Há segredos que nem às paredes se confessam. Outros, Sérgio Conceição prefere guardar para partilhar em momentos especiais. “Deixaria a resposta para o programa do Daniel Oliveira”. A declaração não foi muito conclusiva para quem questionou o treinador do FC Porto em relação ao motivo de ser o porta-voz da emoção quando está a orientar os dragões e, fora do campo, ser racional o suficiente para não se deixar afetar pelos problemas. Fica a garantia de que saberemos a resposta quando Conceição tiver disponibilidade para derramar um tubo de ensaio de lágrimas na televisão nacional ao som de uma música dramática num programa criado para o efeito.

No Estádio José Gomes, na Reboleira, a primeira fila da bancada não está a mais de dois metros de distância da linha lateral. Os bancos de suplentes ficam a meio caminho entre esses dois pontos, por isso, não é preciso ter ouvidos de tísico para perceber que Sérgio Conceição gritava efusivamente com o seu inexperiente trio de médios. Que saudades devia ter o treinador do FC Porto de dar indicações no banco de suplentes já que não o fazia desde a Supertaça, onde foi expulso. Para as suas cordas vocais é que não e tão saudável.

O Estrela não queria estender uma passadeira azul a um FC Porto desejoso por facilitismos após o empate a um com o Arouca, em casa (o célebre jogo do penálti revertido pelo telemóvel). O clube da Reboleira tinha inclusivamente pedido aos sócios que não viessem equipados com a cor do adversário naquela que era a primeira receção a um candidato ao título desde o regresso ao principal escalão do futebol português. Certo é que, no momento da chegada do autocarro do FC Porto ao estádio, os adeptos tricolores abafaram o motor. Nas bancadas, o azul e branco dominou.

Sérgio Conceição montou um onze com quatro estreias a titular com a camisola do FC Porto – Alan Varela, Iván Jaime, Gonçalo Borges e Fran Navarro – e oito mudanças em relação ao empate contra o Arouca. Pepe regressou de lesão diretamente para o lote de titulares e Taremi ficou no banco. A novidade mais disruptiva foi a inclusão de David Carmo que significava desde logo que os dragões iam optar por um sistema de três centrais. O argentino Alan Varela funcionou como centrocampista de equilíbrio e André Franco e Iván Jaime foram os médios interiores. Os corredores laterais ficaram à responsabilidade de Gonçalo Borges e Galeno para, no ataque, figurarem Fran Navarro e Evanilson.

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Ficha de Jogo

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Estrela-FC Porto, 0-1

5.ª jornada da Primeira Liga

Estádio José Gomes, na Amadora

Árbitro: João Pinheiro (AF Braga)

Estrela: Bruno Brígido, Johnstone Omurwa (Mansur, 45′), Gaspar, Aloísio, Leo Jabá, Ronaldo Tavares (Ndour,73′), Miguel Lopes (Kikas, 88′), João Reis, Léo Cordeiro, Hevertton e Ronald

Suplentes não utilizados: António Filipe, Regis, Jean Felipe, Erivaldo, Pedro Sá e Shinga

Treinador: Sérgio Vieira

FC Porto: Diogo Costa, Pepe, David Carmo, Marcano (Wendell, 8′), Galeno, Iván Jaime (Eustáquio, 71′), André Franco (Romário Baró, 71′), Fran Navarro, Alan Varela, Evanilson (Taremi, 15′) e Gonçalo Borges (Pepê, 71′)

Suplentes não utilizados: Cláudio Ramos, Francisco Conceição, João Mário e Toni Martínez

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Taremi (29′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Gaspar (10′), Léo Jabá (17′), Wendell (45+1′), Pepe (48′), Aloísio (52′), Sérgio Vieira (fora do campo, 63′), André Franco (67′) e David Carmo (90+3′)

O 3x5x2 com que Sérgio Conceição procurava surpreender o Estrela caiu por terra logo aos quatro minutos. Marcano estava fora do campo a receber assistência médica após um lance com Ronald, onde os tricolores ficaram a pedir penálti. No instante seguinte, com o FC Porto reduzido a dez, João Pinheiro assinalou grande penalidade de Pepe por suposta falta sobre Léo Jabá, mas o VAR reverteu a decisão. Acontece que Marcano não conseguiu regressar ao campo e entrou Wendell. Com a troca, o técnico dos dragões mantinha o sistema tático, mas perdia a essência do mesmo.

Aos 15 minutos de jogo, as más notícias para o FC Porto não deixavam de aparecer. Evanilson foi obrigado a receber assistência no relvado e acabou por também deixar o terreno de jogo com problemas físicos. Taremi entrou. O que parecia mais uma dor de cabeça acabou por ser um calmante. Os azuis e brancos não estavam nada confortáveis no jogo e nem com mais defesas do que o habitual lidavam bem com o trio ofensivo estrelista composto por Ronald, Léo Jabá e Ronaldo Tavares. O Estrela inclusivamente tinha rematado pouco por cima instantes antes. A entrada de Taremi chamou ao iraniano um passe longo de Pepe. Quando o avançado rematou (29′) e a bola bateu no poste antes de entrar na baliza de Bruno Brígido, os adeptos do Estrela pediam fora de jogo. Nada disse o VAR e o FC Porto ficou em vantagem.

O jogo estava a ser decidido por um jogador que nem tempo tinha tido para aquecer o banco. O resto  da primeira parte foi um jogo de tiro ao boneco. O Estádio José Gomes tem num topo, junto da sala de troféus, três estátuas de figuras humanas pintadas de vermelho. Foi aí que Galeno quase acertou num remate de ressaca. Um pouco de pontaria para o lado oposto e o extremo brasileiro teria acertado perto da varanda de um prédio, fora do estádio, onde um grupo de adeptos ergueu uma tarja, iluminada por tochas vermelhas, onde se lia “Campeões”.

Não era de todo preciso chamar uma terceira equipa. O Estrela estava a dar boa conta de si. No início da segunda parte, Ronaldo Tavares regressou com as meias descidas e isso era sinal de que o cansaço fazia as primeira aparições. André Franco estava a conseguir ser eficiente no espaço entre linhas, combinando infinitas vezes com Gonçalo Borges ou com os dois avançados. Um FC Porto menos intenso na recuperação compensava na qualidade em posse dos médio interiores. No entanto, nos segundos 45 minutos, não foram assim tantos os momentos de organização ofensiva da equipa de Sérgio Conceição.

O FC Porto, habituado a ter uma equipa combativa, manteve alguns jogadores que deram esse poder de choque, mas, mudando as características, ganhou um brilhantismo diferente. É admissível que tenha sido isso a levar à perda do controlo territorial que obrigou a que Alan Varela tivesse que cortar em cima da linha de golo um remate de Regis nos últimos instantes. Ainda assim, ficou aberta a porta a uma transfiguração da identidade azul e branca naquela zona do terreno. De qualquer modo, é ao homem da frente que, quando perguntarem a Sérgio o que dizem os seus olhos, o técnico portista tem que agradecer. Graças a Taremi o FC Porto sobe à liderança isolada da Primeira Liga à condição.