Quatro ex-primeiros-ministros sentam-se para conversar, dois espanhóis e dois portugueses. Um deles, o mais recente na condição, sente-se numa “aula prática de aprender a ser ex-primeiro-ministro”. António Costa é novo nesta lide e ainda está a digerir o passado muito recente, nomeadamente o resultado das eleições de 10 de março e o crescimento da direita radical. Está, no entanto, convencido que isso será sol de pouca dura.

Quando alguém no painel do Foro La Toja fala em otimismo, o socialista ri-se e agita-se na cadeira. Afinal, foi a ele que ficou colado (pelo Presidente da República) o rótulo de “otimista irritante” e é assim que permanece quando olha para o que aconteceu nas legislativas. Associa o crescimento do Chega à “falta de tração” do PS e do PSD e também às “circunstâncias particularmente estranhas” em que aconteceram as últimas eleições. “Não vale a pena exagerarmos na interpretação destes resultados”, disse defendendo “que se dê tempo para que as coisas retomem a normalidade”.

Falou, assim, sem falar, da operação Influencer, em que também está envolvido, atribuindo-lhe responsabilidade pelo desfecho eleitoral — já o tinha dito na noite de 10 de março, quando foi ao Altis cumprimentar o líder socialista Pedro Nuno Santos. À entrada para a conferência, que decorreu na Gulbenkian, Costa tinha dito que não queria falar mais no assunto e  também que não tem mais informações sobre o pedido que fez para ser ouvido de forma célere pela Justiça. Enquanto assim for, é um peso demolidor sobre a sua ambição política futura que, ainda assim, vai mantendo acesa.

No painel dedicado aos 50 anos de democracia, “O Passado e os Desafios do Futuro”, o ex-primeiro-ministro sentou-se ao lado de Mariano Rajoy, Felipe González e Francisco Pinto Balsemão, convencido que em Portugal mantém-se “fundamental para a vitalidade da democracia que a polarização seja possível corporizar através dos dois grandes partidos do centro esquerda e do centro direita”. PS e PSD, lembrou, “sempre foram capazes de liderar alternativas”, a tal “normalidade” que continua a apostar como fatal como o destino, depois do fenómeno populista.

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Quanto ao quadro europeu, Costa disse que “é desafiante nestes tempos” e discordou de Balsemão que, pouco antes, neste mesmo painel, tinha defendido uma Europa federada. Uma ideia “tentadora”, reconheceu o socialista que, no entanto, sublinhou que não conhece nenhuma federação que tenha resultado da junção de vários Estados-nação. “É muito difícil dar o salto para a federação”, considerou.

Defendeu, contudo, que a Europa não se feche sobre si mesma: “Não podemos ter autonomia estratégica global com o regresso ao protecionismo”. A ideia é de uma “abertura da Europa ao mundo”, privilegiando as migrações, os “acordos comerciais inteligentes com outros países” sobretudo da América latina — aqui já se encontrou com Balsemão.

[Já saiu o sexto e último episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui, o terceiro episódio aqui, o quarto episódio aqui e o quinto episódio aqui]

Ainda que o populismo seja desgraduado pelo socialista, a verdade é que não lhe sai da cabeça. E mais adiante, noutra intervenção no mesmo painel, apontou que “o sentido de falta de futuro é uma das coisas que mais alimenta os populismos”. Aproveitou uma expressão ali cunhada por González, a “efricácia na democracia” (não é uma gralha, mas a ideia de uma democracia mais oleada e sem novelos burocráticos onde o populismo possa aninhar-se e crescer), para apontar caminho a este combate.

Costa alertou não só para a “fratura social muito forte” que existe, com o crescimento das desigualdades, mas sobretudo “o problema terrível” entre os jovens de não terem a perspetiva de que vão viver melhor do que a geração anterior. Aqui aponta a habitação como um dos temas que mais contribui para o desalento dos mais jovens e admitiu falhas no acompanhamento dessa área de governação.

Começou por dizer que o período de taxas de juro “anormalmente negativa” permitiu a entrada do mercado imobiliário do investimento estrangeiro. “Também não demos conta que a alteração das dinâmicas familiares implicou uma alteração da habitação”, já que “há mais pessoas a viverem sozinhas”: “Apesar da população ser menor, as necessidades de habitação são maiores”. Além disso, “a liberdade de circulação introduziu grande pressão”, disse ainda Costa.

Ainda assim, defendeu os governos que promoveram a atração de capital estrangeiro face à “brutalidade da crise de 2008”, mas reconhece que “isso teve consequências”, argumentando que não é “esquerdismo” nenhum acabar com os vistos gold ou restringir o alojamento local, tendo em conta essa mesma realidade.