A Unidade Local de Saúde (ULS) do Oeste vai deixar de fazer cirurgias ao cancro da mama, a partir de abril, mas médicos e as oito autarquias da região contestam a medida, que querem ver revertida.

A suspensão da atividade cirúrgica no âmbito da neoplasia da mama foi determinada pela Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), numa deliberação a que a Lusa teve acesso e que tem por base um relatório do grupo de trabalho para a elaboração da rede de referenciação hospitalar de Cirurgia Geral.

Nesse relatório, defende-se a restrição do tratamento cirúrgico do cancro da mama “a instituições que realizem pelo menos 100 cirurgias/ano e que tenham pelo menos dois cirurgiões dedicados”.

Este limite determina a suspensão das cirurgias da mama no Hospital das Caldas da Rainha, onde o tratamento ao cancro da mama é realizado há 40 anos, e desde há 30 de forma regular, no âmbito de um protocolo com o Instituto Português de Oncologia de Lisboa. O Hospital das Caldas faz cerca de 50 cirurgias por ano.

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Hospital espera triplicar cirurgias a partir desde ano, cumprindo mínimos da DE-SNS

No entanto, a decisão é contestada pela diretora do serviço, Ágata Ferreira, sustentando que o número de cirurgias realizadas neste hospital só é inferior a 100 porque “muitas utentes desta área de influência, sobretudo da área do Agrupamento de Centros de Saúde Oeste Sul, têm sido indevidamente referenciadas para outras unidades de saúde de Lisboa e Vale do Tejo”.

Ao Observador, a cirurgiã garante que, com a integração de cuidados promovida pela nova organização hospitalar (as ULS, que integram hospitais e centros de saúde), o Hospital das Caldas tem a expectativa que os centros de saúde aumentem a referenciação para aquela unidade, deixando de enviar os doentes para os hospitais de Lisboa, nomeadamente o Hospital de Santa Maria e o IPO de Lisboa — onde os tempos de espera são muito mais elevados do que nas Caldas da Rainha.

“Fizemos uma reunião com os centros de saúde no final do ano passado e notámos um grande aumento de envios para consulta” durante o início de 2024, revelou a especialista.

À agência Lusa, a cirurgiã garantiu que o Hospital das Caldas da Rainha “tem capacidade para dar resposta a toda a população da ULS do Oeste”, estimando que o número de cirurgias aumente para “cerca de 150” por ano, já que, com a criação da ULS Oeste, todos os utentes serão referenciados para esta unidade.

De acordo com a médica, o hospital “fez avultados investimentos nas condições do serviço e na formação prático-científica dos profissionais“, significando esta medida “uma despromoção dos cuidados hospitalares no Oeste” e na idoneidade formativa de Cirurgia Geral nesta unidade, “já que esta patologia é obrigatória durante o internato”.

Fim da valência pode afastar cirurgiões, avisa a diretora de serviço

A diretora do serviço de Cirurgia alerta para as consequências das cirurgias para o próprio hospital. “Vai prejudicar o próprio hospital. Temos uma equipa dedicada à mama. Se nos tiram a valência, estes cirurgiões vão querer ficar? Provavelmente não e vão depauperar ainda mais o hospital”, avisa Ágata Ferreira.

“Mais: temos internos em formação. Eles têm de ter mama na sua formação. Há um número mínimo de cirurgias definido pelo colégio da especialidade. Onde as vão fazer?”, questiona a médica.

Num documento em que pede à Direção Executiva do SNS que reverta a suspensão das cirurgias, Ágata Ferreira afirma que, “numa altura em que se projeta um novo hospital para a região, não se compreende este desinvestimento” na unidade que conta com três cirurgiões dedicados a esta patologia e um cirurgião plástico para reconstrução mamária.

Conta ainda com oncologista, imagiologista e patologista dedicados ao cancro da mama e com especialidades como Psicologia Oncológica.

No documento, a que a agência Lusa teve acesso, a médica sublinha o facto de a proximidade da população servida e a disponibilidade de apoio domiciliário permitir que “a maior parte das cirurgias se realize em regime de ambulatório”.

Ágata Ferreira adianta que foi pedida uma reunião à Direção Executiva do SNS, que ainda não deu qualquer resposta. Com a suspensão das cirurgias, a partir de 1 de abril, os doentes passarão a ter que se deslocar ao Hospital de Leiria ou ao de Santarém, o que, segundo a médica, agrava os “incómodos e custos”, quer para a população quer para o SNS.

Além dos médicos, as “oito autarquias da ULS Oeste discordam desta decisão”, disse à agência Lusa o presidente da Câmara das Caldas da Rainha, Vítor Marques (independente), acrescentando que, “em consenso, os autarcas solicitaram uma reunião com o diretor executivo do SNS para tentar impedir que as cirurgias deixem de ser feitas naquele hospital”.

A manutenção das cirurgias nas Caldas da Rainha permite aliviar outros hospitais que já se encontram sobrecarregados e evitam que os utentes, que agora têm resposta no prazo de uma semana ou 15 dias, entrem para morosas listas de espera”, afirmou.

A agência Lusa solicitou esclarecimentos à Direção Executiva do SNS, mas não obteve resposta.

A ULS do Oeste agrega, desde 01 de janeiro de 2024, o Centro Hospitalar do Oeste, os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) do Oeste Norte e do Oeste Sul, integrando os concelhos de Caldas da Rainha, Óbidos, Bombarral, Peniche, Lourinhã, Cadaval, Torres Vedras e Sobral Monte Agraço.

A população da área geográfica de influência direta da ULS do Oeste é de 235.231 residentes.