A inversão de marcha da Fundação Nobel causou um terramoto político na Suécia. Depois de no ano passado, devido à invasão da Ucrânia, ter riscado o nome de alguns embaixadores da lista dos convidados, agora abre os braços aos diplomatas da Rússia, Bielorrússia e Irão. Além disso, um político sueco há muito banido da cerimónia, o líder do Partido Democrata Sueco, Jimmie Åkesson, também será bem recebido na cerimónia em Estocolmo.

Os partidos políticos foram rápidos a reagir depois do anúncio de 31 de agosto e, um dia depois, quatro dos oito partidos com assento parlamentar já tinham prometido boicotar a cerimónia. O primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, questionado pelos jornalistas, não se comprometeu com a sua presença na cerimónia, afirmando apenas que, se fosse ele, teria agido de outra forma. “A Fundação Nobel toma as suas próprias decisões. Mas eu, se fosse responsável por uma cerimónia de entrega de prémios neste momento, não teria convidado a Rússia”, disse Kristersson.

Além das reações domésticas, o embaixador ucraniano na Suécia também foi crítico da decisão do comité e, na Bielorrússia, a principal opositora do regime de Minsk pediu à Fundação Nobel que revertesse a decisão. Em contrapartida, o comité norueguês aplaudiu-a.

As cerimónias dos Prémios Nobel acontecem todos os anos em Estocolmo, Suécia, e em Oslo, Noruega, cidade onde é entregue o Prémio Nobel da Paz. Ao contrário dos suecos, os noruegueses não baniram ninguém da cerimónia.

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Agora, Olav Njølstad, presidente do Instituto Nobel Norueguês, saúda a decisão da Fundação Nobel de convidar todos os embaixadores, até por haver convergência entre os dois comités. “Sentimos que é especialmente importante que os países com regimes autoritários ouçam a nossa mensagem. Penso, por exemplo, que é mais oneroso para o embaixador russo e para o seu governo estar na cerimónia e enfrentar críticas do que ficar confortavelmente em casa”, disse Njølstad, de acordo com a imprensa do seu país.

A lógica seguida pela fundação é semelhante. “O mundo está cada vez mais dividido em esferas, onde o diálogo entre aqueles que têm opiniões diferentes é reduzido”, diz Vidar Helgesen, diretor executivo da Fundação Nobel no comunicado de imprensa, sublinhando que estas são orientações que contrastam fortemente com os valores que sustentam o Prémio Nobel. “Para contrariar esta tendência, estamos a alargar os nossos convites para celebrar e compreender o Prémio Nobel e a importância da ciência livre, da cultura livre e de sociedades livres e pacíficas.”

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Vidar Helgesen, diretor executivo da Fundação Nobel, não recua na sua decisão

Os prémios atribuídos representam o oposto da polarização, do populismo e do nacionalismo, acrescenta Helgesen que, já depois das críticas, garantiu que não vai reverter a sua decisão. “As conquistas reconhecidas pelo Prémio Nobel exigem abertura, intercâmbio e diálogo entre pessoas e nações. A Fundação Nobel gostaria de transmitir esta mensagem a todos, mesmo àqueles que não partilham dos valores do Prémio Nobel.”

No comunicado de imprensa, a fundação explica que passará a convidar todos os partidos que tenham representação parlamentar — ou seja, acrescentando Jimmie Åkesson aos convidados, político até agora banido por defender ideias contrárias às do comité — e embaixadores de todos os países com representação diplomática na Suécia e na Noruega. “A Fundação Nobel considera que esta abordagem comum promove oportunidades para transmitir as mensagens importantes do Prémio Nobel a todos e, no futuro, esta prática será comum a toda a organização”, lê-se ainda na nota divulgada no final de agosto.

Jimmie Åkesson que, no passado, já tinha sido irónico sobre a situação, dizendo não se lembrar de ter pedido para ser convidado, agora, nas redes sociais, escreveu apenas: “Já tenho outras coisas para fazer nesse dia.” A força política de direita que lidera, o Democratas Suecos, é considerado um partido nacionalista, populista, conservador, embora rejeite o rótulo de extrema direita.

Boicote garantido, Ucrânia não gostou da ideia

“Estava ansioso para participar da cerimónia e da festa do Nobel. Mas enquanto a Rússia estiver em guerra contra a Ucrânia, não poderei participar numa festa em que esteja o seu embaixador. Gosto de celebrar a pesquisa e o progresso, mas não, em hipótese alguma estarei”, escreveu Muharrem Demirok, deputado e líder do Partido do Centro no Twitter (agora X).

Outra deputada, esta do Partido Verde, concordou com Muharrem Demirok. “O Prémio Nobel é uma grande instituição de pesquisa, educação e paz que é celebrada há muito tempo. Mas chego à mesma conclusão que Muharrem: não há nada a comemorar com o embaixador russo”, escreveu Märta Stenevi que, com Per Bolund, divide a liderança bicéfala do partido.

Mehrnoosh “Nooshi” Dadgostar, também parlamentar e presidente do Partido de Esquerda Sueco, garantiu que não estará na cerimónia. “No ano passado, a Fundação Nobel optou por não convidar o embaixador russo. Foi uma decisão sábia, mas infelizmente alteraram-na. Não participarei nas festividades do Nobel com um representante do regime russo enquanto as bombas caírem sobre a Ucrânia”, escreveu a deputada.

“Extremamente imprudente da Fundação Nobel”, acrescentou, por seu lado, Johan Pehrson do Partido Liberal. “É claro que são eles quem decide quem é convidado, mas não vou sentar-me e brindar ao embaixador russo enquanto a repugnante e sangrenta guerra de agressão de Putin continua na Ucrânia.”

O embaixador ucraniano na Suécia não poupou nem nos caracteres nem nas críticas. Numa longa publicação, Andrii Plakhotniuk lamentou a decisão tomada.

“Tenho várias perguntas para a distinta Fundação Nobel – o que mudou desde o ano passado, quando a sua organização tomou uma posição clara a favor da paz e do humanismo? Terá a Rússia interrompido os seus ataques massivos com mísseis contra as pacíficas cidades ucranianas? As suas tropas foram retiradas de todos os territórios ucranianos temporariamente ocupados? Todas as crianças ucranianas raptadas, reféns civis e prisioneiros de guerra foram devolvidos à Ucrânia? A Rússia fez reparações por todos os seus danos ou entregou os seus criminosos de guerra para julgamento em tribunais internacionais? A resposta é claramente não”, argumentou o diplomata.

Além disso, o embaixador considerou que a decisão da Fundação Nobel será provavelmente interpretada pela Rússia como “uma aceitação implícita das suas ações brutais”. A única forma de conseguir que o Presidente Vladimir Putin ponha fim à guerra contra a Ucrânia, defendeu Andrii Plakhotniuk, “reside na solidariedade inabalável do mundo democrático”, exortando a Fundação Nobel a reconsiderar esta decisão.

Sviatlana Tsikhanouskaya, a líder da oposição bielorrussa, também apontou o dedo à fundação e lembrou que o regime de Aleksandr Lukashenko ordenou a prisão do co-vencedor do Prémio Nobel da Paz de 2022. O ativista bielorrusso Ales Bialiatski foi condenado a 10 anos de prisão em março deste ano.

“Os valores de Alfred Nobel não devem ser comprometidos. Apelo à Fundação Nobel e ao Comité Nobel para que não convidem representantes do regime ilegítimo de Lukashenko para quaisquer eventos e exijam a libertação imediata do laureado Ales Bialiatski da prisão”, escreveu Tsikhanouskaya.