O presidente cessante da CIP, António Saraiva, fez esta segunda-feira um balanço negativo do primeiro ano de maioria absoluta do Governo, esperando que o primeiro-ministro adote uma nova estratégia ou faça substituições, e aponta críticas a Costa Silva.

Em entrevista à agência Lusa, António Saraiva, que liderou a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) nos últimos 13 anos e passará oficialmente a pasta a Armindo Monteiro em 12 de abril, vê sinais de cansaço no primeiro-ministro, António Costa, após um ano de “casos e casinhos“, do qual tem a expectativa que tenham sido retiradas lições.

Lamentavelmente, o Governo viu-se envolvido num conjunto de temas e de casos e casinhos, como se costuma dizer, que minaram a sua eficácia e que reduziram a concentração que o Governo deveria ter. Claro que, com isto, é impossível fazer um balanço positivo deste primeiro ano”, assinala.

Usando uma analogia, na qual compara o Governo a uma equipa de futebol, António Saraiva defende que “há a necessidade de a equipa jogar de forma diferente“.

Esta equipa, neste primeiro ano, não deu provas de estar a jogar bem. É bom que o treinador reflita e, ou dando uma nova estratégia à equipa ou mudando alguns jogadores, que aproveite os três anos do campeonato que faltam para que possa ganhar o campeonato”, afirma.

Recordando que é preciso um treinador e uma equipa que cumpram o seu papel, argumenta que esta “vale por si, mas a orientação técnica tem de ser dada e, por isso, o primeiro-ministro tem de ter ele próprio a dinâmica, a vontade, o ímpeto de dirigir a equipa”.

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“Por vezes, acho António Costa um pouco cansado de todo este desgaste que o seu Governo tem tido, com estes casos que têm ocorrido”, considera. Por outro lado, também na equipa “alguns dos jogadores não se dá por eles“.

Precisamos de um avançado centro na Economia com outra dinâmica. Sem estar a criticar o ministro da Economia com esta analogia, mas a verdade é que, independentemente da competência que se lhe reconhece, de alguma maneira, António Costa Silva tem estado mais em gabinete do que no dia-a-dia”, refere.

Para aquele que durante 13 anos foi conhecido como ‘o patrão dos patrões’, “o ministro da Economia tem de ser o ministro das empresas e hoje, um ano após, há muitas empresas que se começam a queixar da ausência do seu ministro”.

Apesar de reconhecer que “António Costa Silva é uma pessoa muito experiente” e “a quem se reconhece muito valor” e que “quando um cidadão é chamado a responsabilidades governativas cai invariavelmente numa máquina na administração e em toda a sua complexidade”, sublinha que “o Ministério da Economia ainda não demonstrou soluções”.

Na nossa história, o Ministério das Finanças sempre teve mais poder político e de facto comparativamente ao Ministério da Economia. Mantemos essa regra e o Ministério da Economia acaba por se diluir naquela esmagadora máquina pública”, frisa.

Perante o contexto do último ano, António Saraiva é taxativo: Espera que “a experiência que este Governo inevitavelmente teve de retirar deste mau ano que teve lhe dê uma capacidade diferente para nos três anos que faltam iniciar as reformas que estruturalmente o país tem de fazer”.

“O que eu sinto muito honestamente é alguma desarticulação, alguma falta de método, alguma falta de visão estratégica, mas que também tenho de constatar que não é apenas deste Governo“, sublinha, acrescentando que, através dos últimos executivos, o país não tem demonstrado “um posicionamento estratégico naquilo que o mundo hoje é”.

“Tenho a satisfação de dever cumprido”

António Saraiva, que há 13 anos lidera a CIP, passa a pasta a Armindo Monteiro com a convicção de dever cumprido para a partir deste mês distanciar-se mais da vida mediática e usufruir do tempo com qualidade de vida.

Na despedida da presidência da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, que foi ‘o patrão dos patrões’, aponta um “saldo francamente positivo” dos quatro mandatos e meio à frente da confederação.

