Em Belém, nas reuniões com o Presidente de República após a demissão de António Costa e antes de Marcelo tomar uma decisão final, a oposição assumiu a preferência por eleições antecipadas (com exceção do PAN que diz estar confortável com os dois cenários) e dividiu-se na ideia de aprovar ou não o Orçamento do Estado para 2024 mesmo que haja uma nova ida às urnas. De janeiro a março, várias são as opiniões sobre a data das eleições antecipadas, com a certeza de que, nesse cenário, os socialistas precisam de espaço para arrumar a casa.

César diz que “situação preferencial” é novo governo PS

Depois de no dia da demissão ter dito que o PS está pronto para qualquer cenário, Carlos César liderou a comitiva do PS que foi até Belém para dizer ao Presidente da República que a “situação preferencial é a nomeação de um Governo com um novo primeiro-ministro”, sendo este um cenário “possível no atual quadro parlamentar”.

“É bom que não exista uma interrupção governativa”, realçou o presidente socialista, que deixou claro ao Presidente da República que o PS “continua a ser um partido que preza os valores associados à democracia, desde logo a estabilidade e mandatos”. Ainda assim, se a preferência recair para as eleições antecipadas, o PS não só está “muito à vontade e tranquilo” como crente numa “vitória do PS”.

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Questionado sobre os nomes que o partido deu como opções para a ponderação do Presidente da República, Carlos César assegura que “o PS não apresentou nenhum nome”, em particular porque este terá de ser previamente aprovado na Comissão Política do partido, que está marcada para esta quinta-feira. Mas deixou no ar a ideia de que há quadros no partido prontos para assumir o desafio, nomeadamente com “reconhecimento e experiência internacional”.

Questionado sobre as suspeitas que levaram à demissão de António Costa, Carlos César foi perentório: “Nós não conhecemos o teor em concreto de quais são as suspeitas que possam existir na PGR e no Supremo Tribunal de Justiça. Quando se lançam suspeições daquela natureza… há um primeiro-ministro que tem uma consciência muito apurada do cargo e teve um gesto de nobreza e reagiu da forma como o fez.”

PSD pede “novo ciclo”, mas não será “obstáculo” ao OE2024

Luís Montenegro, presidente do PSD, esteve reunido com Marcelo Rebelo de Sousa cerca de 1h30 e, à saída, começou por dizer que é preciso “cortar o mal pela raiz e iniciar um novo ciclo”, mas também restabelecer a “autoridade política que só o voto pode conferir”. Aos olhos do líder social-democrata, e reconhecendo que o calendário eleitoral tem de ter em conta que o PS precisa de escolher um novo líder, “dois meses” será o período natural para que o país volte a ir a votos para umas eleições legislativas.

Questionado sobre uma das incógnitas da crise política — se Marcelo Rebelo de Sousa vai permitir, através de datas, aprovar o Orçamento do Estado para 2024 —, o líder social-democrata reconheceu que o mais importante é que o país tenha o “menor impacto possível” após o Governo ter “ruído por dentro”. “É importante que o Governo possa esclarecer sobre as vantagens e desvantagens de ter um Orçamento em vigor dia 1 [de janeiro]”, esclareceu Luís Montenegro, deixando claro que o PSD não será um “obstáculo” a esse plano.

A posição é justificada com algumas das medidas do OE2024 como “a execução de investimentos públicos com financiamento no PRR e prazo para serem concluídos, a atualização salarial na Administração Pública, o pagamento com atualização das pensões e a redução de alguma carga fiscal”. “Se se vier a concluir que é mais útil ter um Orçamento, ainda que não seja o nosso orçamento, do que não ter, o PSD não criará nenhum obstáculo.”

O líder social-democrata reiterou que o fundamental é que a “situação de instabilidade se resolva o mais depressa possível”, sublinhando que o propósito do PSD “não é de confrontação”, por ser preciso “unir o país”.

Chega alerta para “pressão absurda do PS” para “primeiro-ministro interino”

Foi “breve” a reunião da comitiva do Chega com o Presidente da República e a conclusão foi transmitida à saída por André Ventura: “A única solução que existe é da dissolução da Assembleia da República e a convocatória de novas eleições legislativas.” E o presidente do Chega aproveitou para esclarecer a sensação com que ficou após ouvir Marcelo Rebelo de Sousa sobre o cenário em causa: “Penso que este é o pensamento do Presidente da República”, sublinha, apontando “meados de fevereiro ou início de março” para as legislativas.

