“Teleperformance: todos pobres”, lia-se num cartaz. “Pagam o mínimo, trabalhamos o mínimo”, reclamava outro. Foram centenas os trabalhadores da multinacional, que tem cerca de 14 mil funcionários em Portugal, que estiveram em protesto esta segunda-feira contra a “revisão da estrutura salarial” anunciada pela empresa. Apesar de muitos desses trabalhadores serem estrangeiros e não votarem em Portugal, foi o contexto ideal para que Mariana Mortágua se insurgisse contra os salários “indignos” pagos por grandes empresas — e colocasse as questões laborais entre as prioridades de um possível acordo à esquerda.

A coordenadora do Bloco de Esquerda juntou-se aos trabalhadores da Teleperformance neste “protesto histórico” que será o maior de sempre na empresa, por entre aplausos fortes e cânticos revolucionários como “Bella Ciao”, para dirigir críticas muito duras aos “milionários” e às empresas que “extorquem” os trabalhadores, defendendo que Portugal não pode ser “a meca” e “o offshore” dos “baixos salários”.

“É uma das lutas mais importantes do país, a luta pelos salários. A solução para os jovens não são salários de mil euros”, começou por dizer aos jornalistas, explicando que a empresa estará a recusar aumentar trabalhadores (em boa parte estrangeiros) para o salário mínimo porque lhes paga alojamento.

“Este é o modelo que temos, e é o modelo errado. Não pode acontecer ter tantos jovens a trabalhar numa empresa e a ganhar menos do que o salário mínimo porque uma grande multinacional, como tantas vezes a direita diz que quer no país, empresas a quem quer cortar no IRC, se recusa [a pagar mais], paga salários de miséria. É uma total exploração laboral”, atirou. “Portugal não pode ser a meca dos baixos salários”. De uma vez só, tentava atingir dois alvos que constam do seu caderno de encargos para esta campanha: atacava a direita e as empresas com grandes lucros que, ainda assim, pagam baixos salários e tentava posicionar-se como um partido que quer aumentar esses salários.

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E como é que se resolve a questão salarial? Para a esquerda, é com uma série de medidas que enumerou — do aumento do salário mínimo ao combate ao falso outsourcing e ao fim da caducidade da contratação coletiva — garantindo que, com mais “força”, o BE pode “impor” estas soluções, mesmo que tenham sido um dos principais motivos de rutura com o PS no passado.

“A questão laboral é tão importante como saúde, habitação e educação. São as prioridades para o país, o que pode fazer com que Portugal vire a página da maioria absoluta”, clarificou, sobre as prioridades para um acordo à esquerda. “Aqui não aceitamos gente a receber abaixo do salário mínimo, Portugal não pode ser o offshore dos baixos salários. Foi assim em 2015, a força do voto permitiu aumento do salário mínimo, e será outra vez assim”.

E reagiu ao facto de Pedro Nuno Santos ter falado nas vantagens de um acordo escrito, no debate transmitido pelas rádios logo de manhã: “A única forma de fazer um acordo duradouro que transforme a vida das pessoas é ser para uma legislatura. É assim que se pensam políticas a longo prazo, e ser escrito para ser escrutinado”. Ficou surpreendida com a disponibilidade do PS? “É do mais elementar bom senso, fiquei a saber hoje no debate. Não fico surpreendida porque é a única forma de haver um acordo. Devemos focar-nos nos conteúdos”. Conteúdos que serão mais “exigentes”, avisou, depois de a maioria absoluta ter “cavado muitas crises”.

Vincado o desafio ao PS, lançou ataques contra a direita: “Os trabalhadores sabem o que aconteceu quando a direita governou e quando leem os programas da direita o que encontram são mais promessas de precariedade. Quem despreza o trabalho e o salário está a desprezar o país, e fazem-no em nome de lucro para as grandes empresas e milionários, que depois financiam Chega e IL”.

“É muito claro por que faz política a direita, e é uma escolha de vida, para apoiar grandes interesses”, prosseguiu. “Na vida há duas formas de estar: com os trabalhadores, sabendo que é daqui que vem a riqueza, crescimento, decência, e há quem oriente todo o programa para benefícios fiscais a grandes empresas e milionários que o que sabem fazer é extorquir estes trabalhadores e apresentar-se como os salvadores do país. Não são. Os salvadores do país é quem aqui está hoje”, disparou. Aos trabalhadores, a quem falou de megafone na mão, disse que o BE “nunca vacila” nessa escolha e que pôs “a palavra precariedade no mapa”. “Continuem, que eles vão ceder”, aconselhou.

Bloco contra a elite que “assalta Portugal”

De noite, o cenário mudou — passou a ser um quartel de bombeiros em Évora — e o tema também — com os pecados da agricultura superintensiva a marcarem o discurso da líder. Ainda assim, o jantar-comício de Mariana Mortágua manteve a lógica que tinha marcado o início do dia, assentando num discurso contra as elites e os grandes interesses, e indo desembocar num ataque às direitas.

Estando em terras alentejanas, Mortágua começou pelos “relatos de conquistas maravilhosas” na agricultura local, nos recordes de produção de azeite e na exploração da terra. O problema, argumentou, é que esta já se transformou em sobreexploração, com as terras a serem vendidas a “fundos financeiros internacionais” que beneficiam de regras fiscais simpáticas e vêm com intenção de explorar a agricultura durante uns anos até não sobrar “nada”.

Uma “corrida para o abismo”, sentenciou a coordenadora bloquista, criticando toda a forma de explorar a terra e os próprios trabalhadores, falando num “abuso máximo sobre a terra e quem a trabalha” e a ilusão de que a natureza pode ser “fintada” sem uma verdadeira transição ambiental. “Há quem diga que o mercado fará essa transição porque não há lucro quando o planeta estiver morto. Mas há quem lucre muito enquanto mata o planeta”, disparou.

Os imigrantes são dos principais prejudicados, prosseguiu. “O Alentejo tem hoje mais crianças nas escolas, gente nas aldeias e vilas que estavam desertas. Isto devia ser motivo de celebração, mas não podemos celebrar o abuso de trabalhadores”. A culpa, frisou, o tom a subir, é da “elite” que “assalta Portugal de muitas formas” e que quer continuar a explorar trabalhadores imigrantes entregues às máfias, cada vez com menos direitos.

No fim do dia, como no começo, a mensagem foi uma: o lucro “fala sempre mais alto”; os mais prejudicados são os mais desfavorecidos, neste caso os imigrantes contra quem a extrema-direita se vira. “Como pode quem vive em barracas ser culpado pela crise da Habitação? Como pode quem é explorado ser culpado pelos baixos salários?”. Conclusão:  “A extrema-direita aponta o dedo aos mais frágeis porque têm medo de que olhemos para cima, para quem lucra e explora”. Um discurso que parece ser um eixo central da campanha que agora começa.