“Tenho a satisfação de dever cumprido. É isso que me importa, independentemente da memória que possa manter naqueles que eventualmente me recordarão”, disse, quando questionado sobre o legado que deixa.

Sublinhando ter tido “mandatos muito ricos em acontecimentos, muito desafiantes”, admite “que daqui a algum tempo, recordando estes tempos, as dificuldades dos mesmos, possam associar a dificuldade dos tempos àquele que estava nessa altura na liderança da entidade”.

Se falarmos em número de associados, iniciei o meu mandato em 2010 — o primeiro mandato — tínhamos 62 associados. Termino este mandato com 140 associados. Isto prova que a CIP, independentemente de quem liderou ao longo destes 13 anos, teve a capacidade de entregar uma proposta de valor aos seus associados que, sendo reconhecida por aqueles que já cá estavam, foi igualmente atrativa para aqueles que foram chegando”, destaca.

Além destes dados, assinala “o papel da CIP na sociedade portuguesa”, com a “dimensão que ganhou”, considerando que “a dignificação dos empresários e a defesa da iniciativa privada foi afirmada”.

Ao sucessor caberá lidar com “os desafios da fase civilizacional” na qual nos encontramos, diz, o que inclui desafios externos como a transição climática, transição digital, novas formas de trabalho, mas também internas, que incluem gerar crescimento económico e avançar nas “três grandes reformas”: da administração pública, fiscal e da justiça.

Há um conjunto de desafios que a CIP, enquanto defensora da iniciativa privada, da dignificação dos empresários, tem de manter esse papel com aquilo que durante o meu mandato eu designei, aproveitando as três letras CIP: antecipar e participar”, enumera.

Num balanço de carreira são dois os momentos que teve “a felicidade” de ter que aponta como terem-lhe dado “espessura enquanto ser humano“: a Lisnave e a CIP.

António Saraiva iniciou a vida profissional na Lisnave, como operador fabril, e é precisamente a liderança da Comissão de Trabalhadores que destaca como um momento marcante: “Ter participado na salvação daquela empresa quando inevitavelmente ia fechar, com o trabalho que fiz no primeiro acordo social que se fez neste país, deu-me uma visão, um conhecimento a vários níveis que estou muito grato à vida ter-me permitido esse exercício de cargo”.

Depois disso, e com experiência em várias empresas, os 13 anos à frente da CIP permitiram-lhe “continuar a ajudar a salvar empresas”, mas também “o conhecimento” e os vários dossiês e acordos em que entrou.

Hoje sou um ser humano com um conhecimento e uma experiência de vida que se não tivesse tido estas duas experiências seguramente seria diferente”, refere.

Descartando retirar-se totalmente do ativo, até porque é atualmente presidente do Conselho de Administração do Taguspark, presidente da Compta, Infraestruturas e Segurança e consultor de várias empresas, aos 69 anos e depois de um problema grave de saúde, assume que as prioridades são agora outras e passam por uma agenda “mais leve”.

“Eu era imortal e a partir de 2012 ganhei consciência de que afinal sou mortal“, recorda, afirmando que foi esta consciência que o levou à convicção de ter “de viver aqueles [anos] que, em termos de vida útil e de qualidade de vida” tem, com “usufruto diferente”.

E o roteiro está traçado: “Quero aproveitar a vida, voltando a dedicar-me à atividade empresarial que tenho com mais tempo disponível para essa mesma atividade, à família, aos amigos, a tempo para mim, do meu lazer, da partilha dos meus netos, da partilha dos meus amigos, das tertúlias que tanto gosto, da leitura, dos filmes, das caminhadas, enfim, voltar a ser um cidadão anónimo se possível que era o que eu era antes de ser presidente da CIP e ter tranquilidade de viver o tempo, seja ele qual for que resta, de uma forma diferente, mas com esta espessura que a vida me permitiu ter”.

Texto de Ânia Ataíde, da agência Lusa