Perante o que disse ser um “cenário de consenso alargado” para as eleições, Ventura reconheceu que é preciso dar tempo aos socialistas para arrumarem a casa e escolherem um novo líder, já que não é um processo que esteja concluído “em dois, quatro ou cinco dias”.

E também se mostrou “sensível” ao argumento da discussão orçamental”, apontando para a necessidade de “um juízo de ponderação” e garantindo que o partido aceita “qualquer solução que garanta que há instrumentos orçamentais para começar o ano e com rapidez suficiente para não deixar o país no marasmo político que não interessaria a ninguém”.

Durante as declarações aos jornalistas, foi o próprio André Ventura a trazer a ideia de um “primeiro-ministro interino” por considerar que é “contrária à lei e à constituição”. O líder do Chega acredita que a “solução é constitucionalmente absurda” e “uma forma de pressão absurda do PS”. Porém, Ventura falou da questão do primeiro-ministro interino, quando é a formação de um novo governo que tem sido colocada em cima da mesa.

André Ventura reiterou ainda a ideia de que está disponível para trabalhar numa “maioria de governo” como alternativa à direita — mas não um acordo parlamentar depois da experiência dos Açores. Sobre o “não é não” de Montenegro, o presidente do partido foi perentório: “Os portugueses têm de escolher se querem o PSD a governar ou o Chega.”

IL aponta para eleições em janeiro e recusa pré-coligações

Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal, saiu da audiência com Marcelo Rebelo de Sousa para dar como certo que “a única solução é a convocação de eleições” e que estas devem ser realizadas “mais cedo do que tarde”, com uma sugestão de que aconteçam idealmente no fim de janeiro.

Recordou as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa aquando da tomada de posse do Governo, numa referência de que sem António Costa não haveria condições para manter o Governo e afirmou que “não encontrou nada que pusesse em causa essa predisposição” do Presidente da República.

Questionado sobre o Orçamento do Estado, o presidente liberal referiu que a IL não pretende que a “discussão se centre no OE”, ainda que entenda que “seria melhor que o OE não entrasse em vigor”.

Com críticas a uma “a solução governativa do PS [que] estava em absoluta ruína em muitos setores e numa erosão irreversível”, Rui Rocha explicou que está na hora de “abrir novo capítulo na democracia portuguesa”, frisando que “não há nenhuma condição para uma solução criativa”, em particular contra a opção de Augusto Santos Silva, que “fez da sua função uma espécie de trampolim para uma agenda própria e alimentou-se dos populismos”.

E relativamente à demissão de António Costa, Rocha alertou para a possibilidade de se começar “sucessivamente a questionar a confiança dos portugueses nos agentes da justiça” e resumiu: “Às vezes a justiça não funcionará bem, mas pior seria a politização da justiça.” Ainda assim, António Costa, na visão da IL, “não podia continuar a ser primeiro-ministro não pelo último parágrafo [do comunicado da PGR], mas pela situação de ter um círculo próximo envolvido em situações graves que estão a ser investigadas”.

À saída de Belém, Rui Rocha reiterou ainda uma das garantias com que foi a votos internamente: antes das eleições, “não há disponibilidade para qualquer tipo de entendimento”.

PCP vê eleições como a “única solução”

Paulo Raimundo, líder do PCP, transmitiu a opinião dos comunistas sobre a crise política: “A única solução que existe é a dissolução da AR e a convocação de eleições.” Num olhar para o passado, Raimundo notou ainda que o “calendário é muito semelhante” ao de há dois anos — OE chumbado em novembro de 2021 e eleições legislativas em janeiro de 2022 — e realçou que isso “pode ser uma referência” para Marcelo Rebelo de Sousa.

Questionado sobre a possibilidade de salvação do Orçamento do Estado, Paulo Raimundo recordou “a avaliação negativa” feita pelo PCP ao OE e concluiu que “o que se exige” é não voltar a um “Orçamento de Estado que é mau.”

E no seguimento do processo que culminou na crise política, o líder comunista alertou que “é preciso que os processos que estão em curso sejam rapidamente esclarecidos, investigados e que se chegue a conclusões”, por ser “importante para democracia, para a justiça e do ponto de vista da credibilidade”.

