Nasceu torto, tarde ou nunca se endireitou. A temporada de 2007/08, que começou com a saída do treinador Fernando Santos e o regresso de José António Camacho, não deixou propriamente as melhores recordações ao Benfica, que terminou na quarta posição do Campeonato, caiu na fase de grupos da Champions e perdeu a possibilidade de discutir a Taça de Portugal com uma derrota por 5-3 nas meias em Alvalade. No entanto, e para Rui Costa, foi uma época que não mais esqueceu. Porque foi a última como jogador, porque teve ainda a oportunidade de ser treinado pelo ídolo Fernando Chalana no final da campanha, porque acabou com uma homenagem aos 86′ de uma vitória por 3-0 frente ao V. Setúbal que começou com uma assistência do ’10’. Foi também aí que conheceu Ángel Di María, numa história que tem agora condições de ser retomada.

O argentino foi contratado em 2007 ao Rosario Central por seis milhões de euros (80% do passe, sendo que a restante percentagem foi mais tarde assegurada por mais dois milhões) e chegou com uma pesada “herança” de substituir – ainda que não de forma direta, pelas características diferentes de jogo – Simão Sabrosa, até aí capitão dos encarnados que tinha saído para o Atl. Madrid depois de vários e longos namoros com clubes da Premier League como o Liverpool que nunca deram casamento (num dos capítulos chegou mesmo a estar perto de embarcar em Lisboa para ir fazer exames médicos mas voltou para trás). Rui Costa, um dos nomes mais experientes do balneário, via no esquerdino um talento fora do comum mesmo que não tenha mostrado isso na sua plenitude na primeira época. Em 2009/10, época de afirmação, foi vendido. Ficou a amizade.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quando deixou de jogar, Rui Costa assumiu o papel de diretor desportivo do Benfica e teve nas duas janelas de mercado que se seguiram uma posição muito ativa na construção de um plantel que juntaria Pablo Aimar, Ramires, Javi Garcia e Javier Saviola a Óscar Cardozo, Di María, Luisão, Fábio Coentrão ou Rúben Amorim, entre outros, no comando de Jorge Jesus. De forma inevitável, a equipa que se sagrou campeã e que chegou aos quartos da Liga Europa sofreu algumas baixas para a época seguinte, com o argentino a ser vendido por 25 milhões de euros fixos mais 11 por objetivos (quase todos cumpridos) ao Real Madrid. Agora, 13 anos depois, o esquerdino que se sagrou campeão mundial no Qatar em dezembro está perto de voltar à Luz.

Di María. O jogador que mais dinheiro movimentou em transferências no futebol

Desde que assumiu a presidência dos encarnados, e numa ideia que já tinha sido colocada pelo próprio na SAD do Benfica quando Luís Filipe Vieira liderava o clube, Rui Costa tem olhado sempre com atenção para possíveis regressos à Luz não só de jogadores formados no Seixal mas também de antigas referências que tenham deixado marca nos adeptos. Porquê? Para o dirigente, antigo jogador e capitão com passagem por todos os escalões de formação, as águias têm hoje uma estrutura, um modelo desportivo e uma projeção que permite oferecer condições (financeiras e não só) que antes seriam impossíveis de existir. Foi nesse sentido que Gonçalo Guedes chegou por empréstimo do Wolves num acordo que será arlargado por mais uma época. Foi assim que as condições de outros nomes como Renato Sanches foram sondadas. É assim que Ángel Di María pode ser confirmado como terceiro reforço depois de Orkun Kökçu e Gonçalo Guedes.

Há vários pontos de contacto nas negociações entre ambas as partes. A ligação entre o jogador e Rui Costa, que nunca se perdeu com o tempo. Os anos felizes que Di María passou em Lisboa, cidade que a família gosta e onde deixou várias amizades ao longo dos três anos da primeira passagem. A presença no plantel de Nico Otamendi, central que renovou contrato por mais duas temporadas e que é dos elementos mais próximos do esquerdino até na própria seleção argentina. A possibilidade de continuar na Europa. A hipótese de fazer apenas um ano de contrato, uma exceção que o Benfica admitiria para garantir o jogador. O que falta então? Encontrar um modelo que permita mitigar o mais possível a diferença financeira para outras ofertas.

O jogador de 35 anos, que tem como objetivo final de carreira terminar no clube onde começou (o Rosario Central), terminou contrato com a Juventus, não chegou a acordo para renovar numa ligação onde não havia particular interesse de ninguém em prolongar o vínculo e foi recebendo várias abordagens para prosseguir a carreira. Da Turquia, via campeão Galatasaray. Da Arábia Saudita. Do Qatar. Dos EUA. Do próprio Barça, quando ainda tentava convencer Lionel Messi a voltar a Camp Nou. Ainda assim, e olhando pela vertente desportiva, Di María colocou o Benfica à frente nas negociações pela hipótese de ficar numa liga competitiva da Europa e jogar a Champions onde os encarnados chegaram nas últimas épocas aos quartos.

Agora, segue-se talvez a parte mais difícil para um acordo válido apenas para 2023/24: o salário, que será sempre inferior a outros que poderiam ser praticados noutras ligas não europeias. Aliás, o facto de Rui Costa falar apenas numa temporada de vínculo entronca exatamente na possibilidade de haver ainda margem para poder assinar um último contrato milionário no verão de 2024 aos 36. Caso esse obstáculo seja superado, seja com um vencimento acima do atual teto, um prémio de assinatura que permita baixar o salário mensal ou outro mecanismo como a cedência de uma percentagem dos direitos de imagem, Ángel Di María pode mesmo regressar ao Benfica na próxima temporada para reforçar o plantel de Roger Schmidt.

Di Maria emociona-se após golo na final do Mundial do Qatar

O Fideo (esparguete), alcunha que ganhou ainda nos tempos da Argentina, saiu da Luz em 2010 com um Campeonato e duas Taças da Liga, tendo estado depois quatro anos no Real Madrid com uma Champions, uma Liga, uma Supertaça Europeia, duas Taças e uma Supertaça de Espanha. Seguiu-se uma passagem pouco conseguida por Inglaterra, com a época de 2014/15 ao serviço do Manchester United, antes de rumar a França onde representou o PSG durante sete temporadas com cinco Campeonatos, cinco Taças, quatro Taças da Liga e quatro Supertaças. Na última temporada, Di María jogou na Juventus mas o único título que venceu foi mesmo pela seleção, sagrando-se campeão mundial pela Argentina já depois de ter ganho antes um Campeonato do Mundo Sub-20 (2007) e uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos (2008).