Investigadores da Fundação Champalimaud descobriram um mecanismo cerebral que explica como é que a experiência molda a ligação entre os neurónios e porque, por exemplo, geralmente pensamos num dálmata quando vemos um padrão de manchas pretas e brancas.

É conhecido que “o cérebro interpreta a informação visual combinando o que se vê com o que já se sabe”, mas o estudo publicado esta segunda-feira na revista Neuron “revela um mecanismo que permite aprender e armazenar o conhecimento existente sobre o mundo“.

Os cientistas concluíram que “os neurónios estão ligados para conectar conceitos aparentemente não relacionados entre si”, indica um comunicado da Fundação Champalimaud (FC).

“Estas ligações neurais poderão ser cruciais para aumentar a capacidade que o cérebro tem de prever o que se vê com base em experiências passadas“, constituindo o estudo “mais um passo no sentido de uma melhor compreensão sobre como este processo fica desregulado nas perturbações da saúde mental”, como se pensa ser o caso do autismo e da esquizofrenia.

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Para que aprendamos a compreender o mundo à nossa volta, o cérebro vai construindo “uma hierarquia de conhecimentos, com conceitos de ordem superior ligados às características de ordem inferior que os compõem”.

Por exemplo, os dálmatas têm manchas pretas e brancas, os elefantes são cinzentos, grandes e pesados, estando também associados “a contextos de ordem superior tais como a selva e os safaris”.

“A ligação de conceitos ajuda-nos a compreender o mundo e a interpretar estímulos ambíguos. Se estivermos num safari, é mais provável ver um elefante atrás das árvores do que se estivéssemos noutra situação. Da mesma forma, saber que se trata de um elefante faz com que seja mais provável inferir a sua cor como cinzenta, mesmo ao anoitecer”, explica Leopoldo Petreanu, autor sénior do estudo, citado no comunicado.

Na rede que constitui o sistema visual do cérebro trabalham em conjunto áreas inferiores, que lidam com pormenores simples (pequenas regiões do espaço, cores, arestas) e áreas superiores, que representam conceitos mais complexos (regiões maiores do espaço, animais, rostos).

“As células das áreas superiores enviam ligações de feedback para as áreas inferiores, colocando-as em posição de aprender e incorporar relações, moldadas pela experiência, entre objetos do mundo real”, refere o comunicado.

Assim, as células que codificam um “armário” podem enviar feedback às que processam características como “prateleiras” e “gavetas”.

“Procurámos perceber como é que estas projeções de feedback armazenam informação sobre o mundo”, diz Rodrigo Dias, um dos autores do estudo.

Os cientistas analisaram, em experiências com ratinhos, os efeitos da experiência visual nas projeções de feedback para uma área visual inferior”.

Os testes permitiram o desenvolvimento de “um modelo computacional que mostra como a experiência conduz a um processo de seleção”, o que “minimiza a redundância”, permitindo a integração de “uma gama mais diversificada de feedback”, adianta Petreanu.

A FC assinala que “a identificação desta interface cerebral, onde o conhecimento prévio é combinado com novas informações sensoriais, pode ser importante para desenvolver intervenções nos casos em que este processo de integração não funciona corretamente”.

Segundo Petreanu, compreender a forma como a informação sensorial e o conhecimento prévio são integrados poderá ajudar a lidar com desequilíbrios a este nível que se pensa ocorrerem em doenças como o autismo e a esquizofrenia.

“No autismo, os indivíduos poderão percecionar tudo como sendo novidade porque a informação prévia não é suficientemente forte para influenciar a perceção. Pelo contrário, na esquizofrenia, a informação prévia poderá ser demasiado dominante, levando a perceções que são geradas internamente e não baseadas em dados sensoriais reais”.