Para o Bloco, não ir a eleições é “arrastar situação insustentável”

Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, reiterou na audiência com o Presidente da República a “preferência pela convocação de eleições antecipadas”, com o partido a considerar esta a “melhor solução” para resolver a crise política.

“Qualquer alternativa [à marcação de eleições] significa arrastar uma situação que é insustentável”, disse aos jornalistas no fim da reunião em Belém, frisando que “o critério mais importante é resolver rapidamente a crise política”. Aliás, mesmo no que toca ao Orçamento do Estado, “o Bloco de Esquerda já anunciou o voto contra” porque não traz “respostas” e com a resposta Mortágua sugeriu que não é a favor da continuidade do processo orçamental que está a decorrer (e que outros partidos admitem poder prosseguir).

E concluiu: “O primeiro-ministro demitiu-se. Em que condições é que o país supera uma crise política? Convocar eleições, é isso que a democracia exige.”

Quanto ao caso que espoletou a crise política, a coordenadora do Bloco de Esquerda espera que “a justiça faça o seu trabalho da forma mais célere possível”, demonstrando “grande preocupação” pelas suspeitas do primeiro-ministro e pedindo clareza à justiça. “O que houver para investigar deve ser investigado, sejam quais forem as consequências. O Ministério Público deve justificar a abertura do inquérito e a divulgação da abertura dessa investigação, isso também faz parte da clareza”, sublinhou.

PAN pretende salvar Orçamento do Estado

Inês Sousa Real revelou que o PAN mantém o “compromisso” de colaborar de “forma construtiva” com a escolha do Presidente da República, seja com a possibilidade de “eleições ou de um novo primeiro-ministro”, desde que com a “salvaguarda do Orçamento do Estado”. “Em primeiro lugar que se salvaguarde o Orçamento do Estado”, sublinhou à saída da reunião em Belém, assegurando que o partido está “preparado para qualquer das circunstâncias”.

Inês Sousa Real demonstrou ainda preocupação com a circunstância em que António Costa se demitiu, apontando que tem de haver respeito pela separação de poderes, mas recordando que não há um conhecimento do processo por parte dos portugueses. “O primeiro-ministro demitiu-se por força de uma investigação sem que haja conhecimento dos factos e sem constituição como arguido”, disse, demonstrando “preocupação de o poder judicial poder deitar abaixo um Governo”.

“Caso se venha a comprovar que não existia nada de fundamentado no processo terá de haver conclusões e escrutínio por parte do Conselho Superior de Magistratura, a reflexão por parte da procuradora-geral da República”, entendeu a líder do PAN.

Livre quer entender “contornos” do caso de Costa

Rui Tavares, deputado único do Livre, foi o primeiro a ser ouvido pelo Presidente da República no seguimento da demissão de António Costa e enalteceu que é preciso “transparência” no processo que trouxe o país a esta crise política.

“Estamos sem entender se é de forma meramente contingente que chegamos a esta situação de excecionalidade ou se há justificações concretas que nos devam preocupar”, alertou o deputado do Livre, lembrando que os partidos estiveram em Belém há 48 horas, “numa situação de rotina, e 48 horas depois encontramo-nos numa situação de absoluta excecionalidade de riscos e desafios”.

Rui Tavares disse ser imperial que o país conheça “os contornos do que nos trouxe até aqui” e frisou que “as coisas não devem passar por um parágrafo de um gabinete de imprensa”. “Num país com normais relações entre órgãos de soberania tem de ter uma forma de relação com a cidadania que prime pela transparência, pela responsabilização e que permita aos portugueses entenderem o que se passa”, apontou.

Após a análise ao contexto, Rui Tavares afirmou que “este é o tempo do Presidente da República”, que o partido “não faz pressões”, mas enalteceu que se Marcelo optar por eleições antecipadas essas devem “ser marcadas o mais depressa possível [porque] não interessa ao país prolongar situação de incerteza”. E garantiu que “o Livre estará pronto para ir a eleições e pode ambicionar ter um grupo parlamentar.”

Questionado relativamente ao Orçamento do Estado, Rui Tavares acredita que as discussões na especialidade estão “completamente esvaziadas”. “Ou a situação se clarifica ou não vemos vantagem em forçar este Orçamento”, realça.