O advogado de alguns dos assistentes do processo Hells Angels considerou, nesta quinta-feira, que o tribunal de julgamento mostrou um “cartão vermelho” aos membros daquele grupo motard acusados de associação criminosa.

José Manuel Castro, advogado de Mário Machado — ex-líder de um grupo de extrema-direita e membro de um grupo motard perseguido pelos Hells Angels — disse a jornalistas que, ao condenar nesta quinta-feira 86 dos 87 arguidos do processo, o tribunal de Loures quis dar “uma mensagem clara” aos grupos motards de que “têm de funcionar dentro da linha” sob pena de serem “condenados por associação criminosa”.

O tribunal, presidido pela juíza Sara Pina Cabral, condenou 86 dos 87 arguidos do processo Hells Angels a penas que variam entre um ano e nove meses, suspensa na execução, e 15 anos e meio. Apenas um dos 87 arguidos foi absolvido, tendo os restantes sido condenados por diferentes crimes, sendo que a maioria foi punida com penas únicas na ordem dos 12 anos.

Segundo o advogado, o tribunal exibiu um “forte cartão vermelho” aos arguidos, tanto mais que os atos em julgamento resultaram de uma “ação inédita” de 89 membros dos Hells Angels que organizaram e planearam uma “expedição punitiva” contra o grupo motard rival liderado por Mário Machado — conhecido por Bandidos.

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José Manuel Castro lembrou que o julgamento foi “longo”, durou dois anos, não por negligência do tribunal, mas devido à “complexidade da matéria“, e que as penas condenatórias aplicadas foram “aquelas que se esperavam” face aos factos apurados.

A maioria dos arguidos foi condenada pelos crimes de associação criminosa e homicídio qualificado na forma tentada, mas registaram-se também condenações pelos crimes de extorsão, roubo, ofensa à integridade física qualificada, tráfico e/ou consumo de droga, crime de dano e posse de arma proibida.

O coletivo de juízes considerou que ficaram preenchidos os “elementos típicos” do crime de associação criminosa, sublinhando que o grupo Hells Angels “tem uma estrutura perfeitamente definida, que utiliza a força e a violência para impor regras de domínio territorial que se traduzem na prática de atividades criminosas”.

O tribunal entendeu que ficou “perfeitamente cristalino” que esta atuação dos Hells Angels por via da imposição da força e obedecendo a regras internas do grupo configurou o crime de associação criminosa.

Da acusação constava o ataque cometido em 2018 pelo grupo Hells Angels, no restaurante Mesa do Prior, em Prior Velho, inserida na perseguição movida a Mário Machado, ex-líder do movimento de extrema-direita Nova Ordem Social e que pertencia ao grupo motard rival Bandidos.

De acordo com a acusação, os arguidos e membros dos Hells Angels elaboraram um plano para aniquilar o grupo rival “Bandidos”, em março de 2018, com recurso à força física e a várias armas, incluindo facas, para lhes causar graves ferimentos, “se necessário até a morte”.

O tribunal realçou que no ataque dos Hells Angels os ofendidos foram feridos de “forma brutal” e que só não morreram porque foram assistidos atempadamente.

Destas agressões resultou a condenação por homicídio qualificado na forma tentada da esmagadora maioria dos arguidos nesta quinta-feira pelo tribunal de julgamento.

Relativamente à indemnização cível por danos patrimoniais e não patrimoniais pedida pelos ofendidos, o tribunal condenou nesta quinta-feira solidariamente os arguidos implicados nas agressões a pagar 10 mil euros a Mário Machado, 20 mil euros a Rui Dias (gravemente ferido) e 9.470 euros a Paulo Rodrigues, proprietário do restaurante “Mesa do Prior”.

À saída do tribunal, o advogado Aníbal Pinto, que representa alguns dos arguidos condenados, disse “discordar” das condenações, criticando que o tribunal tenha baseado algumas das suas decisões sobre os Hells Angels em factos e informações obtidas no estrangeiro e até na Netflix.

Disse ainda esperar que o tribunal conceda um “prazo suplementar” para que as defesas possam recorrer das condenações para o Tribunal da Relação.