Centenas de polícias em França estão nestes dias a fazer apenas o mínimo – desviam o olhar a pequenos delitos, conduzem sem destino ou ficam só sentados na esquadra. A recomendação é dos sindicatos: a única coisa que devem cumprir com rigor é mesmo a resposta a chamadas de emergência.

É uma revolta à escala nacional, conta a imprensa francesa, em resposta à detenção de um polícia de Marselha por ter espancado um jovem durante os protestos em França, no início do mês. Os sindicatos consideram que o agente deveria ter sido libertado, ficando apenas em prisão domiciliária até ao julgamento. Uma vez que os polícias não podem fazer greve, esta foi a forma encontrada pelos sindicatos para expressarem o seu descontentamento.

As faltas por doença têm sido outra das estratégias dos agentes que contestam esta decisão: só em Marselha há 600 agentes que já recorreram a esta prática.

O agente detido, que pertence a uma brigada anti-crime, é um dos quatro polícias acusados de agredir violentamente Hedi, um jovem de 22 anos, durante um protesto em Marselha pela morte de Nahel, jovem de 17 anos, às mãos da polícia.

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Hedi ficou em coma depois de ter sido atingido por uma bala de borracha (disparada por uma arma LBD) e de ser espancado. Os médicos tiveram de lhe retirar uma parte do crânio para o salvar, deixando-o com a cabeça deformada. A agressão ao jovem foi captada pelas câmaras de videovigilância da cidade.

No final da semana passada Hedi contou como tudo se passou num vídeo publicado pela Konbini News, referindo que não fazia parte dos protestos, passava pela polícia com um amigo no centro de Marselha, quando se cruzaram com um grupo de polícias que o agrediu.

O jovem diz que viram uma unidade da polícia na esquina de uma rua. “Dissemos ‘boa noite’. Vimos que não queriam falar connosco. Depois começou tudo”, recordou. “Quando me virei, recebi um impacto na cabeça. No início não sabia o que era, caí no chão. Quando me quis levantar, eles apanharam-me e arrastaram-me para um canto escuro, depois começaram a bater-me”, disse referindo-se a uns quatro polícias.

“Em nenhum momento me pediram os documentos ou perguntaram o que estava a fazer ali”, assegura Hedi, acrescentando ter dito à polícia que estava desarmado e que tinha consigo os seus documentos de identificação e que podiam revistá-lo para verificar.

De acordo com o relato de Hedi, um agente segurou-o enquanto outros lhe davam socos e batiam com bastões, deixando-o no chão a sangrar. Conseguiu refugiar-se numa loja local, a vomitar e quando colocou a mão na cabeça não a sentiu, apenas percebeu uma coisa redonda que agora identifica como bala. Desmaiou e não se lembra de mais nada, mas os empregados da loja levaram-no para um hospital, onde esteve várias semanas.

Já nesta segunda-feira numa entrevista à rádio francesa BFMTV  Hedi explicou que não responsabilizava a polícia no seu conjunto pelo que lhe tinham feito — “A minha vida nunca mais será a mesma” — mas sim “aquele grupo de polícias”, que são como “ovelhas negras” e que mantinha a sua confiança na polícia e na justiça.

Aos microfones da BFMTV, o jovem explicou que “não vê de um olho”, tem enxaquecas fortes, que foi operado três vezes e que aguarda uma quarta cirurgia que, espera, lhe devolva a parte do crânio retirada. “Tenho uma consulta no dia 1 de setembro para ver como está a evolução da minha cabeça e depois, com base nessa consulta, marcaremos a data da operação”.

Às vezes, dizia no vídeo, pensa que vai “acordar [do pesadelo]”: “De facto, acordo sempre com a cabeça deformada”, lamenta.

Já Olivier, um dos polícias que está em protesto e que prestou declarações ao Telegraph, lamenta que “nunca exista uma presunção de inocência para os polícias”. “É-se imediatamente culpado.” Este agente nega que os polícias estejam a pedir para “estar acima da lei” no caso de Hedi. “Só pedimos para sermos respeitados na nossa profissão. Sabemos que ninguém está acima da lei, mas ninguém deve estar abaixo dela também.”