Nápoles ainda em festa, Nápoles foi uma festa. Contra todas as expetativas iniciais, a Volta a Itália teve bem mais obstáculos e dificuldades nos primeiros dias do que era inicialmente suposto na teoria. Olhando para a classificação geral, é certo que apenas em dois momentos houve mexidas por esses problemas, quando Tao Geoghegan Hart perdeu cerca de 20 segundos ao ficar preso num corte no pelotão após queda na segunda etapa e quando Jay Vine ou Rigobert Uran também ficaram em terreno proibido na tirada com chegada a Salerno que valeu a descida de uns quantos lugares. No entanto, esses seis dias iniciais deixaram mossa em quase tudo e todos, com uma “fatura” que seria agora conhecida na chegada ao Gran Sasso, o imponente maciço na Itália central que teria a primeira chegada a subir com primeiras categorias deste ano.

Um dia em Nápoles onde quase todos fizeram a festa: Perdersen ganha ao sprint, Almeida continua em quarto no Giro

Existiam vários exemplos nesse capítulo. Logo à cabeça Remco Evenepoel, que na tirada que foi concluída em Salerno caiu duas vezes ficando com algumas marcas da queda, Primoz Roglic ou o próprio João Almeida, que nas imagens da transmissão da terceira etapa parecia ter evitado a queda colocando a tempo os pés no chão para minimizar danos mas que acabou mesmo por ir ao asfalto, ficando “um pouco amassado”. Nas duas etapas seguintes, entre um susto numa descida onde ficou no corte antes de contar com o apoio da sua equipa para voltar a colar (e as primeiras indicações da UAE Team Emirates na ajuda ao português tinham sido muito positivos), o português não acusou em nada esse momento mas agora seria o verdadeiro teste.

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“É o verdadeiro teste aos candidatos da geral. É uma subida muito longa até ao final. Não é a mais difícil da corrida mas vai ser um dia longo, com frio em altitude no final, por isso de certeza que vai ser duro. Vamos descobrir como estão as pernas depois da queda do outro dia mas espero que tudo fique bem”, comentara João Almeida depois da etapa de Nápoles, que manteve o top 10 inalterável com as mesmas distâncias e o português na quarta posição a um minuto do camisola rosa Andreas Leknessund. E como se não bastassem aquelas movimentações da Ineos na sexta etapa que pareciam indiciar um dia ao ataque para colocar mais na frente Geraint Thomas e/ou Tao Geoghegan Hart, Remco quis “picar” Roglic antes da tirada.

João estava “amassado”, apanhou outro susto mas salvou o dia: Leknessund fica com rosa, português desce a 4.º com o tempo de Remco e Roglic

“Tenho a sensação de que o Roglic está nervoso. Sabe que está a 44 segundos de mim. Eles estão nervosos no pelotão, puxam imenso. É esse o estilo da Jumbo. Vamos ver se me consegue acompanhar. Depois do contrarrelógio e da etapa de anteontem [quarta], acho que sou o ciclista mais forte. De momento este é o cenário ideal para nós. Na Catalunha estava atrás, agora estou à frente. Para nós não há stress algum, para eles acho que sim”, referiu à Eurosport France. A etapa já tinha todos os ingredientes para ser mais um grande dia de ciclismo com mais ataques do que é normal por haver a ascensão de 40 quilómetros de Capua ao Gran Sasso, particularmente complicada nos derradeiros seis quilómetros. Remco “apimentou-a” mais.

A fuga inicial que contou desta vez com quatro corredores (Davide Bais, Henok Mulubrhan, Simone Petilli e Karel Vacek) não demorou a chegar aos quatro e depois aos mais de seis minutos de vantagem mas aquilo que no início mais preocupava o pelotão era mesmo a chuva, com vários elementos a colocarem a roupa de chuva e de frio como se fosse inverno. O avanço chegou mesmo aos dez minutos mas, mais uma vez, aquilo que parecia ser mais relevante era mesmo a questão do tempo, com a chuva a parar e a estrada a ficar menos molhada. Nas imagens, a transmissão focava-se em João Almeida, que levantava o polegar da mão esquerda em sinal de confiança para um dia complicado. Até mesmo quando a diferença baixou para nove minutos a 127 quilómetros do final havia um novo líder virtual, Simone Petilli. Mas seria uma questão de tempo.

