Afinal, a “depressão pós-Porto”, como tinha a capa do jornal Record a 12 de abril após a derrota do Benfica frente ao Inter na Luz na primeira mão dos quartos da Liga dos Campeões, durou mais uns dias do que se pensava. Mais em concreto, durou o suficiente para até a questão do título que parecia controlada tornar-se uma corrida em aberto depois de mais um desaire em Chaves. Ao todo, e em oito dias, os encarnados tiveram três insucessos consecutivos, marcaram apenas um golo (que até foi na própria baliza, de Diogo Costa) e iam agora a Milão evitar a pior série de sempre que aconteceu apenas duas vezes em 1940/41 e 1996/97. Que mensagem podia Roger Schmidt passar aos jogadores para desbravar o caminho para o “milagre”? Também aqui, a mesma publicação tentou ir mais longe e descodificou a palestra no Giuseppe Meazza.

Inter-Benfica. Encarnados procuram reviravolta em Milão para chegar às meias da Champions

Aproveitando uma rara palestra aberta em pleno relvado no período do treino de adaptação aberto a toda a comunicação social, o jornal recorreu a um especialista em leitura labial, Jeremy Freeman, para chegar às principais frases deixadas pelo alemão ao grupo. “Para melhorar é preciso jogar muito mas muito melhor. A partir de agora, o que espero de vocês é que estejam a alto nível, com padrões elevados. Temos de trabalhar e sofrer, temos de sofrer. É preciso motivação, comunicação e amizade para lá chegar”, apontou no discurso que chegou também à Liga com essa mensagem de que a equipa depende só de si para conquistar o título mesmo tendo perdido os dois últimos encontros que baixou a vantagem de dez para quatro pontos.

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Antes, o germânico tinha optado por outros caminhos na análise do jogo em conferência de imprensa, tendo esse ponto chave da importância de marcar o primeiro golo em Milão. “Se acredito na reviravolta? Sim, claro. Acredito sempre na minha equipa e no futebol tudo é possível. Estamos numa situação difícil, não é como se estivéssemos numa situação de 50-50. Quando o adversário ganha na nossa casa e depois ainda tem um jogo em casa, tem uma vantagem dupla sobre nós. Para nós, esta situação é muito clara. Temos de acreditar em nós mesmos. Olhando para a nossa época, se fazes tantos bons jogos contra equipas tão boas… Temos muitos bons argumentos para acreditarmos em nós. Se não tivermos confiança depois desta temporada, então será complicado termos confiança [no futuro]. Ainda é possível. É difícil, sim, mas ainda é possível”, frisou, sem descurar o pior momento da época que a equipa atravessava e também as férias dadas na paragem.

“Claro que é um momento difícil mas estamos quase em maio, estamos na Liga dos Campeões e ainda somos líderes na Liga. Claro que é um momento difícil mas também temos de ser realistas. O que os jogadores têm feito durante esta temporada tem sido fantástico. Até há dez dias só tínhamos perdido um jogo. Foi tudo fantástico e agora… Perdemos algum momentum. Perdemos três jogos consecutivos, quando antes só tínhamos perdido um em, sei lá, uns 40 jogos [45]. É um momento especial e inesperado. Temos de olhar em frente e aceitar”, apontou, numa espécie de prolongamento daquilo que tinham sido também as palavras de Rui Costa, presidente do clube, que na partida para a Itália assegurou um final de época “bom” das águias.

“Férias? Sim, teve impacto mas muito positivo nos jogadores, que tiveram algum descanso. Penso que o problema não foi os jogadores que tiveram algum descanso mas sim os jogadores que estiveram nas seleções nacionais. Esse foi o problema. O maior problema dos jogadores que estiveram nas seleções é que alguns não jogaram, então estiveram dez ou 12 dias fora, com muitas viagens, quase sem treinarem. Para estes jogadores é difícil manter o ritmo e a forma. Agora é o momento de darmos a volta a isso. Já tivemos treinos e jogos suficientes para darmos a volta a esta situação e voltarmos ao nosso melhor, cabe aos jogadores mostrarem-no em campo. Não queremos usar essa desculpa. A equipa e os jogadores são muito ambiciosos. O que esperamos dos jogadores é que estejam no seu máximo em termos de desempenho e qualidade. Foi isso que nos faltou nos últimos jogos”, acrescentou ainda sobre uma das críticas que tem vindo a ser feita.

No túnel de acesso ao relvado antes dos habituais exercícios de aquecimento, o regressado Otamendi dava o mote para os companheiros. “É um jogo importante, o jogo de uma vida. Vamos sentir, vamos acreditar. Todos unidos, todo o mundo a correr, comprometidos. É agora!”, dizia. No jogo, nem sempre foi assim a começar pelo próprio, com uma série de erros pouco comuns sobretudo num duelo desta dimensão. A entrada foi apática, a reação ainda permitiu sonhar, os dez minutos entre um penálti não assinalado sobre Aursnes e o 2-1 de Lautaro Martínez definiram de vez o encontro de uma eliminatória que foi perdida na Luz. Os golos tardios de António Silva e Musa ainda evitaram a quarta derrota consecutiva mas uma campanha com apenas uma derrota em 14 partidas da Champions deixou a sensação de que podia ser mais longa.

