Ben Shelton balançou-se para a frente e para trás, quase como um predador à espera de apanhar a presa na altura certa. Colocou o pé encostado à linha que delimita o court, atirou a bola e levantou o braço esquerdo. O ecrã disse que aquele serviço ia a 239,7 km/h. Logo depois, Ben Shelton repetiu: o balanço, o pé, a bola, o braço. No ecrã leu-se o mesmo, 239,7 km/h. E a certeza de que o US Open raramente viu um serviço tão rápido.

Nos oitavos de final do Grand Slam que está a decorrer em Nova Iorque, contra o compatriota Tommy Paul, o tenista norte-americano chegou perto dos 240 km/h em serviços consecutivos. Diz a história que, no US Open, só Andy Roddick serviu mais rápido — em 2004, bateu uma bola que ia a mais de 244 km/h. Um dado que só confirma a ideia de que Ben Shelton está a deixar o derradeiro cartão de apresentação no Arthur Ashe Stadium.

Esta terça-feira, nos quartos de final e contra o também norte-americano Frances Tiafoe, o jovem de apenas 20 anos surpreendeu e venceu o número 10 mundial. Com recurso a 14 ases — já leva 76 em todo o torneio –, carimbou o apuramento para uma meia-final do US Open onde vai defrontar Novak Djokovic e disputar a partida mais importante de uma ainda embrionária carreira. Tem conquistado as bancadas nova-iorquinas, não só pela nacionalidade mas pelo carisma evidente que coloca em cada pancada, e é um dos verdadeiros protagonistas do último Grand Slam do ano. Nem que seja pela forma descomplicada como vive uma vida onde nada foi por acaso.

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Benjamin Shelton nasceu em outubro de 2002 em Atlanta, onde o pai estava a trabalhar na altura, mas cresceu e viveu em Gainesville, na Flórida — o local abençoado pelo ténis que construiu e moldou talentos como as irmãs Williams, Andre Agassi ou Monica Seles. As raquetes estavam no ADN: o pai, Bryan, foi tenista profissional e chegou a ser número 55 mundial, competindo nos principais torneios internacionais antes de se tornar treinador; a mãe, Lisa, foi das melhores tenistas juniores da sua geração; o tio materno, Todd, também foi tenista profissional; e a irmã, Emma, sempre treinou com os pais e jogou na universidade.

Ainda assim, e para o filho mais novo dos Shelton, o ténis não foi óbvio. Enquanto criança e adolescente, Ben preferia o futebol americano e chegou a prometer que nunca iria jogar ténis. “Ele jurou-me que nunca iria jogar. E lembro-me perfeitamente do momento em que começou, porque foi quando o pai começou a treinar com a irmã dele, a Emma. O Bryan e a Emma começaram a treinar de manhã cedo, antes da escola, e acho que ele começou a ficar com ciúmes. Disse ‘pai, eu também posso treinar com vocês?’. O Bryan disse que sim e isso foi o início de tudo aquilo que estamos a ver hoje”, contou Scott Perelman, que foi adjunto de Bryan Shelton no comando dos Florida Gators, a equipa de ténis da Universidade da Flórida.

Ben tinha 12 anos. Durante algum tempo, conciliou o ténis com o futebol americano — era quarterback, a estrela da equipa da escola, e foi nesse papel que começou a trabalhar um braço esquerdo que hoje em dia faz serviços a mais de 230 km/h. “Não há dúvidas. Não há dúvidas de que o futebol americano ajudou. Essa é provavelmente a maior razão para o que ele consegue fazer. Claro que ele aprendeu muito connosco, os pais, mas a forma como desenvolves os teus dons é que é a chave. Aprendeu a levantar o cotovelo, a fazer certas coisas com a bola de futebol, aperfeiçoou tudo isso e tornou-o uma arma no ténis. Acho que é muito por isso que ele adora tudo o que seja acima da cabeça, seja um overhead ou um serviço, é muito dinâmico nessas tarefas”, explicou o pai do tenista numa entrevista recente ao site do ATP.

