigo ministro e Ricardo Salgado entenderam definir em 1,5 milhões de euros e que viria, segundo o RAI, a explicar as transferências mensais para uma conta offshore durante o período no Governo.

Foi acordado que a quantia de 500 mil euros seria imediatamente disponibilizada, ficando o restante para saldar mais tarde. Não foi previsto que aquilo que faltava era para ser pago em prestações mensais de cerca de 15 mil euros (como terá vindo a acontecer), o que não foi pedido nem desejado pelo arguido, que disso não foi oportunamente informado e do que só teve consciência muito mais tarde”, refere o documento.

Com a ida para o Governo, a defesa invoca que Manuel Pinho abdicou de uma remuneração anual de 360 mil euros, argumentando que “teria sido muito mais fácil” pedir uma licença sem vencimento para depois poder regressar ao GES e retomar as condições que detinha: “O que não faria sentido era renunciar a isso tudo que, no final, se traduziria em milhões de euros, para auferir uma avença mensal de cerca de 15 mil euros”.

O RAI pede ainda à juíza Ana Gabriela Assunção, que vai presidir à fase de instrução, para se pronunciar sobre diversas nulidades e questões pendentes, arrolando como testemunhas os ex-primeiros-ministros José Sócrates e Pedro Passos Coelho, o presidente da Câmara Municipal de Sintra, Basílio Horta, ou os empresários Patrick Monteiro de Barros e Vasco Mello, entre outros.

Com a juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal está já também o RAI da mulher do ex-governante, Alexandra Pinho, arguida por branqueamento de capitais e fraude fiscal, e representada pelo advogado Manuel Magalhães e Silva.

Para a defesa, a mulher do antigo ministro não tinha conhecimento dos depósitos de cerca de 15 mil euros, sublinhando que “tudo o que respeite ao património e rendimentos de Manuel Pinho e suas relações com o BES ou o GES não lhe diz respeito”.

“Um dos efeitos do casamento, na versão MP, é ser-se perseguida criminalmente por crimes alegadamente cometidos pelo marido”, pode ler-se no RAI a que a Lusa teve acesso, continuando: “É esse o único facto que permitiu ao MP construir a incriminação delirante da ora requerente, com total desprezo do facto de Manuel Pinho e a arguida serem casados em regime de separação de bens”.