Entre as 18h00 e a meia-noite desta sexta-feira, os estafetas da Uber Eats, da Bolt Food e da Glovo são chamados a ignorar os pedidos de entregas que lhes forem solicitados nas aplicações. A “paralisação” está a ser organizada por dois movimentos de estafetas que prometem um protesto pacífico e exigem o aumento do pagamento base por quilómetro e “adicionais” acima dos dois quilómetros. As plataformas de entregas garantem que ouvem “constantemente” os trabalhadores.

A paralisação está a ser preparada através de grupos de WhatsApp, de dois movimentos — os Estafetas em Luta, cujo grupo tem 200 elementos; e os Estafetas Unidos, que conta com mais de 1.000 (mas há outros grupos mais locais com mais elementos). Estes grupos incluem estafetas de diversas nacionalidades.

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Os dois movimentos exigem um pagamento mais “justo”, com a fixação do valor mínimo de três euros para as entregas até dois quilómetros, com um adicional de 50 cêntimos por quilómetro entre os dois e os 4,9 quilómetros, e de um euro por quilómetro a partir dos cinco quilómetros, segundo o documento reivindicativo consultado pelo Observador.

Ao Observador, Hans Melo, porta-voz dos Estafetas Unidos, indicou que atualmente os estafetas podem ganhar por cada entrega um valor base de 1,20 euros ou 2,3 euros, em média, para uma entrega “simples”, valor que pode ser diferenciado entre as regiões do país e da própria plataforma. As plataformas têm sublinhado que há outras componentes da remuneração e que há componentes que podem ser definidas pelo estafeta.

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Os estafetas também querem o acréscimo do pagamento base para domingos e feriados, assim como um adicional noturno, e que os pedidos duplos sejam “pagos individualmente”, bem como o “fim dos pedidos triplos”. “Os clientes não imaginam que muitas vezes estamos com os seus pedidos prontos na mochila há um tempo, a esfriar, enquanto as plataformas de delivery nos deslocam para outros restaurantes, muitas vezes longe, para enfrentarmos uma outra fila (10, 20 minutos) para recolha do segundo pedido, pagando só mais alguns cêntimos”, criticam, no documento.

Hans Melo, de nacionalidade brasileira, que também trabalha como informático, defende que o estafeta, como trabalhador independente, “devia ter o direito de escolher a ordem de entrega e o percurso”.

Os estafetas pedem, ainda, que a distribuição dos pedidos seja feita por ordem de chegada ao ponto de recolha. “Sentimos uma frustração diária ao chegar primeiro aos pontos de recolha e mesmo depois de 1 hora ou mesmo 2 horas aguardando um pedido para entrega, nenhuma solicitação de ordem nos chega, caindo ordens para quem chegou por último e até mesmo de forma seguida”, descrevem, no documento reivindicativo (a que chamam “pauta de reivindicações).

Pedem, também, que seja paga a deslocação até ao ponto de recolha. Além disso, exigem “transparência” nos pagamentos, ou seja, que as plataformas detalhem a composição de cada pagamento, incluindo o valor base, locais de recolha e entrega no momento em que aceitam o pedido, “kilometragem parcial e total, cada extra por parte da empresa, cada gorjeta, cada número, tempo do estafeta online”. E que exista uma “linha direta com a empresa, bem como escritórios nas principais cidades”.

No documento, os estafetas denunciam as condições em que muitas vezes trabalham, como os “perigos do trânsito”, chuva, a “mochila pesada nas contas com destino ao cliente” que “muitas vezes sobe três a quatro andares de escada até cumprir a sua missão”, de terem de ser os próprios a adquirir as viaturas, o combustível e os telemóveis que “danificam rapidamente pelos choques diários, sol e chuva”, sem férias pagas, subsídio de Natal ou férias (a Uber, por exemplo, tem argumentando que paga um seguro que garante proteção na eventualidade de doença ou acidentes). Por isso, defendem que os valores que estão a exigir são “minimamente justos e dignos“.

Hans Melo, dos Estafetas Unidos, conta que, em Coimbra (cidade onde trabalha), um estafeta conseguirá, em média, tirar entre 3 e 3,5 euros por pedido. “Só que ainda tem de tirar o combustível, as despesas com pneus, os impostos, o telemóvel”, salienta.

Marcel Borges, porta-voz dos Estafetas em Luta, dá o exemplo da Glovo que, segundo diz, paga 24 cêntimos por quilómetro “quando na pandemia chegou a pagar 48 cêntimos”. Segundo a informação que consta no site da plataforma, os ganhos de um pedido são compostos por uma taxa base (que a Glovo não revela qual é); pelo número de quilómetros desde o ponto de recolha até ao ponto de entrega, cujo valor também não é confirmado pela plataforma ao Observador; as “promoções variáveis” (normalmente em feriados, dias de chuva ou períodos de alta procura); o tempo de espera (em que a Glovo garante que o estafeta “receberá ganhos extras caso o pedido demore mais tempo que o normal na recolha”); ou os “desafios” (por exemplo, ganhar 20 euros se fizer dez pedidos).