A própria passagem por Roccaraso, quando se tinha dobrado a metade da etapa e Henok Mulubrhan estava a descolar dos restantes três fugitivos, trazia boas sensações para as aspirações nacionais depois da vitória de Rúben Guerreiro no Giro de 2020 quando João Almeida tinha a camisola rosa. Antes, a 100 quilómetros do final, a fuga já levava mais de 12 minutos de avanço aproveitando as descidas para ganhar tempo enquanto o pelotão continuava calmamente a um ritmo que já começava a permitir que Davide Bais, Simone Petilli e Karel Vacek sonhassem com algo mais. Tempo para ouvir os corredores em entrevistas gravadas antes do início da corrida, com João Almeida a mostrar-se satisfeito por andar fora dos radares e a dizer que se quer manter assim ao mesmo tempo que colocou toda a “pressão” na dupla favorita Remco-Roglic.

A 50 quilómetros do final, com a diferença do pelotão para os fugitivos a rondar pouco mais de dez minutos, já se apontavam baterias para a subida. E as notícias que vinham lá do alto não eram famosas: se na passagem por Roccaraso estavam apenas sete graus, a temperatura iria no topo baixar até aos dois, sendo que havia queda de granizo naquela última fase mais dura da tirada. Vontade não faltava: bastou aumentar ligeiramente o ritmo com os principais protagonistas a virem para a frente numa zona de estrada estreita para se notarem as diferenças no pelotão e na distância para os fugitivos. Estava a começar mais a sério a história desta etapa, sendo que as promessas ficaram por aí porque apesar de um contexto que poderia ser favorável para partir o grupo e tirar “escudeiros” aos favoritos, ninguém atacou e imperou o receio.

Começavam a ver-se no horizonte as nuvens negras que não traziam boas notícias para a chegada, sendo que essas condições mais complicadas podiam ter também explicação para uma maior poupança do pelotão na etapa, deixando que a fuga continuasse com mais de oito minutos de avanço a 25 quilómetros da meta. O que estava a mexer era mesmo a pontuação da montanha, com Davide Bais a ficar a dez pontos do candidato número 1 à camisola azul, Thibaut Pinot, sendo que nos últimos cinco quilómetros ficou “decidido” que a vitória seria mesmo um prémio para um dos três fugitivos perante a distância superior a seis minutos que seria impossível de recuperar. Também aí, a corrida começou a mexer na frente enquanto no pelotão era a UAE Team Emirates de João Almeida que se juntava à Soudal Quick-Step para liderar o grupo.

Quando Davide Bais e Simone Petilli aceleravam um pouco na frente, Karel Vacek parecia descolar mas nem por isso o checo desistia, chegando mesmo a passar para a liderança na fase em que a pendente era bem mais acentuada e confirmando que não haveria bonificações em sobra para quem liderasse o pelotão. A chegada ia ser mesmo ao sprint, com Davide Bais a bater Vacek e Petilli, que quebrou muito nos últimos metros. Pouco mais de três minutos depois, o pelotão entrou com Remco, Roglic e Almeida a passarem juntos, ainda que com o belga a querer seguir à frente do esloveno quase que a deixar uma mensagem para o que aí vem. O português foi oitavo na etapa, com Thibaut Pinot e Thomas Champion a ficarem em sexto e em sétimo.

Assim, e em relação à classificação geral, tudo se manteve na mesma nos primeiros lugares mas não no top 10: Andreas Leknessund lidera com 28 segundos a menos do que Remco Evenepoel e 30 do que Aurélien Paret-Peintre. Seguem-se João Almeida (1.00), Primoz Roglic (1.12), Geraint Thomas (1.26), Aleksandr Vlasov (1.26), Tao Geoghegan Hart (1.30), Lennard Kämna (1.54) e Damiano Caruso (1.59). Este sábado, a oitava etapa entre Terni e Fossombrone na distância de mais de 200 quilómetros, volta a ter montanha antes de um muito aguardado contrarrelógio de 35 quilómetros entre Savignano sul Rubicone e Cesena (domingo).