Esta segunda-feira começou “o recato”, a postura que o líder do Governo em gestão prometeu ter a partir do momento em que fossem oficialmente marcadas as eleições. O decreto presidencial foi finalmente publicado e nos gabinetes do Governo, sabe o Observador, já existem orientações internas sobre como agir no período eleitoral que agora arranca. Uma espécie de guião para o “recato” prometido por António Costa, que se baseia no que já foi dito e decidido nos últimos anos pelo Tribunal Constitucional e pela Comissão Nacional de Eleições, sempre que foram feitas acusações de eleitoralismo a quem estava no poder executivo.

As indicações foram distribuídas na última semana para tentar homogeneizar a interpretação da legislação que já existe — e é alguma –, e tem um foco especial sobre a linguagem e o que é partilhado nas redes sociais oficiais, o que é dito por governantes em eventos públicos, mas também detalhar o que se pode e não pode fazer nesta fase.

Em termos de comunicação, os atos estão, no entanto, limitados: o Governo pode divulgar informação, aparecer, assinar protocolos e até inaugurar, mas com cautela na linguagem que é usada, que não pode ter carácter promocional, nem linguagem elogiosa. E mesmo isto já levantou dúvidas e análises concretas por parte do Tribunal Constitucional que sobre esta matéria tem uma posição: “A questão central, em todos estes casos, é a suscetibilidade de a publicidade institucional em causa influenciar os eleitores a votar em determinado sentido”.

O regime jurídico que regula a propaganda eleitoral através de meios de publicidade comercial define que a publicação do decreto que marca as eleições abre um período sensível para a comunicação feita pelos organismos do Estado. E proíbe claramente a “publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública”. Além disso, as leis eleitorais também estabelecem o dever de “neutralidade e imparcialidade das entidades públicas” em “qualquer intervenção nos procedimentos eleitorais”.

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Mesmo assim, são já um clássico as queixas das oposições em época eleitoral sobre o aproveitamento do palco por parte de quem ocupa o poder, o que tem tido especial evidência nas autárquicas. Mas estas legislativas trazem um fator pouco comum: um primeiro-ministro em funções que não é recandidato (a última vez que aconteceu foi há mais de 20 anos, em 2002), mas que se disponibilizou para ajudar na campanha — o que o novo líder do partido também já disse que aproveitará.

E as últimas semanas já levantaram a crítica de eleitoralismo da oposição sobre António Costa, tendo em conta a intensa agenda pública como primeiro-ministro, com apresentações como o projeto de construção das rendas acessíveis, o lançamento do programa de reabilitação de escolas, a consignação de empreitadas, visitas a obras (como a do Metro da Estrela ou ao Sistema de Mobilidade do Mondego), o lançamento de concursos públicos internacionais (como o da Alta Velocidade ou as redes de banda larga), assinaturas de protocolos ou inaugurações (como a de um pólo de investigação científica).

Costa volta a contrariar Marcelo sobre eleições. E atira “dever de recato” só para depois do dia 15

Passaram pouco mais de dois meses da apresentação da demissão do primeiro-ministro e António Costa esteve em cerca de 20 iniciativas deste género, chegando mesmo a dizer, a 2 de janeiro na visita à obra do Metro da Estrela, em Lisboa, que só a partir do dia 15 considerava a questão do “recato”. E foi mesmo até ao fim, com uma ida ao Crato, ainda este sábado, para a assinatura do contrato de financiamento para o aproveitamento hidráulico de fins múltiplos. E a partir daqui vai manter “agenda, mas muito mais limitada”, refere ao Observador fonte do Executivo.

O Governo pode divulgar informações, mas com cuidados especial sobre a linguagem usada (que não pode ser elogiosa, nem conter slogans promocionais). Mas mesmo estas linhas com que se coserá o Governo nos próximos dois meses e meio já tiveram acertos, perante queixas concretas, com o Tribunal Constitucional a afunilar a interpretação da legislação.

Por exemplo, na campanha autárquica de 2021, o TC emitiu um acórdão onde referiu que “a intenção meramente informativa [que está na lei] não constitui causa de justificação” de uma determinada publicitação por parte de entidades públicas. No caso era a Junta da União de Freguesias de Sandim, Olival, Lever e Crestuma que tinha anunciado nas nas redes sociais o arranque da obra numa escola básica, em pleno período eleitoral. Para o Tribunal, “a conduta só seria justificada perante a urgente necessidade pública ou o estrito cumprimento de um dever legal de divulgação”. O mesmo se aplicará às ações do Governo.

Costa e os seus ministros não estão proibidos de realizar ou participar em eventos (conferências, assinaturas de protocolos ou inaugurações) nem a dar entrevistas, fazer discursos ou responder a perguntas dos meios de comunicação social. E isso mesmo já foi detalhado no passado pela própria CNE, mais do que uma vez, sendo certo que o Tribunal Constitucional também já escreveu que “o nível de escrutínio deverá ser mais elevado relativamente a publicidade institucional emitida pelo órgão que se apresenta a eleições” — o que, nas eleições que se seguem, coloca o Governo debaixo de olho. No Governo admite-se, assim, que esta pode não ser uma “ciência exata” e que não tem “interpretação única”, pelo que — além das linhas gerais para guiar a ação — aconselha-se “bom senso”.