Ficha de jogo

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Inter-Benfica, 3-3

2.ª mão dos quartos da Liga dos Campeões

Estádio Giuseppe Meazza, em Milão

Árbitro: Carlos del Cerro Grande (Espanha)

Inter: Onana; Darmian; Acerbi, Bastoni (D’Ambrosio, 80′); Dumfries, Barella (Çalhanoglu, 76′), Brozovic, Mkhitaryan, Dimarco (Gosens, 80′); Dzeko (Lukaku, 76′) e Lautaro Martínez (Correa, 76′)

Suplentes não utilizados: Handanovic, Cordaz, Gagliardini, De Vrij, Bellanova, Asllani e Carboni

Treinador: Simone Inzaghi

Benfica: Vlachodimos; Gilberto (David Neres, 46′), António Silva, Otamendi, Grimaldo; Florentino Luís, Chiquinho (João Neves, 80′); João Mário (Schjelderup, 89′), Rafa (Musa, 80′), Aursnes e Gonçalo Ramos (Gonçalo Guedes, 74′)

Suplentes não utilizados: Samuel Soares, André Gomes, Lucas Veríssimo, Morato, Ristic, Cher Ndour e Tengstedt

Treinador: Roger Schmidt

Golos: Barella (14′), Aursnes (38′), Lautaro Martínez (65′), Correa (78′), António Silva (86′) e Musa (90+5′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Rafa (54′), Musa (81′) e David Neres (90+5′)

O encontro não começou propriamente com uma pressão incessante do Benfica sem bola, em consonância com a mensagem que vinha também do onze inicial. Houve algumas movimentações que faltaram na Luz, como um apoio frontal de Gonçalo Ramos que ao descer permitiu que Rafa recebesse de frente para a baliza e arrancasse antes de perder a jogada, mas também se viu logo nesse minuto como o Inter procurava sempre que podia essas transições com o passe de Lautaro Martínez a sair ligeiramente adiantado ou poderia isolar Dimarco (7′). Assim, aquilo que havia era sobretudo uma equipa encarnada mais compacta, mais junta, mais próxima para dar linha de passe com bola ou sair na entreajuda sem ela. Quando isso não aconteceu, e após uma série de erros individuais, o Inter colocou-se na frente: Dzeko ganhou pelo ar e em força a Otamendi, Grimaldo teve um carrinho falhado e Barella combinou com Lautaro Martínez para o 1-0 (14′).

Logo no minuto seguinte, um cruzamento aparentemente fácil saiu das mãos de Vlachodimos e com outros jogadores por ali poderia trazer mais problemas. O Benfica acusou durante alguns minutos essa desvantagem no encontro antes de começar a agarrar mais na bola e a ser mais fiel aos seus princípios de jogo como se viu num passe de morte de Gonçalo Ramos para a diagonal de João Mário na área onde Dimarco conseguiu ser mais rápido (24′). Faltava aquilo que tinha falhado na Luz: tirar os transalpinos da sua zona de conforto sem bola, desposicionar os centrais, tirar os médios da equação, explorar os espaços entre lateral e central que na primeira mão se tinham mostrado tudo menos um beco sem saída. No entanto, e até pouco depois da meia hora, o único remate foi mesmo um livre direto de Grimaldo a 25 metros para defesa de Onana (31′).

Não foi propriamente o lance de maior perigo mas serviu para dar o mote a um Benfica que ainda apanhou um susto num lance em que Lautaro Martínez marcou de cabeça após cruzamento de Dzeko na direita mas o árbitro invalidou por falta do argentino nas costas de Gilberto (33′). Pouco depois, o golo do empate: grande jogada coletiva pela direita com Rafa a cair no espaço que tinha ficado sem ninguém depois de Dimarco sair em Gilberto, a cruzar tenso para a área e Aursnes a desviar de cabeça num grande gesto técnico para o seu primeiro golo na Champions (38′). Apesar de o intervalo ter chegado com tudo na mesma a nível de contas da eliminatória, o Benfica estava melhor e mais desenvolto em termos ofensivos, Rafa aparecia mais no jogo e havia ainda esperança entre os adeptos encarnados numa reviravolta durante a segunda parte.

A versão Roger Schmidt conservador deu lugar ao Roger Schmidt inovador ao intervalo, com a aposta logo no reatamento em David Neres para dar outra largura na direita do ataque e a saída de Gilberto para a colocação de Aursnes como falso lateral direito que muitas vezes era mais um médio descaído sobre a direita – e a ideia era exatamente aproveitar ainda mais o “buraco” que Dimarco abria sem que Bastoni caísse no tempo certo para fazer a compensação. Nem sempre o “ouro” esteve ali mas, apesar de um remate inicial de Lautaro que saiu perto do poste da baliza de Vlachodimos (47′), foi o Benfica que assumiu o jogo ligando melhor entre setores, tendo outra capacidade de entrar no último terço e remetendo o Inter apenas ao seu meio-campo com 74% de posse. No entanto, o único lance de perigo foi um cabeceamento de Dzeko ao lado (61′).

O que faltava? Criar oportunidades. Foi aí que o Benfica pecou nesse período, sendo que houve nessa fase um lance muito polémico na área do Inter entre Lautaro Martínez e Aursnes que se tivesse sido assinalado iria mudar por completo toda a eliminatória. Mesmo com VAR, passou. E o Inter foi ganhando cada vez mais confiança com bola, circulou de outra forma, tomou conta do jogo e matou por completo as aspirações dos encarnados pelo lado que os encarnados pensavam explorar, com Mkhitaryan e Dimarco a combinarem de primeira antes do cruzamento para Lautaro Martínez marcar na pequena área (65′). A partir daí houve muito mas já com a sensação de tudo decidido: Correa entrou para marcar na primeira vez que tocou na bola em mais um lance em que Otamendi ficou mal na fotografia (78′) e o máximo que a formação nacional conseguiu foi empatar na sequência de dois golos que nasceram de bolas paradas por António Silva (86′) e Musa (90+5′) já depois de David Neres ter acertado no poste após um erro na saída dos italianos (82′).