A plataforma de entregas tem, também, o chamado “multiplicador“, um sistema de bonificação que pode ser definido pelo estafeta e a plataforma e permite multiplicar o montante recebido por pedido. Este multiplicador tende a aumentar em dias de chuva ou temporal ou em feriados para a plataforma incentivar trabalhadores a estarem ativos.

Marcel Borges diz, porém, que num dia comum, quanto maior o multiplicador escolhido pelo estafeta, menos pedidos tende a receber, pelo que muita vezes optam por valores mais baixos. O que consta no site da Glovo é algo diferente: “Todos os estafetas recebem pedidos independentemente do multiplicador. A probabilidade de receber pedidos varia consoante a oferta e procura em cada momento, assim como de acordo com outros fatores, como a distância e preço“, indica a plataforma, que não confirma ao Observador se o número de pedidos  recebidos pelo estafeta diminui à medida que o multiplicador selecionado pelo trabalhador aumenta.

Os Estafetas em Luta acusam a Glovo de ter aumentado estes multiplicadores na última paralisação, a 23 de fevereiro, também de algumas horas, para desincentivar os estafetas de fazerem “greve”. Este multiplicador tende a aumentar quanto maior é a procura dos clientes, que tende a subir à noite. Questionada sobre o assunto, a Glovo não se pronunciou.

O Observador questionou as três plataformas individualmente sobre a paralisação de sexta-feira, mas a resposta veio da Associação Portuguesa das Aplicações Digitais (APAD), que junta Bolt, Uber e Glovo. “Respeitamos o direito que todos têm de se manifestar, com respeito pela segurança e ordem públicas”, começam por dizer, acrescentando que a “flexibilidade dos serviços prestados pelas plataformas permite aos estafetas utilizar as aplicações quando, onde e como quiserem”. E garantem estar em contacto constante com as plataformas.

“As plataformas digitais a operar em Portugal ouvem constantemente os estafetas, e continuarão a fazê-lo, de modo a melhorar a sua experiência”, dizem. Os porta-voz dos estafetas, porém, queixam-se de não serem ouvidos pela empresas e de não haver uma efetiva negociação.

Estafetas garantem protesto pacífico junto a restaurantes e shoppings mais movimentados

Marcel Borges explica que os dois movimentos vão ter, na paralisação desta sexta-feira, “vários estafetas em vários pontos de recolha”, sobretudo os mais movimentados, como cadeias de fast-food e junto a centros comerciais, para “consciencialização outros estafetas a aderirem ao movimento”, mas garante que “de maneira pacífica, sem violência”.

Hans Melo diz que na paralisação de fevereiro houve “dois casos isolados” de violência verbal entre estafetas, mas também garante que os trabalhadores que não querem aderir à paralisação serão respeitados. A “consciencialização”, garante, servirá para “informar os estafetas que podem não saber que a ‘greve’ está a acontecer porque não estão nos grupos de WhatsApp criados”. “Não vamos impedir ninguém de entregar os pedidos, mas consciencializar”, sublinha.

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Hans Melo frisa que esta forma de protesto não representa “prejuízo para os estabelecimentos comerciais”. “Uma vez que o pedido fica pronto, o comerciante dá como pronto e a Uber tem a responsabilidade de enviar o estafeta para recolher o pedido. Se o estafeta não chega, o empresário recebe da mesma forma pela entrega. Não é verdade que esta paralisação signifique prejuízos para comerciantes portugueses. A Uber tira do bolso dela e paga a cada estabelecimento como se o pedido tivesse sido entregue“, sintetiza.

Esta paralisação está focada nos valores a pagar aos estafetas e não no reconhecimento de um contrato de trabalho dependente. Marcel Borges, dos Estafetas em Luta, tem estado ligado aos processos em tribunal (é advogado e também trabalha como motorista TVDE ou estafeta) movidos por trabalhadores da Glovo que querem ver reconhecido um contrato com a plataforma (é quem os representa). Mas sublinha que esse não é o foco da paralisação desta sexta-feira, até porque, diz, há muitos estafetas que querem manter-se como trabalhadores independentes. Só que, ao mesmo tempo, querem também conseguir um rendimento superior.

“O reconhecimento do contrato, para quem o quer, pode demorar dois, três anos. Até lá, o que vamos fazer? Não tem como trabalhar com os valores atuais. Esta paralisação é uma medida para tentar estancar o sangue”, diz Marcel Borges.

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