Desde os seus primórdios que o cinema se interessou por Madame du Barry, a última favorita do rei Luís XV, nascida Jeanne Bécu, plebeia e filha ilegítima, prostituta de luxo antes de se tornar na amante do conde Du Barry-Cérès, e deste a ter introduzido no leito real, para daí colher benefícios e privilégios. Ela já foi interpretada, entre outras, por Theda Bara, Pola Negri, Norma Talmadge, Delores del Rio, Lucille Ball (na comédia musical de 1943 Du Barry era uma Senhora, realizada por Roy Del Ruth), Martine Carole (no filme biográfico de 1954 com o seu nome, rodado por Christian-Jacque), e por Asia Argento no Marie Antoinette de Sofia Coppola (2006).

Em Jeanne du Barry — A Favorita do Rei, a condessa du Barry é personificada pela atriz e realizadora Maïwenn, que também ficou atrás da câmara e colaborou no argumento. É um filme biográfico e um retrato da vida na corte de Versalhes (foi rodado no palácio) na segunda metade do século XVIII, bem como da mentalidade, dos costumes, rituais e relações sociais dessa era, que seria brutalmente destruída pela Revolução Francesa. Uma das suas muitas vítimas foi, precisamente, Madame du Barry, guilhotinada em 1793. As sua últimas palavras no cadafalso terão sido, perante a pressa brusca daquele que a ia executar, “Espere um momento, senhor carrasco!”.

[Veja o “trailer” de “Jeanne du Barry — A Favorita do Rei”:]

Jeanne du Barry — A Favorita do Rei não é nem mais um filme de época cintilante e superficial, nem uma narrativa biográfica à qual é aplicada, rectroativamente e de forma abusiva, uma leitura feminista. É a história de uma mulher invulgarmente bonita, espontânea e inteligente, generosa e com instinto de sobrevivência, que protagonizou uma situação anormal à altura, por via do interesse e do favor real: o encontro, e a subsequente relação íntima, entre uma rapariga do povo e um monarca. O que, como escreveu o seu mais recente biógrafo, Emmanuel de Waresquiel, em Jeanne du Barry. Une Ambition ao Féminin, a tornou “num símbolo involuntário desse mundo” em que dispôs brevemente de uma situação de privilégio única.  

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[Veja uma entrevista com a realizadora:]

Embora não de forma exaustiva — e com algumas falhas notórias (caso do mecenato das artes e letras que ela privilegiou) — o filme descreve a personagem da Condessa du Barry no seu essencial, do auge na corte até à queda em desgraça após a morte do rei, bem como muitas das peripécias, situações e intrigas que viveu ou lhe teceram (o ódio que lhe votavam as filhas de Luís XV, a simpatia que, pelo contrário, gozava por parte do futuro Luís XVI, ou a campanha para que a jovem Maria Antonieta não lhe dirigisse a palavra). Maïwenn frisa o amor sincero que ela tinha pelo rei, evita transformá-la na influente que nunca foi no plano político e tira interpretações saborosas a Pierre Richard no velho e libertino marquês de Richelieu, e a Benjamin Lavernhe no impassível mordomo Laborde, tão firmemente fiel a Luís XV como se tornaria depois a Madame du Barry.

[Veja uma entrevista com Johnny Depp:]

Johnny Depp sai-se bem no papel de um Luís XV lacónico, que com um mero olhar impõe temor e obediência em público, mas é fleumático e brincalhão em privado, e que interpreta em sugestão e sem espalhafato. A cena da sua morte, em que cristão e pecador entram em conflito e ele tem que repudiar a sua relação com Jeanne du Barry, perante a aceitação e compreensão desta, é impressionante. O enorme senão de Jeanne du Barry — A Favorita do Rei, que compromete todo o filme, é o erro de casting cometido por Maïwenn na sua própria pessoa, ao interpretar também Madame du Barry, em vez de se contentar com argumento e realização.

[Veja uma sequência do filme:]

Há de certeza bastantes atrizes francesas com a idade certa, o talento e a capacidade para personificar Madame du Barry com mais adequação e credibilidade. Mas Maïwenn preferiu o ego ao bom senso e usar a história como uma metáfora para a sua ascensão no mundo do cinema. Ao fazê-lo, prejudicou gravemente “Jeanne du Barry — A Favorita do Rei”.