Os sírios em áreas rebeldes assinalam nesta segunda-feira o 10.º aniversário do ataque químico com gás sarin perto de Damasco que matou pelo menos 1.400 pessoas, um crime atribuído ao regime de Bashar al-Assad e ainda impune.

Em várias localidades fora do controlo do regime no norte do país, familiares das vítimas, ativistas e equipas de resgate organizaram eventos na noite de domingo.

Em 21 de agosto de 2013, as forças sírias realizaram ataques em Ghouta Oriental e Mouadamiyat al-Sham, áreas então nas mãos dos rebeldes. Imagens de homens, mulheres e especialmente crianças sem vida, a espumar pelos lábios, chocaram o mundo, com ativistas a denunciar que famílias inteiras foram dizimadas.

Em Afrin, os sobreviventes partilharam as suas memórias dolorosas enquanto as crianças encenavam uma peça inspirada nessa tragédia. “Não estamos a organizar este evento para lembrar o massacre, porque nunca o esquecemos“, afirmou Mohammad Dahleh, citado pela Agência France Presse (AFP), sobrevivente e um dos organizadores do evento.

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“Continuaremos a insistir na necessidade de responsabilizar Bashar al-Assad, o primeiro responsável por este massacre”, acrescentou, lamentando que o regime tenha continuado a “perpetrar outros massacres por causa da inércia do mundo”. A oposição atribui o ataque ao regime de Bashar al-Assad, mas este nega qualquer envolvimento.

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Os Estados Unidos apontam o número de “pelo menos 1.429 mortos, incluindo 426 crianças, e também acusam Damasco de ter realizado o ataque, violando a ‘linha vermelha’ estabelecida pelo então Presidente Barack Obama para uma intervenção na Síria”

Mas o massacre constitui um ponto de inflexão na guerra síria, com os Estados Unidos a renunciar no último momento à realização de ataques contra o regime com os seus aliados, aceitando a oferta do aliado russo de Damasco: o desmantelamento do arsenal químico da Síria.

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“Foi uma visão do apocalipse. Uma cena indescritível, como o Dia do Julgamento”, disse à AFP Mohammad Sleiman, um socorrista que perdeu cinco membros da sua família em Zamalka e que se lembra dos corpos mortos.

Muitos dos sobreviventes fugiram para o norte da Síria, ainda nas mãos da oposição, quando Ghouta caiu nas mãos do regime em 2018.

“Senti cheiro de morte. Comecei a transferir os corpos para um centro médico próximo”, relatou o socorrista, acrescentando que cobriu o rosto para escapar do fumo do gás antes de começar a transportar os corpos.

Disse também que descobriu e identificou os corpos do seu pai e dos seus vizinhos que estavam alinhados num centro perto da sua casa. O irmão, a mulher e dois dos seus filhos também morreram. “Cavámos uma vala comum para enterrar as centenas de corpos”, recordou o socorrista esperando que “os países de todo o mundo possam punir os responsáveis por este massacre”. Vários relatórios acusaram o regime de Damasco em relação a diferentes ataques químicos.

O conflito na Síria, desencadeado em 2011 pela brutal repressão aos protestos pró-democracia, já custou mais de meio milhão de vidas e deslocou milhões de pessoas.

Num comunicado divulgado nesta segunda-feira, os Estados Unidos “lembram e homenageiam as vítimas e sobreviventes do ataque de Ghouta e de outros ataques químicos lançados pelo regime de Assad”, afirmando que continuam “a procurar justiça e responsabilização para os autores destes atos horríveis”.

O texto, divulgado, pelo gabinete do secretário de Estado, Antony Blinken, destaca que, “apesar das suas obrigações internacionais ao abrigo da Convenção de Armas Químicas e da Resolução 2118 do Conselho de Segurança da ONU, a Síria ainda não declarou totalmente e eliminou de forma verificável seu programa de armas químicas“.

Damasco “recusa assumir qualquer responsabilidade pela sua campanha vil de uso de armas químicas, como fica evidente nos nove ataques subsequentes”, confirmados pela equipa de Investigação e Identificação da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) e pelo Mecanismo de Investigação Conjunta OPAQ-ONU, adianta a mesma fonte.