O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fez esta terça-feira perante o corpo diplomático acreditado em Portugal um discurso contra as ideias de supremacia, de que há povos ou pátrias eleitos e de culpa coletiva. “Numa palavra: não ceder aos fundamentalismos, que dividem, que fragmentam, que constroem barreiras insuperáveis no convívio entre pessoas, sociedades e estados”, resumiu, em tom de apelo, o chefe de Estado, no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, num discurso em que não se referiu a nenhuma região nem a nenhum dos atuais conflitos.

Israel, Palestina e Ucrânia estiveram representados nesta cerimónia de apresentação de cumprimentos de ano novo pelo corpo diplomático acreditado em Portugal, que uma vez mais não contou com a presença de diplomatas da Federação Russa nem da Bielorrússia.

Na sua intervenção, estruturada em torno dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, Marcelo Rebelo de Sousa falou dos “sucessos e fracassos” da colonização portuguesa, com “exploração, escravidão, imposição injusta e tantas vezes opressiva”, para observar “como é passageiro o poder deste mundo”. “Como é ilusória a visão de que há povos ou pátrias eleitos e povos ou pátrias condenados”, considerou, a este propósito, acrescentando que “a fé tanto pode ser inspiradora como pode ser violentadora” e que “o conhecimento tanto pode ser usado para libertar como ser empregue para espezinhar”.

Partindo do processo de democratização em Portugal, o Presidente da República afirmou: “Aprendemos ainda que a democracia só existe quando se respeita a dignidade da pessoa. Que essa dignidade não pode ter cor, não pode ter credo, não pode ter raça, não pode ter supremacias de origem, de fortuna, de privilégio pessoal, familiar, de classe ou de território”.

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Segundo o chefe de Estado, Portugal aprendeu também “que viver em liberdade e construir em democracia é cada vez mais difícil, que é obra de cada dia, sempre inacabada e imperfeita”, e implica um conjunto de liberdades que “requerem menos pobreza, menos desigualdade, menos exclusão”.

No fim da sua intervenção, ao elencar os valores da política externa e de portuguesa, o chefe de Estado defendeu que não se pode “prescindir da dignidade da pessoa concreta de carne e osso” nem “aceitar a violação de valores e princípios essenciais da ordem jurídica internacional”.

“Não julgar os outros povos ou estados com a visão da culpa coletiva, visão essa errada, que legitima a ação armada contra pessoas inocentes, a somar-se à violação de valores jurídicos universais, que legitima o terrorismo desumano contra toda uma sociedade, e nela os mais frágeis, apenas porque eles devem pagar pelos seus governantes”, prosseguiu.

Marcelo criticou os que se declaram democratas e advogam “que só o abandono na democracia é eficaz para combater o terror ou a autocracia”. Ao fazer um apelo para que não se ceda aos fundamentalismos, declarou: “Sabemos que é uma exigência muito difícil, em tempos de emoção e não de razão, de envelhecimento de instituições, não do seu rejuvenescimento, de enquistamentos e não de aberturas, de ressentimentos, de vinganças, de complexos históricos, não de vontades, promessas e apostas.”

“Mas não desistimos. Não desistiremos. Em quase 900 anos de vida já vimos tantos sacrifícios do essencial por precipitações de um momento que importa não repetir esse erro que é o de confundir o fugaz com o efetivamente duradouro”, completou o chefe de Estado, desejando a todos e sobretudo aos respeitos povos um 2024 “mais repleto de felicidades do que de provações”.