Uma das dificuldades enfrentadas no tratamento de doentes com demência é que, quando finalmente se diagnostica a doença, esta já está em estado avançado e os tratamentos de pouco ou nada servem. Conseguir identificar as pessoas em risco décadas antes da doença estar completamente estabelecida seria uma mudança incrível. Foi essa a proposta que a equipa de Keenan A. Walker, investigador Instituto Nacional de Envelhecimento (dos Institutos Nacionais de Saúde norte-americanos), apresentou no artigo publicado na revista científica Science Translational Medicine.

Novo medicamento contra o Alzheimer pode reduzir progressão da doença em 35%

Os investigadores analisaram 4.877 proteínas presentes no plasma (a parte líquida do sangue, sem os glóbulos vermelhos) de 10.981 adultos norte-americanos de meia idade (entre os 45 e os 65 anos) para tentarem identificar se existia uma ou várias proteínas que pudessem ajudar a prever o risco de demência nos 25 anos seguintes. A equipa encontrou 32 proteínas como potenciais candidatas, nos 1.874 adultos que desenvolveram demência. Depois, a equipa analisou se estas proteínas já estavam associadas a problemas neurocognitivos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As proteínas beta-amiloide e tau são já conhecidas pelas acumulação no cérebro e danos causados nos neurónios, que levam à doença de Alzheimer, a causa mais comum de demência. Entre as proteínas agora identificadas, 12 apareciam no fluído cerebroespinal (entre o cérebro e o ossos do crânio) associadas à doença de Alzheimer, à neurodegeneração e à neuroinflamação e oito já tinham sido encontradas em quantidades anormais no tecido cerebral de pessoas que tinham morrido com Alzheimer.

No entanto, algumas das proteínas que parecem estar fortemente associadas ao risco de demência nem sequer estão presentes no cérebro, o que sugere que é preciso olhar para outros processos biológicos. Aliás, os autores do artigo referem mesmo que há já outros estudos que avançam que uma doença sistémica (que afeta o organismo como um todo) pode influenciar o risco de desenvolver demência por causa do Alzheimer ou outras causas.

A proteína GDF15, envolvida no metabolismo e na regulação do sistema imunitário, por exemplo, não aparece no cérebro e é a que apresenta a associação mais forte ao risco de demência. A presença desta proteína em elevadas concentrações já foi associada ao declínio cognitivo e neuroinflamação, que podem ser caminhos para o desenvolvimento de demência.

Demência atingirá 153 milhões de pessoas no mundo em 2050. Em Portugal serão 351.504

Estas proteínas associadas ao risco de demência têm como principais funções imunidade, eliminação de proteínas defeituosas (proteostase), comunicação entre neurónios ou organização da matriz que envolve as células. Se a quantidade em que estão presentes estiver alterada e houver uma desregulação da resposta imunitária e da proteostase nos adultos de meia idade, isso poderá ajudar a prever o risco de demência com 20 anos de avanço. Se, por outro lado, for identificada uma coagulação anormal, isso pode indicar o risco de demência em 10 anos.

Os autores do estudo reconhecem as limitações do estudo, nomeadamente só terem estudado norte-americanos negros e brancos, tornando-se impossível extrapolar os resultados para outras etnias. Por outro lado, esta é ainda uma investigação inicial e serão precisas mais experiências para validar o uso das proteínas como biomarcadores — neste caso, sinais que ajudem a prever o risco de demência —, de forma a poderem terem um uso na prática clínica.

Dieta mediterrânica pode reduzir em 23% o risco de demência, diz novo estudo

Um estudo publicado no início deste ano estimava que, em 2050, 153 milhões de pessoas em todo o mundo teriam demência, quase o triplo do estimado para 2019 (57 milhões). Em Portugal, estima-se que o número de pessoas com demência passe de 200 mil, em 2019, para 352 mil, em 2050. A dieta mediterrânica e um estilo de vida saudável podem ajudar a diminuir o risco de desenvolver demência.