O juiz conselheiro Pires da Graça garante que o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), organismo que fiscaliza o cumprimento das regras do Regime Geral da Prevenção de Corrupção que se aplica a cerca de 8 mil empresas e demais organismos públicos, “continua em fase de instalação” e sem plataforma informática para comunicar com as entidades abrangidas na fiscalização das empresas. O que contraria a garantia que o Ministério da Justiça deu a 6 de junho de 2023.

Corrupção. “MENAC não recebe ordens do Governo”

Contactada pelo Observador, fonte oficial do Ministério da Justiça garante que o Governo tem apoiado o MENAC e que, além da dotação orçamental inicial de 2,1 milhões de euros para 2023, irá ter ainda mais 996 mil euros de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), para investir no “desenvolvimento do sistema de informação de monitorização da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção”.

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A mesma fonte oficial diz ainda que se “aguarda que o MENAC cumpra os formalismos necessários para a celebração do contrato com aquele valor. Estando a plataforma concluída e identificando-se a conformidade, o Ministério da justiça garantirá as interoperabilidades com os sistemas por si geridos”, assegura o Ministério liderado por Catarina Sarmento e Castro.

“Há muita morosidade” do Ministério da Justiça, diz presidente do MENAC

Em declarações ao programa “Justiça Cega” da Rádio Observador a propósito do primeiro mês de entrada em vigor das regras do Regime Geral de Prevenção de Corrupção, o presidente do MENAC faz um “balanço um pouco mau” porque, diz, verificam-se problemas de ordem técnica. A questão da informatização está dependente do IGFEJ [Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos] e há muita morosidade. “O secretário-geral do MENAC tem feito diligências e estamos na fase em que vamos selecionar uma empresa para desenhar, estruturar e instalar a plataforma”, explicou.

Ao que o Observador apurou, a “questão da informatização” não se resume apenas à plataforma informática necessária para comunicar com as mais de 8.000 entidades abrangidas do setor privado, além das entidades públicas que já estavam abrangidas pelas anteriores que as obrigavam a enviar comunicações para o extinto Conselho de Prevenção de Corrupção. Está igualmente em causa não só o site institucional, como também ferramentas informáticas de gestão interna do MENAC.

Autoridade que vai fiscalizar prevenção da corrupção ainda não saiu do papel

Por outro lado, o organismo também tem sentido dificuldades em atrair funcionários públicos para completar o seu quadro de pessoal aprovado pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério das Finanças — que destinou 2,1 milhões de euros de dotação orçamental em 2022 para o organismo.

Recorde-se que o Ministério da Justiça afirmou em comunicado oficial conhecido a 7 de junho, dia da entrada em vigor do Regime Prevenção Geral da Corrupção, que o “processo de instalação” do MENAC estava concluído, “com vista à criação das condições materiais necessárias ao início da sua atividade e à sua entrada em funcionamento”. 

Mais: a publicação da portaria n.º 155-B/2023 a 6 de junho por parte dos ministérios das Finanças e da Justiça declarou a “instalação” do MENAC como “definitiva”.

Ainda esta quarta-feira, o Ministério da Justiça referiu-se em comunicado “à completa operacionalização do MENAC” no contexto de um comunicado sobre os “elogios” a Portugal no “Relatório sobre o Estado de Direito na União 2023” da Comissão Europeia.

Refere o comunicado do Ministério da Justiça que o relatório “faz referência à perceção de um nível relativamente baixo de corrupção no sector público, tal como é referido por peritos e responsáveis empresariais, sendo esperado que a completa operacionalização do MENAC permita o sucesso da implementação da Estratégia Nacional Anticorrupção”.

A vida atribulada do MENAC

O MENAC tem tido uma vida atribulada. Tendo origem na Estratégia Nacional Anticorrupção, aprovada em 2021, deveria ter sido criada em tempo útil, de forma a que já estivesse instalada no dia da entrada em vigor do decreto-lei que criou do ponto de vista jurídico o próprio MENAC. Tal como o Observador noticiou então em exclusivo, tal não aconteceu.

Principais órgãos do Estado e mais de oito mil empresas passam a ter canais de denúncia — e são obrigadas a proteger denunciantes

De facto, o decreto-lei que aprovou o MENAC foi publicado no início de 2022, entrando em vigor a 7 de junho de 2022. Mas nesta data o MENAC ainda não tinha saído do papel.

Pior: o Regulamento Geral de Prevenção da Corrupção, que obriga as cerca de 8.000 empresas e organismos públicos a criar canais de denúncias, entrou em vigor a 18 de junho de 2022 sem que o MENAC tivesse qualquer existência física.

O Conselho de Ministros, por indicação da procuradora-geral da República e do presidente do Tribunal de Contas, nomeou Pires da Graça como presidente do MENAC a 23 de junho e deu o prazo máximo de um ano para o organismo entrar em funções.

O MENAC começou a trabalhar a 7 de novembro de 2022, mas de forma muito tímida. Chegou a lançar uma campanha de sensibilização da opinião pública em dezembro que provocou uma polémica com os sindicatos da função pública e pouco mais fez.

Mesmo depois da entrada em vigor da parte sancionatória do Regime Geral de Prevenção da Corrupção a 7 de junho de 2023, a instalação da instituição ainda não está concluída, garante Pires da Graça.

Ministério da Justiça explica apoio que tem dado ao MENAC

Além da explicação sobre o atraso relacionado com a plataforma tecnológica, fonte oficial do Ministério da Justiça fez questão de explicar os apoios que tem dado à instalação do MENAC, enfatizando que se trata de uma “entidade administrativa independente (…) dotada de absoluta autonomia administrativa e financeira”.

“O Ministério da Justiça cedeu instalações para a sede do MENAC [localizada nas Escadinhas de São Crispim, na baixa de Lisboa], cujas obras ficaram concluídas em novembro de 2022 e os trabalhos de configuração dos postos de trabalho foram finalizados em 2023”, tendo para este ano uma “dotação orçamental superior a 2 milhões de euros”, assegura a mesma fonte.

Em março deste ano, continua a mesma fonte, o Ministério liderado por Catarina Sarmento e Castro “diligenciou junto do MENAC e da Estrutura de Missão Recuperar Portugal (EMRP) a disponibilização de 996 mil euros do PRR para o desenvolvimento do sistema de informação de monitorização da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção”.

Sendo certo que, “neste momento, aguarda-se que o MENAC cumpra os formalismos necessários junto da EMRP para a celebração do contrato com aquele valor”. “Estando a plataforma concluída e identificando-se a conformidade, o Ministério da justiça garantirá as interoperabilidades com os sistemas por si geridos”, conclui fonte oficial.