Vítor Escária vai declarar em sede de IRS os 75.800 euros que lhe foram apreendidos no seu gabinete na residência oficial do primeiro-ministro durante as buscas realizadas no passado dia 9 de novembro no âmbito da Operação Influencer.

Em entrevista ao programa “Justiça Cega” da Rádio Observador — que passa a ser emitido às 19h de todas as terças-feiras —, o advogado Tiago Rodrigues Bastos garantiu que o seu cliente Vítor Escária “já declarou ao Fisco o valor que auferiu no ano fiscal de 2022”, “retificando a sua declaração de IRS”, e “vai declarar o valor que diz respeito a 2023.”

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Contudo, o valor total que Vitor Escária irá declarar em 2022 e em 2023 atinge os 80 mil euros. A razão é simples de explicar: Escária afirmou desde a primeira hora junto do juiz de instrução criminal da Operação Influencer que tinha ganho 80 mil euros em serviços de consultadoria. O que significa que gastou 4.200 euros antes das buscas realizadas a São Bento.

A partir desse valor total de 80 mil euros, Escária retificou o IRS de 2022 em 40 mil euros e vai declarar o mesmo valor a partir de 1 abril em sede de IRS de 2023.

Tiago Rodrigues Bastos considera que, dessa forma, não existem motivos para uma investigação por alegado crime de fraude fiscal. “É verdade que não há um cumprimento das formalidades legais relativamente à parte auferida em 2022”, o que levou “a uma retificação no IRS de 2022”. Contudo, o advogado considera que tal retificação relativa ao ano de 2022 e a declaração de 2023 resolvem o problema.

O advogado revela ainda que a retificação do IRS de 2022 levou a uma nova liquidação fiscal e que Vítor Escária já pagou a conta que recebeu.

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75.800 euros serão investigados na Operação Influencer? “Não vejo razões para que isso aconteça”

Questionado sobre a origem dos fundos recebidos por Vítor Escária, o advogado afirmou: “O que o meu cliente me transmitiu é que se tratavam de quantias que provinham da sua actividade profissional de consultor anterior à sua actividade como chefe de gabinete do primeiro-ministro”.

Na altura dos interrogatórios, foi avançado que tais rendimentos como consultor teriam sido auferidos em Angola, onde se paga em dólares. Questionado sobre essa matéria, Tiago Rodrigues Bastos não entrou em pormenores. “Não me cabe a mim estar aqui a esventrar ou a revelar a vida do meu cliente”, disse.

Porque é que não foram depositados num banco? “Percebo as vossas perguntas. Eu tenho que defender o dr. Vitor Escária. Não tenho que falar em nome do dr. Vitor Escária. Fui alvo de chacota por ter dito que teria algumas dificuldades em depositar aquele dinheiro num banco e julgo que não estaria a mentir.”

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Seja como for, Rodrigues Bastos admite que a residência oficial do primeiro-ministro “não foi o melhor sítio para ter aquele dinheiro”. “A principal preocupação [quando fez as declarações polémicas no dia das detenções] foi deixar claro que aquela quantia de dinheiro não tinha rigorosamente nada a ver com o que estávamos a discutir naquele processo. Em rigor, não era necessário ter feito isso porque o Ministério Público retirou logo essa questão no primeiro dia dos interrogatórios, não obstante ter feito essa referência [no despacho de apresentação]”, disse.

Questionado sobre se tinha a certeza se a origem dos 75.800 euros não iriam ser investigados nos autos da Operação Influencer, Tiago Rodrigues Bastos afirmou que, apesar de essa ser uma decisão que compete ao Ministério Público, não vê “razões para que isso aconteça”. “Na indiciação não há um apontamento sobre qualquer recebimento de quantias por parte do dr. Vítor Escária. Aliás, e tendo em conta os crimes que estão ali em causa, causa alguma perplexidade que não exista uma menção a qualquer contrapartida”.

Escária “compreendeu” a “vergonha” sentida por Costa e “tem noção de que foi grave”

O advogado de Vítor Escária foi ainda questionado sobre a reação do seu cliente às declarações de António Costa sobre a descoberta de 75.800 em dinheiro vivo na residência oficial do primeiro-ministro, nomeadamente quando Costa afirmou que a situação “mais do que me magoar pela confiança traída, envergonha-me”, tendo inclusivamente pedido “desculpas ao portugueses” pelo sucedido.

Tiago Rodrigues Bastos diz que “Vitor Escária tem noção de que foi um ato grave e que não devia ter acontecido.” Mancha a imagem do Governo? “Naturalmente que mancha.”

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Daí que não faça “disso nenhum drama” e perceba  “a mágoa que o dr. António Costa sentiu”. “Evidentemente, gostava de lhe ter explicado antes de ele ter reagido” e de o ter exonerado com efeitos imediatos. “Mas compreende que a situação obrigava a que dr. António Costa tomasse uma situação”, conclui o advogado.

Questionado sobre se António Costa costumava ir ao gabinete de Vítor Escária, Tiago Rodrigues Bastos diz que não sabe, mas acrescenta que “essa tentativa de tentar colar uma coisa à outra não tem fundamento e não tem sustentação em nenhum indício”.

Escária vai reagir contra o IKEA? “Evidentemente que não. As coisas são como são”

Face ao sucesso viral da campanha do IKEA que explorou a descoberta dos 75.800 euros em dinheiro vivo em São Bento para publicitar uma nova estante, o advogado de Vitor Escária foi ainda questionado sobre se o professor de Economia tenciona reagir de alguma forma. “Evidentemente que não tencionamos fazer rigorosamente nada. As coisas são como são. Se não formos capazes de rirmo-nos de nós próprios… o grande sucesso do Ricardo Araújo Pereira é precisamente usar as situações de vida para caricaturá-las e sentir o sentido humorístico das coisas. Se não formos capazes de encarar com alguma bonomia e alguma descontração, então atiramo-nos ao mar!”