Aos 16 anos, já com as prioridades estabelecidas e totalmente dedicado ao ténis, Ben Shelton pediu ao pai para começar a disputar torneios internacionais de juniores — queria viajar, conhecer o mundo, competir contra tenistas de outras nacionalidades e ganhar experiência. Bryan, porém, puxou-o de regresso ao chão. Disse-lhe que ainda nem sequer era o melhor tenista da sua idade nos Estados Unidos. Que precisava de ter uma rotina, desenvolver-se de forma consistente e não passar a vida dentro de aviões. E acabou por ter razão.

Ben entrou na Universidade da Flórida em 2020 e comprometeu-se com os Florida Gators, continuando a ser treinado pelo pai. Tornou-se campeão universitário em 2022 e chegou a dizer que ia dar prioridade aos estudos, terminar a licenciatura em Finanças e deixar o profissionalismo para mais tarde — uma ideia que o Masters de Cincinnati alterou. Recebeu um wildcard para o torneio, venceu o primeiro adversário top 100 ao derrotar Lorenzo Sonego na primeira ronda e o bateu o primeiro adversário top 10 ao derrotar Casper Ruud na segunda ronda, caindo apenas com Cameron Norrie na fase seguinte.

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Ben Shelton com o pai, Bryan, que também foi tenista profissional e é atualmente seu treinador

Cincinnati provou que, apesar da idade e da ausência de experiência internacional, tinha capacidade para se bater com os melhores tenistas do mundo. Anunciou que não iria voltar à universidade, tornou-se profissional e assinou com a TEAM8, a agência que gere a carreira de Roger Federer, o seu maior ídolo — meses depois, foi escolhido em conjunto com Iga Swiatek enquanto primeira cara da On, a marca de roupa desportiva que tem o suíço como um dos sócios fundadores.

Ainda antes de completar 20 anos, em setembro do ano passado, recebeu um wildcard para o US Open e estreou-se em Grand Slams. Perdeu logo na primeira ronda, contra o português Nuno Borges, mas sem deixar de assinar aquele que foi o segundo serviço mais rápido da edição passada do torneio. Terminou o ano como o norte-americano mais novo de sempre a entrar no top 250 e em janeiro saiu pela primeira vez dos Estados Unidos para disputar o Open da Austrália, onde caiu na quarta ronda e garantiu a subida aos 50 melhores tenistas do ranking ATP.

Passou pelo Estoril Open no início de abril, naquela que foi a primeira visita à Europa, tendo sido eliminado por Dominic Thiem na segunda ronda — e conquistando os adeptos portugueses, que começaram a partida a apoiar o austríaco e acabaram rendidos ao carismático norte-americano que parece sempre pronto para dar um autêntico espetáculo dentro do court. Com 1,93 metros e quase 90 quilos, Ben Shelton já é um dos tenistas mais atléticos da atualidade e parece ter ainda margem para continuar a crescer.

“Já o vi a fazer exercícios de pernas em que levanta 200 quilos. É uma fortaleza. Vi este miúdo crescer e o espírito competitivo dele está muito acima da média. Estive com ele todos os dias durante dois anos, quando ainda estava na universidade, e ele não perdeu uma única corrida. Está pronto para treinar às 6h da manhã e às 19h da noite. Está sempre pronto. Tem um motor que não pára. E adora isso”, contou Scott Perelman, acrescentando que Ben Shelton ouve hip-hop para se concentrar e gosta de comer comida mexicana ou sushi antes das partidas.

O pai de Ben, Bryan, deixou a Universidade da Flórida para acompanhar o filho a tempo inteiro. O jovem tenista chegou ao atual US Open com a vontade de fazer mais e melhor do que há um ano — mas ninguém estava à espera de que chegasse às meias-finais. Eliminou Pedro Cachín, Dominic Thiem, Aslan Karatsev, Tommy Paul e agora Frances Tiafoe, alimentando as esperanças de um público norte-americano que ainda espera o herdeiro dos sucessos de Sampras, Agassi e Roddick.

“Sinto uma alegria muito grande nestas partidas. Quando olho para a minha box e vejo a minha família, os meus amigos, recebo alguns sorrisos e sinais engraçados… Gosto muito disso. Gosto muito de interagir com as pessoas quando estou em campo. Quando fui buscar a toalha, antes do quarto set, estava a pensar que este era o momento mais importante da minha carreira e estava cheio de dores, fisicamente. Mas estava a adorar! Acho que é essa a história do dia de hoje”, explicou o norte-americano depois de vencer Tiafoe. Segue-se Djokovic.