“Se sou um jogador anti-vedeta? Não gosto de vedetismos porque acho que cada um nasceu com o seu dom. Tive a sorte de o meu dom ser de um trabalho que me dá muito dinheiro, mas se o meu dom fosse outro, numa área que não dá tanto dinheiro, estava tramado. Eu sou um privilegiado, não há razão para os jogadores de futebol serem vedetas”, explicava a certa altura da conversa com a jornalista Fátima Campos Ferreira o internacional português Bernardo Silva. No entanto, aquilo que o programa “Primeira Pessoa” da RTP1 mostrou é que esse não é o único “dom” do campeão europeu pelo City, que joga tão bem com a bola como com o conhecimento e as palavras. E foi assim que abordou vários temas, do início da carreira à forma como saiu da Luz, passando por um potencial regresso ao Benfica e até as últimas eleições do clube.

“Não apoiou Rui Costa nas eleições do Benfica? Não. Vinha de uma Direção que falhou muito, achei que o clube devia seguir outro caminho. Mas fiquei bem impressionado pela primeira época dele, era o meu ídolo. Se sonho voltar com Rui Costa? É-me indiferente, só quero que seja um presidente que leva o clube no curso certo. Se me quiserem no momento certo, as coisas vão acontecer. Eu gostava. É um negócio em que tem de haver duas partes envolvidas. Eu quero, se o clube quiser, na altura obviamente que as coisas vão acontecer. Se voltar a Portugal a parte financeira não será por aí. Vou querer receber salário correspondente ao meu valor, mas sempre dentro do que se pratica em Portugal. Não vou ser um maluquinho para pedir coisas que não façam sentido no nosso futebol”, comentou o esquerdino em relação a essa possibilidade que poderá começar a ganhar forma em 2026, altura em que chega aos 32 anos e acaba contrato com o City.

“Andei primeiro num colégio inglês, depois no Valssassina, depois no Luís de Camões. Contam-me histórias de que não me lembro, de que até pequenino na praia chutava bem a bola. Eu levava uma bola para a escola. Gostavam que eu fosse jogador e o presente de anos foi meterem-me nas escolinhas do Benfica. No fim do primeiro treino, como tinha muito jeito aos sete anos, convidam-me a trabalhar com os federados. Era ao lado do Estádio da Luz, ainda não havia Seixal. Foi um choque, era menino de colégio, privilegiado. Muitos com nove anos tinham pouco para comer ou quase nada, iam de transportes. Foi um choque para mim passar para um ambiente em que via que muitos passavam dificuldades. Incentivou-me. Chamavam-me betinho“, começou por referir em relação aos primeiros tempos como jogador de futebol.

“Uma vez na formação do Benfica disseram-me que ‘Filho de doutor não dá jogador’. Eu levei um bocadinho a peito e fiz tudo para que desse”, admitiu, antes de deixar uma palavra a uma velha glória dos encarnados. “Chalana, que faleceu há pouco tempo, foi uma figura muito importante para mim. Ajudou-me numa fase complicada, quando aos 16 anos queriam emprestar-me. Tive vários problemas no Benfica. Mas nunca devemos desistir, temos sempre de acreditar. Mesmo quando não resultam, temos de seguir o nosso sonho, sem arrependimento”, disse. “Forma como fui vendido? É aí que vem um bocadinho a minha tristeza porque achei que o clube poderia ter-me segurado de outra forma. Crítica a Vieira? Não só, mas a um grupo de quatro ou cinco pessoas que, se percebessem de futebol, diria eu, que tinham visto as coisas de outra forma”, apontou ainda o internacional português que “não admite” jogar no FC Porto ou no Sporting.

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“Aquilo que tentava era dar o meu máximo para ficarem comigo ali. O meu sonho sempre foi ser jogador do Benfica, Nunca sonhei jogar no City ou no Mónaco. Era sempre o Benfica, o que viesse depois era um extra. Não [fui opção] porque [Jorge Jesus] tinha outras opções e é legítimo. Sempre achei que foi legítimo. Posso ter sido um mau negócio, pois podia ter dado um outro retorno financeiro e desportivo. Podia ter ficado três ou cinco anos, como o Mónaco ficou, e depois ser vendido se quisessem por um valor superior. Talvez sim, sim…”, acrescentou ainda sobre essa saída para o clube francês em 2014 (com venda em 2015).

Na mesma entrevista no “Primeira Pessoa”, Bernardo Silva, que tem como grande “lacuna” o facto de ainda não ter ganho um Mundial ou um Europeu por Portugal (em 2016 lesionou-se perto do início da fase final), falou também do futebol português em comparação com a Premier League. “O Campeonato português tem muita manha. No sul da Europa, não só o português, mas também o italiano, atiram-se para o chão. Mas isso é um problema que devia ser controlado de outra forma. É como os miúdos de cinco anos, tem a ver com a educação. Os portugueses que jogam na Liga inglesa não se mandam para o chão. É culpa de todo um sistema que tem de se educar. Qual a autoridade mais direta? É o árbitro. Mando-me para o chão uma vez, o árbitro não apita, mando-me para o chão duas vezes, o árbitro não apita, à terceira já não mando. Em Portugal, os jogadores mandam-se para o chão uma vez, duas, e compensa. Esta pequena ideia do contactozinho, de ser tudo apitado, faz com que o nosso futebol depois se torne muito chato”, analisou Bernardo Silva.

“Polémicas? Isso também há em Inglaterra. As grandes decisões falam-se em todo o lado, o que faz o futebol mais atrativo em 90 minutos é estar sempre a andar. Em Portugal está sempre parado, porque alguém se manda para o chão e o árbitro pára. Se isso faz com que não queira voltar? A minha paixão pelo meu país, pela minha família, pela Seleção e pelo Benfica é muito grande e não se mede por as coisas estarem um desastre. Vou querer sempre voltar, independentemente disso”, reforçou o esquerdino.