O ensaísta João Barrento é o vencedor do Prémio Camões 2023, anunciou, esta terça-feira, o júri do conceituado prémio, atribuído anualmente a autores de países de língua portuguesa.

“João Barrento foi reconhecido pelo júri como autor de uma obra relevante e singular em que avultam o ensaio e a tradução literária”, pode ler-se no comunicado emitido pelo Ministério da Cultura. O prémio teve particularmente em conta as traduções do ensaísta da literatura alemã “que vão da idade média à época contemporânea, e em todos os géneros literários, formam o mais consistente corpo de traduções literárias do nosso património cultural e constituem indubitavelmente um meio de enriquecimento da língua e de difusão em português das grandes obras da literatura mundial”.

Oiça aqui a reação de João Barrento à atribuição do Prémio Camões:

João Barrento sobre Prémio Camões: “De modo nenhum estava à espera”

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O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva destacou o papel de João Barrento enquanto “um dos pensadores mais acutilantes da arte e da cultura em Portugal”.

“O ensaio é o registo literário em que mais se tem empenhado, forma privilegiada de pensar livremente a sua relação com o mundo” referiu o ministro. “Merece também destaque a sua ação enquanto dinamizador do Espaço Llansol, testemunho de uma generosa dedicação, a mesma que se reflete nas indispensáveis traduções que têm dado a conhecer, em língua portuguesa, a obra de autores tão diversos quanto Hölderlin, Goethe, Walter Benjamin ou Paul Celan”, disse.

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Além de ensaísta e tradutor, Barrento destacou-se ainda enquanto cronista de jornais, crítico literário e professor. Nascido em 1940 em Alter do Chão, distrito de Portalegre, licenciou-se em 1964 em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras. Durante quatro anos, foi Leitor de Português na Universidade de Hamburgo e, entre 1986 e 2002, lecionou Literatura Alemã e Comparada e História e Teoria da Tradução na Universidade Nova de Lisboa.

O seu trabalho na área da literatura alemã compreende obras que vão desde o século XVII até à atualidade. Entre as obras nas quais trabalhou contam-se traduções de A Metamorfose, de Franz Kafka, Estou Só e Fora do Mundo, de Robert Walser, O Tempo Aprazado, de Ingeborg Bachmann, O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil ou Diários de Viagens, de Walter Benjamin. Enquanto autor, destacam-se Breviário do Silêncio, conjunto de textos ensaísticos, bem como a publicação de obras em torno de diversos autores, como Goethe ou Walter Benjamin. Já este ano, publicou Aparas dos DiasA escrita na ponta do Lápis (Companhia das Ilhas), conjunto de textos diversos que vão desde os ensaios aos discursos públicos, a entrevistas e a entradas de diários.

João Barrento: outrora agora, a sobrevida do ensaio

Aos 84 anos, João Barrento sucede ao brasileiro Silviano Santiago, galardoado em 2022 com o prémio, que pretende reconhecer a excelência no mundo literário dos países lusófonos. Barrento junta-se a uma lista que inclui nomes como Miguel Torga, Vergílio Ferreira, Jorge Amado, José Saramago, Pepetela, Sophia de Mello Breyner Andersen, Eugénio de Andrade, Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes, Mia Couto, Chico Buarque e Paulina Chiziane, entre outros.

O Prémio Camões foi instituído por Portugal e pelo Brasil em 1989 e nesse ano foi atribuído ao escritor Miguel Torga (Portugal). Seguiram-se os premiados João Cabral de Mello Neto (Brasil, 1990), Vergílio Ferreira (Portugal, 1992), Rachel de Queiroz (Brasil, 1993) e Jorge Amado (Brasil, 1994).

Criado em 1989 entre Portugal e o Brasil, o prémio, um valor monetário de 100 mil euros, é atribuído em conjunto pelo Ministério da Cultura de Portugal e pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, no Brasil. O juri desta, a 35ª edição do evento, incluiu membros da academia portuguesa, brasileira, moçambicana e de São Tomé e Príncipe.

Vencedor reconhece a importância do trabalho de tradução

O próprio João Barrento considerou o prémio como reconhecimento do trabalho de tradução, que além de ser um trabalho sobre a língua portuguesa, exige uma criatividade quase igual ao da escrita original.

O tradutor e ensaísta português recebeu com surpresa a noticia da atribuição do prémio, mesmo tendo sido contactado há cerca de uma semana por um dos membros do júri, a pedir informação detalhada sobre o seu currículo, sobretudo na área da tradução.

João Barrento mandou-lhe toda a informação pedida, mas não estava “à espera de receber um prémio como o Prémio Camões, que normalmente tem sido concedido a grandes escritores de ficção ou de poesia”.

“Talvez faça algum sentido pensar num prémio como este, não apenas para os grandes géneros literários, como o romance ou a poesia, mas também como o ensaio ou mesmo a tradução, porque é um trabalho sobre a língua, a língua de Camões, está no nome do prémio, que exige uma criatividade que, no meu caso, considero-a quase equivalente à da escrita original”, disse.

Sobre o impacto que o prémio possa vir a ter na sua vida ou na sua escrita, João Barrento disse que não altera em nada o seu modo de estar e de relação com a escrita, até porque recebeu “praticamente todos os prémios portugueses de tradução e ensaio”.

“A mim sempre me interessou descobrir novos horizontes e descubro-os constantemente, para escrever para divulgar novos autores e isso nunca derivou do facto de ter recebido algum prémio. Foi sempre decisão minha, inclusive, os autores mais importantes que eu tenho traduzido cá não foram sugestão dos editores, não foram encomenda, foram quase sempre sugestões minhas”, acrescentou.

O também critico literário reconhece que o que tem feito “é imenso” e quando olha para trás diz não ver “ninguém neste país com uma obra de tradução literária e filosófica” como a dele.