O que começou como uma tragédia rapidamente se transformou num número. Quando as autoridades encontraram o corpo de Lilie James, preocuparam-se apenas em tentar perceber quem tinha assassinado violentamente a jovem de 21 anos, treinadora de polo aquático de uma escola prestigiada em Sydney. No entanto, assim que o caso se tornou público, a Austrália passou a olhar para ela como a 41.ª mulher a morrer este ano em contexto de violência doméstica.

Na passada quarta-feira, quando Lilie James não voltou a casa depois do trabalho, o pai ligou imediatamente para a polícia para reportar o seu desaparecimento. Podia ter sido apenas um caso de zelo paterno, mas a confirmação de que algo grave se tinha passado deu-se quando as autoridades chegaram à  St. Andrew’s Cathedral School.

Segundo a BBC, a polícia deparou-se com um “cenário de confrontos” na casa de banho perto do ginásio, onde o corpo da jovem foi localizado, com diversas lesões “graves” na cabeça, alegadamente feitas com um machado. Os dados indicavam um caso de homicídio e a chamada de emergência que receberam pouco depois do alerta dado pelo pai de Lilie ajudou-os a perceber quem estaria por detrás do mesmo.

Paul Thijssen, treinador de hóquei, de 24 anos, terá saído sozinho da mesma casa de banho por onde tinha entrado com a vítima, como mostraram as imagens das câmaras de videovigilância do local, publicadas pela CCTV. Depois disso, nunca mais foi visto.

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As autoridades iniciaram a caça ao homem e chegaram à rua onde as câmaras o captaram a caminhar tranquilamente durante duas horas, antes de se livrar da arma do crime — um machado, tal como a polícia logo suspeitou — para um caixote do lixo e de ligar finalmente para a linha de emergência.

A polícia continuou a investigar o rasto do suspeito e acabou por ser levada para o fundo de um penhasco em Vaucluse, no estado de New South Wales, onde o corpo deste e “objetos associados ao homicídio” foram encontrados.

Até à data, as autoridades ainda não referiram qualquer potencial motivo para o homicídio. No entanto, a BBC reporta que os jornais locais revelaram que a jovem tinha terminado a relação amorosa com o treinador de hóquei. E uma onda de revolta nasceu na Austrália.

A 41.ª em dez meses e a 3.ª em dez dias

Se a motivação se confirmar, Lilie James é mais uma das vítimas do crime de violência doméstica. Uma das 41 mulheres que morreram às mãos de um homem que conheciam desde que o ano começou, como mostram os dados do projeto Couting Dead Women.

Este número agrava-se quando comparado com as estatísticas dos últimos dez dias. A somar a Krystal Marshall, a australiana que morreu na sequência de um incêndio em casa — alegadamente causado pelo seu ex-companheiro — e a uma mulher, de 65 anos, que foi esfaqueada pelo marido, de 70, Lilie é a terceira mulher a ser assassinada por alguém com quem mantinha ou tinha mantido uma relação íntima.

Estes números estão a criar polémica sobre a forma como o governo australiano está a tratar os casos de violência doméstica. Ainda que, em 2010, tenha criado um Plano Nacional para o Fim da Violência contra Mulheres, a verdade é que parece que essas políticas não mostraram grandes resultados. Consequentemente, como explica a BBC, um novo plano de dez anos entrou em vigor em 2022.

Neste, a urgência é direcionada à “intervenção precoce, melhoria das respostas da polícia e da justiça, criação de mais alojamentos de emergência e aumento do apoio ao trauma disponível para as vítimas sobreviventes”. Mas será o suficiente para colocar um travão à violência contra mulheres?

Karen Bevan, da associação Full Stop Australia, que dá aconselhamento a vítimas de violência, defende que não porque não está a ir à raiz do problema. Para a ativista, estes casos resultam de “uma atitude cultural contra a igualdade de género e a violência contra as mulheres”.

A violência contra mulheres é sobre o poder, controlo e exclusão. Mas, mais importante do que isso, pode ser prevenida”, chamou a atenção a líder da organização Our Watch, Patty Kinnersly, citada pela ABC News.

Tal como Karen Bevan, Patty Kinnersly é da opinião de que a prevenção deve ser feita através da sensibilização para a igualdade. “Todos os sítios onde vamos, vivemos, aprendemos, trabalhamos e socializamos devem ser inclusivos, iguais e seguros para todos”, apontou.

Violência doméstica: 12 mortes e mais de 14.800 queixas no primeiro semestre

Em Portugal, no primeiro semestre de 2023 morreram pelo menos 12 pessoas no contexto de violência doméstica — dez mulheres, uma criança e um homem. Além disto, a PSP e a GNR registaram 14.863 queixas relacionadas com violência doméstica, mais 490 do que em igual período de 2022.